Igor Soares Campos
A sociedade brasileira é refém de uma cultura nada democrática. Vivemos um período em que nunca, na história desse País, se presenciou tamanho desprezo às relações profissionais, éticas e morais. Acompanhamos atentos as denúncias e os escândalos freqüentes que se instalaram em nossos órgãos públicos.
No Brasil, é possível afirmar que os princípios fundamentais que asseguram às sociedades civilizadas a estabilidade de suas instituições, bem como a integridade da convivência humana, estão fragilizados. É clara a instauração gradativa de uma prática nada salutar entre aqueles que conduzem os destinos da nação. Somos surpreendidos, não raro, por decisões pessoais reducionistas, próprias do autoritarismo de épocas nada memoráveis da história do País. Desmerecem profissionais reconhecidos em suas respectivas áreas de conhecimento. Descartam investimentos substanciais que a sociedade despendeu na formação de técnicos qualificados para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável. São posturas que atentam contra as maiores riquezas do povo brasileiro, sua criatividade, originalidade e espontaneidade.
Em recente matéria publicada pelo Correio Braziliense, intitulada , é flagrante a superficialidade e, ao mesmo tempo, a inadequação dos argumentos expostos pela Infraero para defender a expansão do Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek à revelia do bom senso. Sem a necessária fundamentação científica, os responsáveis pela Estatal afirmam que a concepção do Aeroporto de Brasília é antiga e ineficaz. A alegação seria de todo leviana se não fosse completamente infundada. Tenta deslocar para a concepção arquitetônica o que é responsabilidade da gestão de funcionamento do terminal. Os tumultos eventualmente verificados, tanto no presente quanto no passado, como ocorreu no período do chamado apagão aéreo, são conseqüências lamentáveis da falta de planejamento adequado, e não de deficiências do projeto arquitetônico. Sobram imagens dos aglomerados humanos nos terminais aeroportuários que, à época, esgotavam-se à espera de atendimento, desamparados, sem conforto nem segurança. A imprensa mostrou, com riqueza de detalhes, o desrespeito aos direitos mínimos dos cidadãos. Ainda assim, o terminal, cujo projeto original nunca foi concluído, permitiu atravessar a crise, mesmo com todos os transtornos mencionados.
Assim, a desordem do aeroporto não se deve ao insucesso da Arquitetura. O projeto arquitetônico do terminal de passageiros do Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek é reconhecido e premiado internacionalmente pela sua qualidade inquestionável. Tentar desqualificá-lo com a pecha de antiquado é interromper, de maneira abrupta, a evolução natural de sua história. Lembra a indução violenta de um aborto, cujos interesses fogem à compreensão. O edifício não foi concluído na sua totalidade. Continua incompleto. Tampouco foi levado a termo o respectivo plano de expansão que previa, já em 1996, dois novos terminais, hotel, mall comercial, edifício garagem, entre outras funções.
Referências internacionais que configuram paradigmas em todas as atividades humanas devem sempre servir de modelos exemplares. Com efeito, experiências bem sucedidas merecem ser também objeto de análise quando da elaboração de projetos arquitetônicos. O primeiro terminal de passageiros do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, foi concebido na década de sessenta pelo arquiteto Paul Andreu. Ainda hoje, mantém-se íntegro, austero, operando dentro da capacidade planejada. A concepção inicial daquele projeto arquitetônico não foi descaracterizada. Ao contrário, o edifício permanece intacto, testemunho vivo de um período na história da construção de aeroportos. O referido complexo aeroportuário francês possui atualmente cerca de nove terminais, concebidos em épocas distintas. Todos, projetados pelo mesmo arquiteto, refletem o compromisso com a arquitetura de seu tempo, sem qualquer prejuízo para os usuários. Exemplo claro e incontestável de planejamento eficiente e adequado.
