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Brasília 194Carlos Henrique Magalhães

introdução

Passados os primeiros anos da primeira revolução industrial, diversos modelos urbanos foram realizados a partir da drástica transformação entre campo e cidade. Os expoentes da vanguarda moderna, comprometidos com os ideais de emancipação e convívio comum almejado pelo Iluminismo, lançaram-se em experiências de habitação coletiva que passaram a ganhar terreno a partir da década de 1920 em duas escalas: os edifícios coletivos passam a renovar as possibilidades de convívio por meio de equipamentos públicos que permitissem a socialização de diversas atividades; a destituição da malha urbana tradicional em favor da paisagem de objetos isolados passa a ser mais presente em diversos planos urbanísticos.

No Brasil, estas experiências espaciais de habitação coletiva estiveram presentes dentro perspectivas distintas, no que se refere à natureza do empreendimento e escala de realização, dentre as quais podemos destacar O Conjunto Habitacional do Pedregulho (1947 em diante) projetado por Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964); Os edifícios do Parque Guinle (1948 – 1954), projetados por Lucio Costa (1902 – 1998), ambos no Rio de Janeiro.

Em Brasília, esta concepção alcança um nível de realização inédito. Ao agenciamento dos espaços públicos do setor residencial, alia-se a clara concepção projetiva das unidades habitacionais. A proposta dos blocos de superquadras remete anto às concepções de seu autor, Lucio Costa, como deixam expor diversas características da nova arquitetura moderna quanto aos preceitos que resultaram em sua forma. Nesse sentido, os blocos podem ser compreendidos dentro de um princípio operativo para a concepção de cada projeto, onde determinadas restrições e direcionamentos buscavam orientar a caracterização do conjunto, marcado pela lógica das projeções, do edifício isolado no terreno, do térreo livre e desimpedido.

Além das questões enunciadas acima, outras tantas se referem à ordenação do partido plástico. Esta pode ser evidenciada pela concepção das fachadas ?faixas contínuas de esquadrias, peitoris em concreto, elementos de proteção solar fixos ? pela relação entre cheios e vazios, pelo aspecto estrutural, pela diversidade na combinação de cores e materiais. O recente inventário dessas edificações[1] resultado de uma extensa pesquisa dos professores Matheus Gorovitz e Marcílio M. Ferreira, mostra que as diversas aproximações ao tema feitas por arquitetos de diferentes gerações e formações distintas, renderam grande diversidade aos blocos de superquadra de Brasília, permitindo que sejam identificadas diversas influências, adaptadas e ordenadas por esses criadores com sensibilidades distintas. A maneira pela qual estes arquitetos dialogam com diversos fatores construtivos e plásticos, oferece rico apanhado sobre o período da arquitetura moderna em Brasília, nas décadas que sucedem sua inauguração. Observando estes edifícios, podemos entender como esse tipo de habitação coletiva pôde ser interpretado, deixando entrever a disposição dos arquitetos envolvidos em sua execução, para a realização de características importantes do Plano proposto por Lucio Costa em 1957.

antecedentes notórios

Um dos primeiros exemplares deste novo tipo[2] de edificação foi o projeto dos Apartamentos Narkonfin (1928-29), de Ginzburg y Miljutin. O edifício é uma barra longitudinal de seis pavimentos sobre pilotis e expõe diversos princípios da nova arquitetura que emergia naquele momento: térreo desimpedido, janelas horizontais corridas e cobertura plana. A este tipo associa-se um conjunto de características de contexto urbano, da destituição dos lotes e da liberação do térreo, em favor de outra relação do edifício na paisagem. Dentre os exemplos mais significativos e influentes desta idéia têm-se os Siedlungen alemães, conjuntos habitacionais coletivos pensados como estruturas auto-suficientes.O conjunto da exposição Weissenhof, realizada no ano de 1927 em Stuttgart é significativo para compreensão dessa concepção vanguardista. Tendo Mies van der Rohe como arquiteto-chefe, contou com a participação de Peteter Behrens, Hans Poelzig, Walter Gropius, Victor Bourgeois, Ludwig Hilberseimer, Le Corbusier, J.J. Pieter Oud, dentre outros.[3]

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten,1957). Foto - Joana França, 2006

O conjunto destas concepções foi reiteradamente lido e sintetizado por diversos arquitetos proeminentes da vanguarda moderna, dentre eles Le Corbusier que em sua Ville contemporaine pour trois millions d’habitants (1922) demonstra a vontade em se conceber ?…) um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno.?[4] Uma “cidade de negócios?em oposição a uma “cidade de residências?é a proposta de Corbusier na tentativa de criar espaços arejados na confluente desordem que se instalava no coração de Paris quando propõe o plan Voisin em 1925. Em consonância a estes projetos, a Ville Radieuse será elaborada com a mesma pretensão de encarar essa nova civilização. Este empreendimento conciliatório será levado a cabo por Corbusier primeiro nos meios da cultura européia, em seguida, com a oportunidade de empreender uma viagem à América do Sul. Corbusier fez em 1929 uma série de conferências na Argentina, Uruguai e Brasil, importantes para ampliar seu conhecimento por parte das autoridades locais e fundamentais nas sementes que o mestre suíço lançou em solo nacional anos seguintes.

