Por Apiacás Arquitetos
Estúdio Madalena (texto fornecido pelos autores)
A intenção principal do projeto foi criar uma praça no térreo, conformada pela extensão do passeio público e preservando a vista para a paisagem existente: em um primeiro plano, composta por casas de até dois andares, e, ao fundo, prédios altos marcando a ocupação característica do bairro de Pinheiros. Tirando proveito da topografia original do terreno, essa praça-belvedere reafirma a vocação do bairro da Vila Madalena como “possuidora/provedora” de diversas situações de promenade, capazes de surpreender os pedestres que por ali circulam.
Fotografia: Leonardo Finotti
O programa que nos foi exigido pelo cliente contemplava dois programas completamente distintos: um espaço destinado à moradia e outro ao trabalho. Como não havia uma predefinição desses espaços, tivemos a oportunidade de nos apropriar do terreno em sua capacidade máxima permitida pela legislação. Portanto, o edifício se desenvolve em dois volumes independentes para baixo e para cima da praça, cada qual com funções totalmente distintas, e mantendo a cota da rua desimpedida, livre de quaisquer obstáculos.
Implantação metropolitana, Implantação local e Plantas por nível de projeto.
O terreno originalmente apresentava uma declividade acentuada e, a fim de permitir a integração de seu térreo com o passeio público, foi proposto um embasamento construído que reconfigura a topografia. Por estar abaixo do nível da rua, pode se ocupar o máximo da largura (perímetro) do lote, respeitando os recuos necessários. Esse embasamento se organiza em dois espaços em um mesmo nível, interligados por pátios que acompanham o desnível do terreno.
A circulação vertical está estrategicamente instalada em uma das laterais da edificação: um elemento capaz de transitar entre duas situações opostas sem obstruir o vazio externo ou os espaços construídos internamente. Suspenso por pilotis, o segundo volume é composto por dois pavimentos com plantas livres – característica comum a todo o projeto – provendo flexibilidade na apropriação pelos espaços aos usuários.
Fotografias: Leonardo Finotti e Cortes longitudinais e transversais
A construção teve o orçamento disponível como premissa principal. Para tanto, seguiu-se o método construtivo de uma obra anterior do escritório no mesmo bairro: o Bar Mundial foi construído em estrutura metálica e painéis de concreto pré-fabricados, o que acelerou o tempo de execução da obra. Esse sistema de pré-fabricação com elementos de concreto foi desenvolvido pelo escritório com o intuito de subverter o uso de um material largamente empregado no Brasil. Frequentemente utilizados para a concretagem de lajes maciças, os painéis são aqui utilizados na vedação do edifício, em duplas que dão forma a paredes ocas executadas em tiras de 25 cm de largura com altura variável.
Fotografias: Lauro Rocha
O embasamento foi feito em estrutura convencional de concreto, tornando-se um muro pré-condicionado a desempenhar a função de consolidação do terreno. Foram intercalados painéis de concreto maciço e painéis ocos, prevalecendo a primeira opção em situações de contato com o solo e nas lajes que conformam a praça de acesso.
O volume suspenso é estruturado em vigas e pilares metálicos, que conferem leveza em sua execução. O sistema de painéis ocos é utilizado não somente nas vedações, mas também desempenha a função de laje em virtude de sua enorme capacidade de resistência mecânica – a laje foi pensada como uma sequência de vigas treliças com banzos (superior e inferior) em concreto e em ferro na sua armação interna. A construção desse volume suspenso foi feita, portanto, com maior rapidez, já que não havia a necessidade de concretar o miolo da laje. Esse aspecto reduz a carga na estrutura metálica e o custo final da obra.
A princípio um limitante para este projeto, a condição orçamentária acabou nos motivando a investigações de novas alternativas construtivas. Seu êxito consiste na execução de um espaço que não exigiu grande investimento e sem desperdício de materiais.
