José Eduardo Ferolla
O que ocorreria a vocês, se fossem convidados a falar sobre estes assuntos? Eu, precisei perguntar: o quê com isto, ou a partir disto, esperavam que eu dissesse?
A tradução dos organizadores começou com uma história do pedreiro, passou para o preço do saco de cimento, e acabou resvalando num piano… já que estava assim, tão ad libitum, poderia eu comentar ainda, ou senão, sobre as seguintes questões: “A Pertinência da Poética e a Forma da Construção”, ou “A Pertinência da Construção e a Poética da Forma”, ou “A Forma da Poética e a Pertinência da Construção”, ou “A Forma da Pertinência e a Poética da Construção”, ou “A Poética da Pertinência e a Construção da Forma”, ou “A Construção da Pertinência e a Forma da Poética”, ou “A Construção da Poética e a Forma da Pertinência” etc, sem que fizesse a menor diferença, tudo renderia assunto e um causo. Giochezze, giochezze! comentaria meu pai.
Mas esta ausência de limites sempre perturbou este mamífero, cuja prosa, clássica por herança genética, faz da poética da construção o seu construir, e da obsessão geométrica das estruturas o seu deleite. Cabe julgar a pertinência. Como defesa, apresento esta liberdade do quê dizer que me foi concedida, mas, contraditoriamente, prefiro e preciso falar dos limites,e sempre que neles penso me ocorre a primeira lição da Fayga: “criar é conhecer os seus limites”.
Um bom ponto de partida é começar pelos “deles”, o que todos, no nosso ofício, estamos sujeitos: limites do sítio versus necessidades dos usos limites da disponibilidade financeira dos meios. Limites lógicos, mensuráveis e consensuais, ciência. Já os “seus”, os de nós outros, são fruto de como cada um percebe e manipula isso: qualidades dos limites físicos do sítio versus adequacidade de meios à necessidade dos usos. O custo do texto da forma e os valores que esta acrescentará ao contexto. Limites sensuais, emocionais, intelectuais e mentais, portanto subjetivos e imprevisíveis. Tem muito mais, contudo já dá para definir um território.
Com muito menos o cachorro já mijou e delimitou o seu. Mas a gente tende a complicar para explicar o que nos aflora pela consciência de nossas próprias limitações, e o entendimento e a resposta de cada um de nós aos mesmos estímulos pode ser a mais variada.
Algumas, inconscientes de si mesmas, se manifestam pela repetição de um arquétipo que, ao longo do tempo, foi aperfeiçoado com o que demonstrou sucesso e garantia de alguma consistência.
Outras, conscientes de si mesmas, compreendida a História e recebida a instrução do ofício, obrigam-nos à mudança e às periódicas e inevitáveis rupturas. Para uns salvação, para outros danação.
Mas tudo isso só faz sentido, só existe porque compreendido, sentido, usufruído ou sofrido pelos demais, o que impõe compartilhar alguns desejos comuns e códigos tradutores de intenções, a começar do idioma. Limites de todas as culturas que, pela crença ou pela ética, caso a caso determinam o bem e o mal. Uff!
Parti pris: tudo isto fruto de demandas exclusivas de homo sapiens. Para o cão já vimos como é simples, mas a nossa espécie, extremamente predadora, armada o suficiente para destruir o meio da própria subsistência, como é pernóstica, esta espécie: cogito, ergo sum, (pensa!…), mas como se viesse (?) de outro planeta, não suporta o terror da vida, e para não entrar em pânico, inventa utopias, nirvanas, samadhis, paraísos. Sabe que vai morrer, mas como só a eternidade lhe interessa, sai a ditar regras e adaptar a si o seu ao redor.
Há outros predadores, mas nenhum, com tamanho poder de fogo, cuspindo no prato e comprometendo seu habitat.
A sobrevivência dos outros bichos não depende de tão complexa estrutura existencial, basta-lhes a essencial. Sabem que viver é muito perigoso, mas não se consideram figura no fundo, são figura-e-fundo, e ignorando a eternidade, vivem, procriam e morrem. E pronto. Seríamos diferentes?
Mas a nossa estrutura existencial alcançou complexidade só inferior à nossa total dependência dela, e os meios de construí-la tornaram-se cada vez mais danosos ao planeta. Quem (sobre)viver, verá. Nós, ou as baratas. É este, de fato, o nosso atual “mínimo denominador comum”. Como cada um, vivencio isto com os instrumentos que adquiri e delimito o meu território à minha maneira.
Vou tentar em seguida explicar algo que andei fazendo nele.
josé eduardo ferolla (1947)
Formado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1970), especializado em Urbanismo (UFMG, 1971), professor assistente de projeto arquitetônico na Escola de Arquitetura da UFMG (desde 1977) e no Curso de Especialização em Arquitetura de Interiores do IEC-Instituto de Educação Continuada – da PUC-MG (desde 2002). Participa de concursos nacionais e internacionais, tendo recebido premiações em diversos deles.
Possui escritório próprio desde 1970.
contato: ferolla@brfree.com.br