 

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Interbau Edifício de Apartamentos (Oscar Niemeyer, Berlin-Tiergarten, 1957). Pormenor do acesso da prumada. Foto - Joana França, 2006

Na década de 1950 foi realizada na Alemanha a Interbau (Internationale Bauausstellung) – primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II Guerra Mundial. Esta consistiu na requalificação do bairro oitocentista Hansaviertel, bairro oitocentista em grande parte destruído por bombardeiros durante a Segunda Guerra. Em 1953, é instituído para a escolha do novo plano urbanístico do bairro, vencido por Gerhard Jobst e Willy Kreuer. A Interbau inaugurada em 1957 com espaços públicos desenhados de acordo com princípios modernos, edifícios isolados, predominância de espaços verdes e vazios. Dentre as tipologias encontradas nos bairros, temos: “torres de até 17 pavimentos, barras de 8 a 10 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e casas unifamiliares de 1 a2 pavimentos.?a href="#_ftn5">[5]

Dentre as unidades edificadas no bairro há uma barra de apartamentos projetada por Oscar Niemeyer. O edifício pode ser caracterizado pela concisão volumétrica, pela robustez dos pilotis e pelo delicado jogo de níveis que se desenha no pavimento térreo. Esta experiência é de fundamental importância para que possamos compreender a maneira pela qual se desenvolveu a linguagem dos blocos de apartamentos nas superquadras de Brasília: fundamentada em princípios operativos que fundamental sua feição essencial, mas relacionada a diferentes maneiras de manipular elementos plásticos semelhantes dentro de determinadas filiações.

lucio costa

Se na cisão entre as contingências materiais e da dimensão coletiva da arquitetura e do urbanismo desta fase de Corbusier pode-se perceber “a tentativa de uma conciliação entre a expressão do espírito do tempo e a busca da perenidade, condição essencial da arte.?[6] O tema para Lucio Costa irá comparecer de maneira semelhante, figurado na “possibilidade de reaproximação entre arte e técnica ?divorciadas na arquitetura do ecletismo e no ‘arremedo neocolonial??o descortinar de um novo campo expressivo para a arquitetura: o espaço contínuo moderno, flexível porque liberto da estrutura.?[7]

Como dito anteriormente, Lucio Costa ocupou destacada posição diante de um grupo de arquitetos afeitos à doutrina de Corbusier, converte-se ao modernismo arquitetônico e dá passos decisivos à reorientação propositiva que se desenvolveu a partir de então. Também na realização que significou Brasília percebem-se convergências e diferenças entre épocas distintas. Em sua proposta para o Plano Piloto há a capacidade de conciliar uma série de problemas complexos por meio de soluções sintéticas, tanto quanto em realizar ?por meio da conjugação entre diferentes escalas ?uma cidade capaz de ser expressão palpável da vida cotidiana e da monumentalidade simbólica.

A forma acabada desta realização brasileira tem suas raízes em diversas referências, sejam elas afetivas ou históricas, onde a sociabilidade deveria ser transformada em favor de uma cidade nova, inteiramente pública que, na concepção de Brasília, Lucio emprega com as devidas propriedades: eixos e perspectivas da lembrança de Paris; imensos gramados verdes ingleses; a pureza de Diamantina ?ou seja, da memória colonial, as fabulosas fotografias de terraplenos e arrimos chineses do começo do século XX. Estes elementos característicos comparecem em igual medida ao lado de referências modernas: setorização de atividades; ênfase dimensional das circulações de veículos; idéias de cidade parque e cidade jardim; habitações coletivas em blocos sob pilotis. Em essência, esta proposta de conjugação entre lógicas construtivas históricas e coloniais a tipos e procedimentos da modernidade será uma constante no trabalho de Lucio Costa.

 

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1950) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

Edifícios do Parque Guinle (Lucio Costa, Rio de Janeiro, 1943) Fonte- Wisnik. Op. Cit. p.34 - 35

No conjunto de edifícios que projetou no Parque Guinle (1943-54) este procedimento encontra uma possibilidade, pois, à tipologia fracamente moderna das lâminas de apartamentos sob pilotis, Lucio Costa associa características de forma a espaço da habitação tradicional brasileira, por um lado o partido é eminentemente racionalista, por outro a implantação e tratamento de superfícies em cada edifício denota uma “espantosa trama de cheios e vazios, que se integra na ortogonalidade rigorosa dos prismas e dilui a função de vedo atribuída à fachada. Sua aparição figura a possibilidade ideal de uma edificação inteiramente vazada, desmaterializada, pois tem o ar como matéria constituinte.?[8] Os Edifícios do Parque Guinle representam a ascendência mais imediata à concepção dos blocos de superquadra, sendo esta a conseqüência do conjunto das características de agenciamento e espacialidade, marcados por um princípio, mas de muitos resultados formais.