A arquitetura como bem cultural é consenso universal. Sem ela seria impossível conhecer a própria história da humanidade. Respeitá-la, na inteireza de seus projetos, é marco civilizatório insubstituível. Por isso, modificar o projeto arquitetônico do Aeroporto de Brasília sem consultar o seu autor, como pretende a Infraero, é desrespeitar a legislação vigente para modificar o valioso patrimônio cultural e artístico da capital da República.
Igor Soares Campos
Arquiteto Urbanista, Mestre em Revitalização Urbana pela Universidade Livre de Bruxelas, Professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub, Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento do Distrito Federal – IAB/DF.
igorcampos@yahoo.fr
Infelizmente a mídia prefere declarações bombásticas a argumentos refletidos e ponderados como o seu… O que não ajuda a superar a fragilidade institucional do nosso país, que na verdade é uma imaturidade cultural.
Igor,
Parabéns pelo seu artigo. Excelente, ponderado, reflexivo. O descaso das autoridades, o desleixo na execução da concorrência pública para as obras, a ganância das empresas participantes majorando os preços e incluindo serviços desnecessários são ocorrências ignoradas pelo poder público.
Será sempre mais fácil falar do que não precisa para desviar a atenção dos incautos.
Quanto ao projeto do Aeroporto de Brasília, achei-o muito bonito e moderno. O único senão que eu apontaria é a acústica do pavimento do shopping e observação. O acabamento em vidro no teto possibilita boa ventilação, mas permite a entrada de todo o barulho das aeronaves o que é desagradável. Não sei se houve alteração do projeto nesse quesito ou se ele foi implementado como previsto.
Grande abraço,
Reginaldo
Conheci o arqt. Sérgio Parada, e ele estava muito indignado com essa situação. É de se entender.
Eu só posso agradecer ao colega Igor por esta manifestação, que eu considero não somente dirigida ao meu projeto do Terminal de Passageiros do Aeroporto Internacional de Brasília, mas sim a todos os colegas brasileiros que passam por este tipo de problema, gerado pelo desrespeito ao direito autoral e de desrespeito aquilo que mais demonstra o estado de civilidade em que vive uma sociedade,que é o respeiro a cultura. Pena que isso ainda ocorra em nosso país, e provocado principalmente por colegas, os quais deveriam ser os primeiros a batalharem por nosso lugar ao sol.
Obrigado ao Igor, nosso estimado Presidente do IAB-DF, e a esta revista pela publicação deste manifesto.
Sergio Parada
Sei que os comentários aqui colocados datam de 2009, mas gostaria de saber se o projeto original ainda está sendo mantido, com a criação do consórcio para reestruturação do Aeroporto JK ou se o projeto está sendo totalmente descartado?
Quanto ao A380, está incluído nesse plano de expansão ??? Sem ele nada feito !!!
Os críticos de política, economia & de aviação dizem que “é necessidade os principais aeroportos do Brasil serem adaptados para o A380 ( o BSB é um deles ) por causa das nossas demandas de PAX & cargueiras que são altíssimas & crescentes !!!
Me desculpem. Só agora descobri esse texto, em 2021. Concordo com tudo o que foi dito a respeito do aeroporto de Brasília. As mesmas considerações servem perfeitamente também para o aeroporto internacional de BH-Confins. Confins foi projetado por Milton Ramos e inaugurado em 1984. Era pra ter 2 pistas e 4 terminais gêmeos, com capacidade de 5 milhões de passageiros por ano em cada terminal. Ou seja, capacidade total de 20 milhões/ano. Em mais um ponto, Brasília e Confins padecem do mesmo problema: não foram totalmente concluídos. Como nunca foram totalmente concluídos, abriu-se espaço para os puxadinhos da Copa 2014. Gostei também das considerações a respeito do aeroporto Charles de Gaulle. Eu não sabia do caso. Isso só reforça que somos administrados por ratazanas ávidas por cargos e dinheiro público. No mais, parabéns pelo artigo! Abraços! Leonardo – BH/MG