MDC 4 – Editorial

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COMPLEXIDADE E CONTRADIÇÃO
NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA


Ano II . N.4 . nov.2007 . ISSN – 1809-4643

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Editorial

Há quarenta anos, Robert Venturi publicava o influente livro Complexidade e contradição em arquitetura. Nele, o arquiteto clamava por uma arquitetura de inclusão, do isto e aquilo, por uma arquitetura que tivesse por balizamento conceitual as mais cotidianas necessidades humanas, norteadas por valores plásticos provenientes de obras historicamente consagradas. Esta atitude inclusiva e formalista tinha seus precedentes na Arquitetura Moderna mais próxima. O próprio Venturi, em seu texto, assumia sua filiação a figuras como Alvar Aalto e Le Corbusier. E não é por acaso que a técnica baseada no lirismo deste último tenha encontrado seus ecos no Brasil. De fato a Arquitetura Moderna Brasileira caracterizou-se justo pelo abrandamento e pela livre manipulação amaneirada dos princípios da Arquitetura Moderna européia. O tema desta edição foi escolhido de modo a resgatar no cenário atual os valores daquelas reflexões.
Se a revista mineira Pampulha constituiu um marco na reverberação do pensamento de Venturi no Brasil, ela a uma vez também sinalizava uma ruptura e uma clara filiação à Arquitetura Moderna Brasileira. Ainda na década de 1980, aquele cenário diversificado foi delineado por teóricos como Sylvia Ficher e Hugo Segawa, cujas reflexões atuais sobre aquele período buscamos trazer neste número da revista. Contrapondo de modo contemporâneo o caráter inevitavelmente apologético que este tipo de resgate conota, trouxemos também a reflexão contemporânea de Rogério Andrade, ampliando o conceito de ecletismo para além do decor a que ele é usualmente associado.
Do mesmo modo, buscamos trazer à tona a produção recente de alguns protagonistas emergidos do discurso dito pósmoderno de vinte anos atrás, como José Eduardo Ferolla, Jô Vasconcellos, Éolo Maia e Sylvio de Podestá. Enquanto o programa e o local do Grand Ægyptian Museum praticamente induziam à adoção de valores historicistas banidos do vocabulário moderno – como simetria e centralidade – a manipulação de materiais e a relação com o entorno imediato somam a apropriação de um gosto formal intencionalmente desarmônico próprio da década de 1990. Esta desarmonia é a tônica do Restaurante Allegro, em Ouro Preto, cujo tom da argumentação prescinde dos grandes discursos estruturalistas para agenciar valores prosaicos envolvidos na obra.
O prosaísmo, o atendimento a demandas específicas da obra por meio de materiais e técnicas simples e quase vernáculas, parece ser um fio condutor entre as tradições modernas e as arquiteturas que representaram superação de sua hegemonia. É esta atitude que buscamos ressaltar com a publicação do Espaço Lúdico brasiliense e da casa Abu&Font, em Assunção.
Deparamo-nos hoje em nosso país com a recuperação do léxico moderno no que este tinha de mais redutor, excludente e simplista. Grande parte do chamado minimalismo dos anos noventa trouxe consigo a redução afetada de elementos, a solene desconsideração dos contextos sociais e locais, a pureza visual conseguida a altos custos construtivos. Um aparente abandono completo do pensamento inclusivo da década anterior.
 Acreditamos que é possível, com o panorama aqui apresentado, o planteamento consistente de alternativas à hegemonia fundamentalista que ronda o nosso meio. Se a diversidade de visões e aportes culturais é uma condição de nosso tempo, é através do diálogo que será possível a construção de uma cultura arquitetônica efetiva.

Danilo Matoso

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1 respostas para MDC 4 – Editorial

  1. Mariza Barcellos Góes disse:

    Onde está Wally? e o conceito na Arquitetura Contemporânea

     “O ecletismo é o grau zero da cultura geral contemporânea. Ouvimos reggae, assistimos filmes faroestes, almoçamos no Mc Donald´s e jantamos comida local, usamos perfumes de Paris em Tókio e roupas ‘retrô’ em Hong Kong” (Lyotard)

    ONDE ESTÁ WALLY?

    Há alguns anos a série de livros de entretenimento Onde está Wally? O livro dos Jogos do autor Martin Handford se tornou uma verdadeira febre e paixão. O leitor se divertia ao tentar procurar o personagem magricelo, de touca e camisa listrada, escondido no meio da multidão. Os atentos perseguidores de Wally deveriam ainda, se aventurar pelas intermináveis procuras por pequenos objetos, tais como, chaves, pergaminhos, óculos, ossos ou bengalas espalhados no meio de centenas de outros objetos e personagens extremamente parecidos uns com os outros. Os olhos atentos percorriam aquele emaranhado de desenhos até que, finalmente, os encontravam. Após a incessante busca, o curioso era perceber que tanto Wally quanto seus objetos, estavam bem ali, na nossa frente, o tempo todo e que, simplesmente não os enxergávamos. Mas, afinal, o que Wally tem a ver com a arquitetura contemporânea?