um tipo de moradia

O setor residencial de Brasília logrou grande êxito no Plano Piloto para a cidade. As chamadas superquadras podem ser caracterizadas objetivamente como grandes quarteirões de lados iguais da ordem de 280 metros[9]. O desenho das vias proposto por Lucio Costa obedece à hierarquia que as separa em diferentes demandas e dimensões e “no caso das superquadras adotou o acesso viário feito através de uma única rua sem saída, em ‘cul-de-sac? de realização bem mais simples do ponto de vista técnico e bem mais barato do ponto de vista econômico. De tal modo que as superquadras são servidas por trevos rodoviários apenas pelo lado do eixo residencial, garantindo-lhes uma relação bem mais articulada com seu entorno imediato em comparação com aquela das áreas centrais da cidade.?[10]

Em seu relatório, Lucio Costa dispõe as edificações apenas com relação às características que lhe seriam mais essenciais: na esplanada ministerial a disposição cadenciada dos edifícios do poder executivo cujo eixo termina com o congresso, ?um edifício em altura, e o triângulo da Praça dos Três Poderes; no comércio local a abertura das lojas para o interior das quadras e a conjugação das unidades, duas a duas. No caso dos blocos residenciais, Lucio definiu a natureza volumétrica desse tipo, tais como: os gabaritos e o térreo livre, sobre pilotis garantido o solo público, implantando a lógica das projeções, princípio fundamental para a compreensão da cidade. Como dito, antes dos blocos residenciais houve o Parque Guinle (1948-54), e antes deles uma aproximação de Lucio à proposta de Corbusier para uma Unité d’habitation de grandeur conforme, realizada em Marselha (1947-52).

Lucio chama de intuição precursora o empenho de Corbusier em propor este modelo residencial de edificação em altura.[11] Para Frampton, em função das escalas e da transformação de propriedades compositivas propostas, há em certas obras de Corbusier uma monumentalização do vernáculo. Se nas Maisons Jaoul o desenho é reinterpretação monumental de um vernáculo mediterrâneo, dada sua escala a solenidade introspectiva, nos 18 pisos de Marselha este princípio se efetuaria do ponto de vista da condensação social e na proximidade que teria com o modelo do Falanstério de Fourier, proposto no século XIX.[12] A unidade de Corbusier já trazia em si conjunto notável de características espaciais, constituindo espécie de protótipo à espera de outras realizações que se irmanassem com este edifício isolado. Realizações estas constituídas pelas características do chão na qual estas unidades estariam implantadas.

Tal quais outros princípios modernos o edifício isolado não representa um advento do séc. XX. Razão fundamental de representações e contextos de excepcionalidade, o destacamento em relação ao entorno é característica presente na cultura de diversos povos encarnando o desejo de exprimir representatividade, caso de palácios e catedrais. A arquitetura moderna brasileira encontra na realização do MESP razão pioneira para a dissolução do quarteirão em favor de uma continuidade aberta que, nesse caso, fugia às determinações do Plano urbanístico de Alfred Agache. Esta monumentalidade a efetuar a emancipação de pequenas extensões urbanas, termina por torna banal o que antes deveria ser lido sob o viés da exceção.[13] Para James Holston tal acontecimento tem um além que pode ser evidenciado por uma reversão moderna entre fundo e figura, de tal forma que se existia ao longo de séculos uma oposição entre cheio (solido = fundo = privado) e vazios (vazio = figura = público), ocorre no movimento moderno ruptura definitiva desse tradicional sistema de significação da arquitetura.[14]

A difusão de técnicas construtivas, especialmente representadas pelo amplo uso do concreto armado em conjugação ao aço, possibilitou o surgimento de diversas estruturas e a realização de algumas propostas corbusianas como o esqueleto independente das vedações. Esta por sua vez termina por permitir a realização do térreo potencialmente livre de barreiras físicas e no lugar de pilares e pilastras, os pilotis. Do esquema Dom-ino a Brasília há um percurso representativo de experiências culturais que permitem a observação deste tipo construtivo em diversos programas e em atendimento a grande conjunto de necessidades.

reflexões críticas

 

Levantamentos de tipos de projeção (MACHADO, Marília, 2008).

Levantamentos de tipos de projeção (Machado, 2008).

Frederico Holanda em longos estudos sobre os lugares e da desvinculação entre discurso a prática urbanística, identifica dois tipos fundamentais de espaços que se alternam ao longo da história: a paisagem de objetos e dos lugares. Seus estudos com base em dimensões morfológicas de desempenho[15] mostraram que há uma excessiva permeabilidade no interior das superquadras residenciais e que estas são responsáveis por diversas relações que, tomando por base determinados parâmetros, ocasionam perda de orientabilidade e identidade nesses tecidos.