Fotografias: Leonardo Finotti
Estúdio Madalena (Texto publicado no Catálogo de Prêmio de Arquitetura 2015 Instituto Tomie Ohtake Akzonobel), por Abílio Guerra
Opressiva, São Paulo é uma cidade sem profundidade ao rés-do-chão. O adensamento das construções sequestra a percepção sensorial da geografia da cidade, encastelada sobre morros. A movimentação intensa do território se apresenta de quando em quando ao olhar que se volta para o ponto de fuga do arruamento. Contudo, a visão frontal desobstruída é mais rara, caso do MASP na Avenida Paulista.
O Estúdio Madalena – projeto de Anderson Freitas, Acácia Furuya e Pedro Barros, do Apiacás Arquitetos, e localizado em rua e bairro homônimos ao seu nome de batismo – assemelha-se ao projeto de Lina Bo Bardi em sua estratégia de implantação. O que seria o térreo da edificação é uma extensão da calçada pública, que se transforma em recinto aberto e desobstruído, quase uma praça que se volta para a paisagem. O chão deste espaço é a parte superior da prótese incrustada no talude do terreno em queda, e que abriga o uso residencial na parte baixa do terreno. O volume suspenso, destinado a espaços de trabalho, se desenvolve em dois andares, que se equilibram sobre quatro pilares esguios de metal. Tal como no MASP – mas neste caso, devido à escala modesta do projeto, apenas com escadas sobrepostas –, a circulação vertical se dá lateralmente, com pouca interferência no térreo.
Devido às restrições econômicas do empreendimento, os arquitetos baratearam o custo e aumentaram os benefícios com o uso de materiais industrializados disponíveis no mercado, a edificação da maior área construída possível (500 m2 em um terreno de 250 m2) e a rápida execução da obra. Painéis pré-fabricados de concreto – corriqueiramente usados como formas de concretagem, adaptados aqui à condição de paredes e lajes – se articulam a uma estrutura metálica ortogonal, solução simples e barata para a parte suspensa do projeto. Os mesmos painéis e estrutura metálica são usados no embasamento, mas agora apoiados em estrutura convencional de concreto, que faz o contato direto com o solo.
A escala reduzida e o aporte restrito de recursos não inibem sua qualidade exemplar. Além de contemplar de forma adequada o programa de uso e o baixo orçamento, o projeto tem como principal atributo sua gentileza urbana. Não apenas moradores ou usuários dos seus espaços, mas todos aqueles que passam diante do Estúdio Madalena são agraciados com a maravilhosa vista que se descortina de forma surpreendente. Diante desta fresta urbana, o homem da cidade pode mirar a cidade – este grande artifício humano – como se fosse a paisagem natural.
Sobre o projeto: Entrevista exclusiva para MDC.
por Anderson Freitas (A.F.)
MDC – Como você contextualiza essa obra no conjunto de toda a sua produção?
A.F. – Penso que esta obra resulta de experimentações construtivas que vínhamos buscando a partir de uma certa inquietude em relação aos métodos tradicionais de construção. Não estamos com isso afirmando que esta obra é resultado de uma pesquisa tecnológica avançada, mas, simplesmente, de pensar a construção se valendo de elementos existentes no mercado, de certa forma subvertendo sua utilização convencional com intenção primeira da materialidade que nos interessava e consequentemente resultasse numa obra ágil e econômica. Olhando para o conjunto, a nossa maneira de ver, sob o aspecto da espacialidade, acreditamos que ele mantém a postura que sempre tivemos em relação a todos os projetos que desenvolvemos em nosso escritório, ou seja, nunca submetemos a qualidade espacial que desejamos em detrimento de um sistema construtivo escolhido.
MDC – Como foi o mecanismo de contratação do projeto?