    A DIVERSIDADE NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

    Dentro da situação contemporânea de singularidade, complexidade, instabilidade e incertezas, encontradas no dia-a-dia de todos nós, a arquitetura assume a sua posição central de causa e efeito, onde ao mesmo tempo em que é capaz de produzir transformações, é capaz de espelhar as tendências contemporâneas e seus aspectos sociais, econômicos e políticos. O modo de pensar, de viver e de agir do homem contemporâneo acaba por se revelar na sua arquitetura.

    São diversos os autores que nos apontam as características da fragmentação e da diversidade presentes na arquitetura contemporânea. Para Sola-Morales [1], a arquitetura não é apenas um palco onde se apresentam dramas; ela é uma janela documentária, através da qual, é revelada a nossa própria realidade. Assim, através de uma leitura da situação corrente da arquitetura contemporânea, é possível reconhecer a questão fundamental das diferenças. Segundo o referido autor, o reconhecimento da diferença nos leva, simultaneamente, à afirmação do plural. Compreender a diferença significa tomar a pluralidade não apenas como um ponto de partida, mas como parte de uma multiplicidade maior, dentro da qual se situa qualquer segmento da realidade contemporânea.

    David Harvey, enquanto descreve as mudanças na qualidade de vida urbana dos últimos tempos, nos chama a atenção para a direção tomada pela arquitetura, onde “ficção, fragmentação, colagem e ecletismo” apresentam “um sentido de efemeridade e de caos” [2] presente no mundo contemporâneo.

    Josep Maria Montaner [3] nos mostra algumas origens dessa diversidade. Conforme o autor, as novas realidades espaciais contemporâneas são resultados de influências modernistas, principalmente da essência das vanguardas, do impulso de um desejo insaciável pelo novo e inexplorado e da necessidade de transformar o mundo. Segundo Montaner, o espírito das vanguardas é presente no homem contemporâneo e em sua arquitetura. Não existe apenas o purismo formal, mas, sim, a mestiçagem, onde misturas heterogêneas apresentam suas premissas multiraciais e multiculturais.

    Para Nestor Canclini [4], os países latino-americanos são resultados da sedimentação, da justaposição e do entrecruzamento de tradições indígenas, do hispanismo colonial católico e das ações políticas. Segundo Canclini, uma mestiçagem interclassista gerou formações híbridas em todos os estratos sociais, formando sociedades heterogêneas, com tradições culturais que convivem e se contradizem ao mesmo tempo.

    Num país como o Brasil, onde as diferentes camadas culturais se superpõem, a arquitetura revela seu caráter eclético, diverso e multicultural. Portanto, dentro deste panorama é possível concluir que a diversidade se destaca como sendo uma das características mais marcante da arquitetura contemporânea. Os termos multiplicidade, diferença, fragmentação, pluralidade, ecletismo, hibridismo e mestiçagem que são encontrados nos discursos de diversos arquitetos e críticos contemporâneos corroboram essa afirmação.

    A BUSCA PELO CONCEITO NA ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

    Essa grande diversidade contribui para que os conceitos da própria arquitetura contemporânea se tornem camuflados. A ausência de uma relação mais próxima entre a teoria e a prática da arquitetura aumenta ainda mais a dificuldade de se falar em conceitos.

    Bem, chegados a esse ponto, faço um paralelo entre Onde está Wally? e a arquitetura. Questiono: – Onde está o conceito na arquitetura contemporânea? O nosso olhar se perde frente à multiplicidade de formas, de usos, de cores e de texturas. Não somos capazes de reconhecer nos edifícios construídos os conceitos abordados por quem os projetou. A arquitetura está se enfraquecendo no meio do próprio caos arquitetônico e urbano. É preciso que nós, arquitetos, consigamos reverter essa situação. Sabemos que os projetos devem apresentar conceitos e valores próprios. Assim como acontece com Wally e seus objetos, à primeira vista, não somos capazes de encontrar esses conceitos e nem de compreendê-los. No entanto, é preciso que, mesmo dentro do cenário da diversidade contemporânea, nosso olhar consiga encontrá-los.

    É necessário que se encontre uma maneira de auxiliar criticamente o fazer arquitetônico atual, possibilitando aos arquitetos e aos estudantes de arquitetura pensar sobre o seu fazer e refletir sobre a sua própria atuação profissional. O afastamento, existente hoje entre teoria, crítica e prática da arquitetura, precisa ser vencido. Nossos olhos precisam encontrar ou reencontrar, o mais rápido possível, os conceitos arquitetônicos e urbanísticos desaparecidos e ou camuflados. Precisamos desvendar e explicitar os valores complexos e contraditórios da arquitetura contemporânea.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    [1] – SOLA-MORALES, Ignasi. Differences: topographies of contemporary archictecture. Cambridge: MIT,1997.
    [2] – HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 7 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998 p. 96.
    [3] – MONTANER, Josep Maria. A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento do século XX.Barcelona: Editorial Gustavo Gilli S.A., 2001.
    [4] – CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo,……..

    Mariza Barcellos Góes
     Arquiteta, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, professora substituta do Departamento de Projetos da Escola de Arquitetura da Ufmg, no período de 2004 a 2006. Doutoranda (pesquisa sobre o Ensino de Projeto), Escola de Educação da UFMG.

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