Há a afirmação corrente de que em Brasília tudo é igual e são muitos os que ao visitar a cidade se questionam sobre a lógica que separa os lugares. Ainda que haja a presença de grandes extensões não conectadas, os espaços livres em Brasília não se constituem precisamente por vazios; essas ausências são antes de mais imersas em quantidades e cuja prática projetiva deve ser orientada, dentre outros, ao planejamento setorial da cidade. “Aqui tudo é indiferente e, no entanto, tudo importa.?[16] Desse modo, ainda que a repetição seja propriedade marcante ao longo das superquadras, veremos que muitos exemplares guardam características distintivas no manejo de contingências semelhantes.

Nesse sentido o bloco de superquadras representa um tipo moderno dos mais importantes na historiografia da arquitetura, ainda que discussões mais criteriosas a esse respeito tenham vindo a ser publicadas em tempos mais recentes.[17]]

os blocos de superquadra, caracterização objetiva

Num primeiro momento pode ser efetuada uma divisão entre os blocos residenciais com base em suas dimensões. Na já célebre frase de Lucio, os pavimentos para esse tipo de edifício estariam limitados em seis, de modo que as crianças estariam nas quadras ao alcance da voz de suas mães. São de seis pavimentos e térreo, os blocos das quadras 100, 200 e 300.[18] Seguindo a cota decrescente em direção ao Lago Paranoá, os edifícios das quadras 400 possuem térreo e mais três pavimentos. A intenção inicial com relação ao perfil sócio-econômico dos moradores do plano era a de que houvesse uma estratificação deste entre famílias, uma vez que “neles não são obrigatórios elevadores e garagens, são de construção mais barata, contribuindo para a diversificação?[19]

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Edifícios do Conjunto Residencial Lucio Costa (Lucio Costa, Distrito Federal, 1972-1985). Princípios de edificação semelhantes, empregados em diferente contexto. Foto - Eduardo Souza, 2006.

Os blocos de superquadras respondem a uma demanda sócio-espacial específica e incorreríamos em erro ao imaginar que a plena realização de suas potencialidades poderia ser repetida na solução de questões sem o mesmo aparato e substrato material. Dizendo de outra forma, ainda que em pontos isolados do território do Distrito Federal a solução de uma lâmina de apartamentos sobre pilotis tenha sido empregada, não configura a mesma ambiência urbana que se tem no Plano Piloto. O conjunto habitacional localizado na Região Administrativa do Guará, denominado Lucio Costa é exemplo dessa questão.[20] Lucio Costa não possui nenhum projeto de edificação residencial no Plano.  Embora em Brasília houvesse a intenção de diminuir a iniqüidade social, estes prédios ?localizados a certa distância do centro, segundo um modelo de pulverização de núcleos ?foram pensados para resolver o problema de moradia de camadas sociais menos favorecidas. Daí a designação de cada uma das unidades: operário (52 m²) e favelado (29 m²), cada qual pensado com um tamanho específico, mas agrupados nas mesmas unidades habitacionais. O arruamento se distingue das superquadras pela rigidez geométrica e pelas possibilidades de trajeto; desenham losangos no chão de tal forma que o ângulo formado com o paralelismo dos blocos permite a constituição de permanências e trajetos de pedestres. Em trechos no interior destas quadras estão dispostos equipamentos públicos e instalações comerciais.

Os blocos em si são constituídos por pilotis baixos de 2.20 m de pé direito e três pavimentos, podendo cada unidade ter até oito apartamentos por andar. Apresentam características plásticas de adaptação ao modo de vida que seu autor imaginou. Segundo Jaime Almeida “os tamanhos reduzidos dos espaços e da área a ser construída (superfície do piso) dos apartamentos seriam compensados pela mobilidade familiar que se refletiria na utilização do espaço disponível. Assim, os filhos pequenos ao dormirem mais cedo, liberariam, aos adultos, os demais aposentos, que iriam para cama mais tarde. As crianças, ao crescerem, inverteriam com os mais idosos o uso do apartamento.?[21]

Em contraste com essa intimidade regrada de espaços mínimos, Lucio propõe a diversidade e generosidade da ocupação pública do solo, dado o dimensionamento das áreas abertas configuráveis por atividades de convívio comunal. Mas, se o urbanista viesse a visitar o conjunto anos após sua inauguração, certamente não se encantaria com “a realidade maior que o sonho?encontrado na posse que os moradores deram às áreas verdes. Ao contrário do que acontece no Plano, os térreos foram cercados, na maioria das vezes, extrapolando o perímetro da projeção de cada edifício. Soma-se a isso, o pouco cuidado na manutenção de equipamentos comunitários, resultado de uma introspecção que nem de longe lembra a almeja subtração da vida privada em favor da exterioridade pública proposta por pelo urbanista de Brasília.