A.F. – Este projeto foi resultado de um outro projeto já em fase de obra, de escala semelhante, no mesmo bairro da zona oeste de São Paulo, o bar Mundial. O cliente, que ainda não era, viu a obra e gostou muito do projeto, do sistema construtivo (similar ao do Estúdio Madalena). Enfim, ele acabou nos contratando para fazer o dele também. Quando estávamos iniciando o projeto descobrimos que ele já tinha um outro projeto já aprovado na prefeitura, mas desistiu de executar quando viu nossa obra.
MDC – Como foi a fase de concepção do projeto? Houve grandes inflexões conceituais? Você destacaria algum momento significativo do processo?
A.F. – Como partimos de uma solicitação do cliente em relação ao programa, que desejava um lugar onde ele pudesse trabalhar e viver, essa questão nos provocou a pensar o projeto de forma pouco convencional em relação às conexões entre ambientes, digo em relação à necessidade de fazê-los conectados por espaços fechados, ou protegidos. Creio que essa condição foi fundamental para pensarmos o projeto com certa liberdade para sua volumetria: poder tirar partido desse jogo, de maneira a criar espaços de permanência abertos, como pequenas praças e, nesse sentido, poder estabelecer uma relação mais forte com o entorno. Daí a ideia do programa bi-partido com parte da volumetria fechada redesenhando o chão e outra elevada para liberar a visão da paisagem para quem caminha pela rua.
MDC – Nas etapas de desenvolvimento executivo e elaboração de projetos de engenharia houve participação ativa do autor? Houve variações de projeto decorrentes da interlocução com esses outros atores que modificaram as soluções originais? Se sim, pode comentar as mais importantes?
A.F. – Houve uma certa luta com o engenheiro de estruturas que insistia em fazer os pilares metálicos muito pesados, aumentados em relação à real necessidade de carga que ele receberia, já que desenvolvemos especificamente para esta obra, não somente as paredes mas também as lajes ocas, fazendo o piso, ao invés de ser em concreto maciço, funcionar como um conjunto de vigotas com os banzos em concreto unidos pela ferragem de armação. Uma vez que o convencemos a partir do cálculo de cada laje comparada a uma laje maciça, ele aceitou. Porém, voltou com outro problema, dizendo que os esforços de vento fariam essa estrutura, que trabalha como uma mesa, com quatro pernas, deformar etc. Aí contra argumentei que a caixa de escada metálica, anexada ao volume suspenso, atuaria como um arco botante e naturalmente iria funcionar como um travamento suficiente para este problema, já que estaria toda contraventada. Enfim, depois de muitas idas e vindas o engenheiro acabou por aceitar os argumentos. Penso que se tivéssemos cedido aos questionamentos esse projeto não teria a mesma expressividade.
MDC – O autor do projeto teve participação no processo de construção/implementação da obra? Se sim, quais os momentos decisivos dessa participação?
A.F. – Tivemos total participação no processo de construção, já que fomos os responsáveis pela obra. Temos convicção que essa condição nos devolve a possibilidade de experimentarmos métodos e sistemas construtivos não convencionais que em outra situação não poderíamos.
Outra questão interessante que se desdobrou em nossa atuação profissional por conta de assumirmos a administração e gerenciamento dessas obras é que acabamos por nos ver “forçados” a consolidar uma empresa voltada para essa operação, que inicialmente se misturava ao Apiacás Arquitetos. Agora se trata de outra empresa, dos mesmos sócios, chamada Aimberê Construções. O interessante é que a equipe de arquitetos que trabalha conosco acaba por vivenciar experiências no campo do projeto e também no canteiro de obra. E isso faz diferença pois a autonomia das decisões acaba sendo nossa, que é um pouco limitante quando essa responsabilidade não está em suas decisões, problema recorrente no Brasil quando se pensa a questão do arquiteto no canteiro de obras.
MDC – Você destacaria algum fato relevante da vida do edifício/espaço livre após a sua construção?
