Danilo Matoso Macedo
Parece que tudo já foi dito sobre Oscar Niemeyer – parafraseando Drummond.
Assim seria se o mestre centenário, como um deus mitológico, não teimasse em assumir forma humana e descer à terra das obras monumentais para, com astúcia e poder, subtrair aos arquitetos locais a possibilidade de primazia em suas próprias gerações. Sua lição profissional, na verdade, sempre foi a da vitalidade que pulsa na lavra cotidiana dos assuntos do ofício da arquitetura. Por mais que seu traço leve teime em ocultar o peso dessa maturidade, ela é visível nas hábeis soluções de planta, na escala humana, na inteligente implantação de suas obras em Belo Horizonte.
E sempre há algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.
A capital mineira oferece um ponto de vista privilegiado para uma visão panorâmica do trabalho do arquiteto. Está próxima do Grande Hotel de Ouro Preto, obra de 1938 fundamental na constituição de um doméstico, tátil e multicolorido nativismo moderno, por assim dizer, com uma articulação de materiais recorrente em sua trajetória profissional de quase oitenta anos. A profícua relação com Juscelino Kubitschek prefeito se iniciaria em Pampulha, no início da década de 40, com a casa do estadista, o Cassino, a Casa do Baile, o Iate Clube, o Golfe Clube e a Igrejinha. Ela amadureceria dez anos depois com Juscelino governador, nos edifícios da Praça da Liberdade e da Praça Sete de Setembro, e no Colégio Estadual Central. Ela chegaria ao ápice em 1957, evidentemente, nos edifícios de Brasília.
Na Capital Federal, a arquitetura de Oscar Niemeyer atingiria um alto nível de concisão formal e conceitual, a que ele cada vez mais se afeiçoaria. Se os volumes puros do Colégio Estadual Central já prenunciavam esse viés, ele pode ser bem apreciado nos espaços abertos encimados por vigas de concreto aparente no Pampulha Iate Clube e, mais recentemente, na alvura da Cidade Administrativa, talho purista na periferia da cidade que ocupação humana agora talvez comece a cicatrizar.
Niemeyer tratou de aquilatar pessoalmente suas realizações, à frente da revista Módulo, que circulou – com um hiato de onze anos – desde 1955 até o final da década de 80. Além de seus projetos e de outros arquitetos brasileiros, a revista trouxe à tona seu profícuo discurso escrito, iniciado com uma vigorosa campanha explicativa simultânea à construção de Brasília. Uma energia que infelizmente aos poucos esmaeceu – após a Módulo – numa coleção de anedotas e máximas articuladas em textos invariavelmente similares, que em todo caso bem servem para neutralizar o achaque das centenas de admiradores e dos críticos. O escritório de Niemeyer em Copacabana, de fato, parece ser parada obrigatória de toda celebridade do mundo da arquitetura que aporta no Rio de Janeiro, e espalhados nas mesas da sala de recepção encontram-se diversos livros com obras dos maiores arquitetos do mundo no último século, sempre com dedicatórias de seus autores. Trata-se de um reconhecimento refletido não apenas nos prêmios internacionais que recebeu, como também nas dezenas de trabalhos realizados em diversos países.
A influência de Oscar Niemeyer na arquitetura mundial é ainda imensurável. Cabe-nos agora documentar não apenas o rico acervo que o mestre vem deixando, como registrar a notável habilidade de muitos de seus colaboradores, de modo a atenuar o seu ofuscamento pelo brilho de nosso arquiteto maior. Desde Nauro Esteves, responsável pelo desenvolvimento das obras dos anos 50 em Minas Gerais; passando por Milton Ramos, que trabalhou na obra do Palácio do Itamaraty, e depois viria a ser autor do projeto do Aeroporto de Confins; até o pernambucano Glauco Campello, responsável por obras em Brasília e na Itália. Isso sem esquecer os engenheiros Joaquim Cardozo e Marco Paulo Rabello – um responsável por grande parte dos cálculos estruturais, e outro à frente da construção de muitas das melhores obras. Estes são apenas alguns entre dezenas de profissionais hoje espalhados pelo mundo e com destacadas carreiras autônomas.
E sempre haverá algo mais que ser dito sobre a obra de Oscar Niemeyer.
Brasília, abril de 2012
Texto publicado originalmente, com pequenas alterações, na edição de maio de 2012 da revista Encontro, de Belo Horizonte.
Danilo Matoso Macedo
Arquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc.
contato: danilo@mgs.arq.br |
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Colaboração editorial: Luciana Jobim