Tanto no conjunto de Lucio Costa quanto nas superquadras, permanecem indagações quanto à propriedade de aglutinação desses espaços, marcados por uma relação de mão dupla entre oposições, sejam elas do campo e da cidade, do passado e futuro; de tal forma que “a recusa de uma urbanidade opulenta opera uma total redefinição das funções urbanas tradicionais, bem como das relações entre comércio, residência, transporte e pedestre, na medida em que retira da rua a qualidade de espaço que tem definido, historicamente, a sociabilidade pública em contraste com a esfera privada.?[22]

códigos de edificação

As características apresentadas dependem não só de conceitos urbanos, mas também de detalhamentos e execuções regulamentadas pelos códigos de edificação[23]. E por meio da leitura dos diferentes textos presentes nesses códigos é possível verificar a transformação de fisionomia tanto do bloco de superquadras quanto em outras edificações. No caso das superquadras presencia-se:

a)       Gradativa ampliação da largura das projeções, em função do incremento nos índices de ocupação;

b)      Modificação significativa da volumetria ?que num momento pioneiro se caracterizava pela depuração e concisão volumétrica ?em função das alterações resultantes quanto às possibilidades de avanços e compensações de área.

c)       Redução das áreas livres no pavimento térreo, que passam a serem ocupadas por salões de festas, residências funcionais, áreas de guarita etc.

d)      Acréscimo de coberturas de uso individual ou coletivo, que modificam a cota de coroamento e feição edilícia das quadras. Em algumas delas, coexistem tipos mais recentes em contrastes com outros de épocas passadas, noutras, há a presença exclusiva daqueles exemplares;

Sendo assim, coexistem ao longo das Asas Sul e Norte linguagens as mais distintas e características plurais de projeto, que ocorrem tanto em função da localização quanto do tempo de construção de cada unidade, sendo estas representativas de períodos distintos da ocupação de projeções ao longo das quadras. Se as quadras da Asa Sul apresentam maior homogeneidade entre edifícios e as quadras da Asa Norte, em oposição, apresentam exemplares mais distintos entre si; a estatística não é suficiente para que possamos asseverar que existe uma linha sobre a qual possamos perfazer itinerário de linguagens ou de sua transformação. Mesmo entre blocos coetâneos, não é possível que se faça classificação de filiação a uma ou outra tendência, o que se vê são diversas vocações materializadas dentro de determinações de ordem legislativa.

O grande número de projetos dentro desse tipo permite que façamos a leitura acerca de algumas coincidências de sensibilidades que em muito favorecem a diferenciação entre uma e outra quadra. De modo geral, prevalecem nas quadras empreendidas pelo poder público e Institutos de Aposentadoria e Pensão uma notável preocupação de conjunto, na forma e diálogo que esses projetos estabeleceriam entre si. Preocupação que se esmaece à medida que cresce o poder de influência e realização da iniciativa privada, onde passa a importar sobremaneira a melhor relação de área como meio de obter maiores lucros na venda de unidades.[24]

Segundo Marília Machado algumas fases distintas podem ser identificadas na história das superquadras cada qual com características próprias. A primeira delas tem início em 1956 e se estende até 1961 ?quando da elaboração dos primeiros projetos da superquadra de Brasília, com destaque para o projeto de Hélio Uchoa para as quadras SQS 105 e SQS 305. A segunda fase vai do início do governo de Jânio Quadros em 1961 e vai até a deposição do presidente João Goulart pelo golpe militar de 1964. O terceiro momento decorre todo durante a ditadura, entre 1965 e 1970, particularmente pela retomadadas construções da capital pelo governo militar, principalmente após a criação da Codebrás, no governo Costa e Silva, que assegurou um grande movimento de funcionários para Brasília. Na última fase que se estende até o final da década de 1980, um conjunto de 120 quadras já se encontra consolidado.

nuances propositivas

No ano do lançamento para o concurso da nova capital Oscar Niemeyer publica na revista Módulo o texto Considerações sobre a Arquitetura Brasileira, no qual engrandece o atual estágio de reconhecimento e difusão alcançado pelos autores da modernidade arquitetônica no Brasil, a ponto de “em pouco tempo ela se tornar nossa arquitetura corrente e popular.?[25]No entanto, propõe a ressalva de que a racionalização e simplicidade encontrada em algumas soluções pioneiras não foram bem apreendidas por número considerável de profissionais. Os exemplos são todos feitos por comparação: primeiro uma obra do próprio arquiteto, em seguida um exemplo de má aplicação dessas possibilidades. A primeira delas se refere ao térreo livre sobre pilotis que, se numa idéia geral se apresenta como denso renque de pilares com pouca distância entre si pode bem ser transformado num amplo vão, de melhor ambiência e que aperfeiçoaria a técnica estrutural empreendida anos a fio em pesquisas por nossos melhores calculistas.