A.F. – Este projeto era de fato para ser utilizado pelo cliente que contratou a obra, mas ele acabou recebendo uma oferta tentadora de aluguel do estúdio assim que ficou pronto. Como ele tinha outros imóveis no mesmo bairro, ele acabou alugando e não ocupou a nova edificação. Ficamos receosos se daria certo para o novo inquilino, uma empresa de publicidade, se eles manteriam o vazio etc, mas no fim preservaram (o que achamos importante), mas, infelizmente, acabaram por fazer um fechamento em relação à rua, abrindo somente quando fazem eventos. De certa maneira achamos que tudo bem, faz parte da vida rsrs.
MDC – Se esse mesmo problema de projeto chegasse hoje a suas mãos, faria algo diferente?
A.F. – Olha, penso que o tempo pode mudar sua maneira de pensar em relação às coisas, então não posso afirmar que faria igual, exatamente igual. Acho que talvez não seja essa a questão. Talvez a questão seja se você se arrepende de um determinado projeto, se entende que errou em tomar aquela decisão. Nesse sentido, posso afirmar que não, pois quanto mais o tempo passa, mais gosto deste projeto, mesmo não podendo afirmar se faria a mesma solução hoje.
MDC – Como você contextualiza essa obra no panorama da arquitetura contemporânea do seu país?
A.F. – Penso que ela se encaixa no contexto onde há busca por facilitação do processo construtivo, para evitar desperdícios, que representa leveza para soluções estruturais e consequentemente econômicas. O fato de termos colaborado com o Lelé (João Filgueiras Lima) em alguns projetos inevitavelmente plantou essa semente. Isso do ponto de vista da construção. Do ponto de vista da espacialidade, ela se enquadra nessa constante luta por desenhar a cidade de maneira mais gentil, onde cada oportunidade, não importando se vem de uma demanda pública ou privada, é um motivo para desenhar essa cidade que desejamos. Lembro sempre daquilo que o arquiteto e professor Abrahão Sanovicz sentenciava aos seus alunos dizendo – “façam obras com gentileza urbana!“
MDC – Há algo relativo ao projeto e ao processo que gostaria de acrescentar e que não foi contemplado pelas perguntas anteriores? Agradecemos imensamente a sua contribuição.
A.F. – Sim, penso que pelo fato de estarmos muito envolvidos com obras, acabamos inevitavelmente sendo contaminados constantemente pela questão do orçamento previsto, para evitar que o custo saia do controle. Creio que essa demanda surja pra gente antes do estudo. Mas não penso nisso como um problema, mas sim como uma contribuição para aumentar nosso senso de responsabilidade para o projeto, que neste sentido extrapola a questão espacial, mas não a torna menos importante, apenas uma luta constante para manter o equilíbrio.
Eu que agradeço. Ficamos muito honrados com o convite.
estudo preliminar
projeto executivo
ficha técnica
Local: Vila Madalena, São Paulo- SP, Brasil
Ano de projeto: 2014
Ano de conclusão: 2014
Área do terreno: 500 m²
Área construída: 250 m²
Autores: Anderson Freitas, Acácia Furuya e Pedro Barros
Colaboradores: Bárbara Francelin, Marcelo Otsuka, Daniela Andrade, Maria Wolf, Ana Julia Chiozza, Leonor Vaz Pinto, Felipe Zorlini, Adriana Domingues, Matheus D’Almeida, Gabriela de Moura Campos, Lorran Siqueira, Vitor Costa, Francisco Veloso, Renato Kannebley e Accácio Mello
Projeto estrutural: CCT Engenharia
Projeto de fundação: VWF Fundações
Fotos: Lauro Rocha e Leonardo Finotti
galeria
colaboração editorial
Isabela Gomide
deseja citar esse post?
FREITAS, Anderson. FURUYA, Acácia. BARROS, Pedro. “Estúdio Madalena”. MDC: Mínimo Denominador Comum, Belo Horizonte, s.n., mai-2024. Disponível em //www.puntoni.28ers.com/2024/05/08/estudio-madalena. Acesso em: [incluir data do acesso].