No que se refere à comunicação urbana de interação entre pares e o caminho do pedestre no tecido dessa cidade moderna, os pilotis ocupam lugar privilegiado, somado ao tratamento do piso térreo e das áreas ajardinadas adjacentes. Do ponto de vista estrutural podem descarregar os esforços, principalmente, de duas maneiras: estruturas cadenciadas e de pouca ou nenhuma variação dimensional, ou apresentarem desenho para as colunas do térreo diferentes dos demais pisos por meio do emprego de vigas ou lajes de transição.

 

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

SQS 107/108, Edifícios de apartamento (Oscar Niemeyer, 1959). Foto - Joana França, 2007.

Quanto às fachadas apresentam uma variação de combinação essencialmente moderna entre aparência e funcionamento.  Se, em alguns expoentes da vertente corbusiana da modernidade brasileira o modelo do pano de vidro sobreposto pelo brise-soleil[26] é corrente, esta solução se tornará menos difundida no desenho de fachadas das superquadras. Em edifícios das primeiras décadas ocorrem, na maior parte dos casos, duas elevações principais bem distintas, uma conforma os ambientes sociais do apartamento, outra, encobre setores de serviço ou circulação. Tal solução é feita de méritos e lacunas, pois, por questões outras de projeto, alguns prédios podem ter fachadas pouco protegidas direcionadas para orientações de maior incidência solar dada a rigidez com a qual os blocos são implantados.[27] No que se refere ao alinhamento dos prédios com relação ás vias que delimitam as quadras a relação na maioria absoluta é de ortogonalidade, tanto quanto no eu se refere às projeções em que poucas são as quadradas, predominando as barras lineares.

 

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

Planta de apartamento da SQS 308 (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Fonte - Revista Módulo n° 17, 1960, p.20

No que se refere à quantidade de produção, Oscar Niemeyer não está no patamar de demais arquitetos que projetaram blocos de apartamentos para as superquadras. No entanto, o impacto de seu pensamento naquilo que se refere à permanência e consecução das características do plano, aliado às propostas do racionalismo carioca se fazem sentir em alguns aspectos. As superquadras 107 e 108 Sul foram integralmente projetadas pelo arquiteto, e deveriam servir como referência para das demais. Sobre isso, Nauro Esteves afirma que dada a urgência na elaboração de projetos, foram definidos seis tipos de quadra que deveriam ser distribuídas ao longo das asas.[28]

 

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959).  Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe das esquadrias (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Embora possuam, em seu conjunto, grandes nuances, alguns projetos são sempre lembrados pela generosidade do desenho de seus espaços públicos e pela qualidade de concepção de seus edifícios. A superquadra 308 sul (1959) apresenta edifícios que variam pouco entre si. O projeto de Marcelo Campello e Sérgio Rocha com paisagismo de Burle Marx, feito para o Banco do Brasil, cria disposições espaciais no interior da quadra de rara propriedade, sendo constantemente referenciada como quadra modelo. Diferentemente dos projetos que vinham sendo desenvolvidos até então, este possui nove projeções no lugar das onze, aplicadas na maioria das quadras até então.[29] O projeto para a quadra SQS 114 foi executado pela mesma equipe e guarda muitas semelhanças: a disposição dos blocos com os panos de vidro orientados todos de frente para o trajeto de circulação de veículos no interior da quadra; a presença de um edifício no centro da implantação com apenas quatro pavimentos, provavelmente, como meio de se manter uma linha de coroamento mais próxima entre cada bloco.

Outros arquitetos contribuíram enormemente para a configuração das quadras e uma merecida posição de destaque deve ser dada a Eduardo Negri que, atuando pela Caixa Econômica Federal, foi responsável por quase uma centena de blocos de apartamentos, principalmente nas quadras SQS 102, 202, 303, 111, 314. Helio Uchoa, responsável pelas quadras SQS 105 e 305; Luiz Henrique Pessina, Manoel Hermano e Marcílio Mendes Ferreira também são dignos de distinção.

 

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Detalhe da combinação de revestimentos (Marcelo Campello e Sérgio Rocha, 1959). Foto - Carlos H. Magalhães, 2002

Ao nos atermos aos elementos de linguagem presentes em alguns exemplos dentre os blocos de superquadra, percebemos diversas proposições. Ainda que tenhamos parâmetros gerais para a concepção destes edifícios, há espaço para a aproximação criativa de cada autor, que irá dar diferentes tratamentos para as diversas partes que o compõe. Dentre as quais podemos citar: o dimensionamento e desenho dos pilotis (cilíndricos, prismáticos, em “V?; a opção pela transição de esforços entre os pilares que se elevam ao longo dos pavimentos e aqueles que se situam a rés do chão; tratamento de fachadas das ares sociais; tratamento de fachadas das áreas de serviço e assim por diante.

Os Blocos da SQS 107 e 108 (1958-1959) de Oscar Niemeyer apresentam uma clara definição plástica encarnada na economia de meios, na qual prevalece a alternância do tratamento que se dá às fachadas, ora elementos de proteção solar, ora planos envidraçados. Os pilotis apresentam robustez realçada pelo contraste entre as superfícies do piso e aquelas que revestem as colunas.  Os Blocos apresentam pouco contraste de cores entre superfícies, sendo esta variação alcançada por meio do jogo volumétrico entre as partes. Os blocos foram projetados para os funcionários públicos que foram transferidos para Brasília com a mudança da capital. O desenho dos arruamentos compõe de maneira equilibrada e consistente a delimitação entre áreas de circulação e demais trechos, onde se situam parques, jardins e gramados.

Os já referidos edifícios da SQS 308 (1959) de Marcelo Campelo e Sérgio Rocha possuem uma fisionomia caracterizada pela duplicidade entre as fachadas principais. O desenho das esquadrias que revestem a fachada das atividades sociais obedece à rígida modulação, percorrem o pé direito do piso ao teto. São pintadas na porção inferior obstruindo parcialmente a permeabilidade visual, garantido a devida privacidade ao interior dos apartamentos. O desenho dos pilotis é prismático e nos acabamentos das superfícies no térreo, há uma combinação que confere austeridade ao mesmo: pisos em cerâmica preta, paredes revestidas em mármore e peças cerâmicas pintadas com elementos geométricos. Os intervalos entre cheios e vazios valorizam seus interiores, tanto quanto o cuidado com o qual são concebidos os arruamentos, as peças de mobiliário urbano e a disposição do paisagismo, de Roberto Burle Marx.

 

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

SQS 203 - O bloco R3 no fim da década de 1980 (Milton Ramos, 1972). Fonte - Milton Ramos, acervo do arquiteto.

Os blocos das SQS 305 e 105 (1959) de Hélio Uchôa apresentam a aplicação de elementos da linguagem racionalista carioca, na ordenação espacial e elementos de vedação. A imagem que transmite a fachada destes edifícios é quase membrana, uma tessitura na superfície que permite estes elementos serem lidos de perto e à distância. De igual maneira se dão os revestimentos da superfície nos edifícios de Marcílio Mendes Ferreira para a SQN 206 (1977-78). Sobre os pilotis de desenho expressivo e robusto, a barra dos apartamentos possui as delimitações externas caracterizadas pela cadência de elementos pré-moldados em concreto, que sombreiam as fachadas da incidência solar mais acentuada. Também por elementos em concreto é constituída a fachada do Edifício R3 (1972) de Milton Ramos localizado na SQS 203. Sobre um arranjo de pilares moldados em loco que configuram os pilotis estão dispostos, em cada piso, elementos de concreto que servem simultaneamente como sustentação e vedação. Estes elementos retangulares apresentam uma elevação como um troco de pirâmide em negativo e ora são opacos, ora possuem esquadrias com aberturas do tipo máximo ar.

 

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Edifícios da SQN 206 - Vista das colunas do térreo, com desenho expressivo. (Marcílio M. Ferreira, 1977-78) Foto - Carlos H. Magalhães

Estes exemplos se somam a outros de igual importância e são fundamentais para que se possa historiar a arquitetura que se desenvolve em Brasília nos primeiros anos a partir de sua inauguração. O tipo moderno representado pelo edifício de superquadra oferece a possibilidade de desvendarmos caminhos propositivos, identificando as nuanças presentes em cada uma dessas materializações. A concepção geral dos projetos lançada por Lucio Costa define parâmetros gerais para a proposição destes criadores empenhados em conferir à cidade, os aspectos essenciais à sua perenidade histórica, tanto quanto em propor soluções que demonstrem certas filiações, escolhas e a maneira de assimilar influências e transformá-las.

conclusão

O patamar significativo que se atinge em Brasília da conjugação entre características de ordem urbana e edilícia, permite que possamos compreender os blocos de superquadra com um tipo representativo da modernidade arquitetônica. A realização do Plano Piloto de Brasília permite que sejam levantadas, analisadas e discutidas diversas características físicas e espaciais que embasaram o desenvolvimento da arquitetura moderna brasileira. Dentre os diversos setores da cidade, a solução dos blocos residenciais de superquadra, guarda elementos fundamentais presentes na definição dos espaços urbanos propalada pelo movimento moderno no panorama internacional. Ao mesmo tempo, este tipo geral de edificação dá claras mostras de maneiras pelas quais os arquitetos envolvidos em sua construção lançaram mão de um determinado repertório de elementos plásticos, para a construção de determinada fisionomia.

O resultado do intervalo de possibilidades presentes nos parâmetros legislativos possibilitou riquezas nos resultados formais e arranjos espaciais presentes ao longo das quadras residenciais do Plano Piloto, não sendo possível definir uma filiação de linguagem restrita para estes edifícios. A leitura de seus elementos constituintes aponta para referências dissimiles e complexo sendo resultado da conjugação de características plásticas que manifestam nuances propositivas. Montar e compreender este repertório pode auxiliar na realização de estudo mais abrangente, direcionado para o entendimento da pluralidade e diversidade de nossa arquitetura moderna a brasileira.


notas e referências bibliográficas

[1] Estudos mais detidos e criteriosos sobre o tema podem ser encontrados em alguns volumes. Ver: Farès El-Dahdah. (Org.). Brasilia’s Superquadra. Cambridge e Munique: School of Design, Harvard, e Prestel, 2005. O livro citado acerca das superquadras é um apanhado organizado e bem estruturado sobre os dados históricos e as características de cada edifício em suas perticularidades, ver: GOROVITZ, Matheus; FERREIRA, Marcílio Mendes. A invenção da superquadra. Brasília: IPHAN, 2009.

[2] Em definição mais imediata o tipo, do grego typos (cunho, molde, sinal), é aquilo que inspira fé como modelo; coisa que reúne em si os caracteres distintivos de uma classe. O Termo foi objeto de estudo de diversos teóricos em diferentes campos do conhecimento, na filosofia, na sociologia, na arte. Na arquitetura uma das definições pioneiras pode ser encontrada na obra de Quatremère de Quincy. Seu estudo serviu como fonte e inspiração para discussão de diversos teóricos, críticos e historiadores, em reflexões críticas elaboradas principalmente a partir da década de 1960. A esse respeito ver: QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine Chysostome. Diccionario de arquitectura: voces teóricas. 1ª Ed. Buenos Aires: Nobuko, 2007. Neste trabalho o tipo será entendido como a idéia da arquitetura por meio da redução de particularidades de forma, como meio de observar em cada concepção suas características essenciais. Ver: ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995; ARGAN, Giulio Carlo. Sobre a tipologia em arquitetura. In: NESBITT, Kate. Uma Nova Agenda para a arquitetura, pp. 268.

[3] MACHADO, Marília Pacheco. Superquadra: pensamento e prática urbanística. Dissertação de mestrado, Brasília. UnB. 2007.

[4] LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p ?156.

[5] ESKINAZI, Mara Oliveira. A Interbau e a Requalificação Moderna do Oitocentista Hansaviertel em Berlim ?1957. 7° Seminário DOCOMOMO Brasil, 2007.p ?2 .

[6] MARTINS, Carlos A. Ferreira. Leitura Crítica. In: CORBUSIER, Le. Precisões: sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004 .p ?273.

[7] WINIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001. p ?8.

[8] Idem, p ?33

[9] As unidades residenciais em Brasília se constituem de superquadras, com 240×240 metros definidos por uma faixa de vegetação de 20 metros de largura e dispostas ao longo de uma estrada parque. COSTA, Lucio. Habitação Coletiva em Brasília. Módulo n° 12, fev. 1959, pp. 12 ?16.

[10] FICHER, Sylvia et. al. Uma Análise dos Blocos Residenciais das Superquadras do Plano Piloto de Brasília.2003

[11] COSTA, Lucio. O arquiteto e a sociedade contemporânea. In: Registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.

[12] FRAMPTON, Keneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997

[13] ZEIN, Ruth Verde. O Lugar da Crítica: ensaios oportunos de arquitetura. Porto Alegra: Centro Universitário Ritter dos Reis, 2001.

[14] [Modernism breaks decisively with this traditional system of architectural signification. Whereas the preindustrial baroque city provides another of public and private values by juxtaposing architectural conventions of repetition and exception, the modernist city is conceived of as the antithesis both of this made of representation and of its represented political order.] HOLSTON, James. The modernist city and the Death of The Street. In: LOW, Setha M. [Org.] Theorizing the City: The New Urban Anthology Reader. Rutgers University Press. 1999,

p ?265.

[15] HOLANDA. Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.

[16] VALÈRY, PAUL. Eupalinos, ou o Arquiteto. São Paulo: Editora 34, 1996.

[17] Além dos citados textos de Marília Machado e Sylvia Fischer, o conjunto de obras dos edifícios de superquadra foi objeto de pesquisa coordenado por Matheus Gorovitz e Marcílio Mendes Ferreira em:

[19] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[20] Pensado inicialmente para a cidade de Alagados na Bahia.

[21] ALMEIDA, Jaime. Avaliação de Plantas de Apartamentos Econômicos em Torres Residenciais no Contexto das Construtoras. Paranoá Cadernos Eletrônicos, Brasília DF, 2003.

[22] WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001, p. 28 ?29.

[23] Antes do código de edificações de 1998(Lei no 2.105/98, regulamentada pelo Decreto no 19.915, de 17 de dezembro de 1998: Código de Edificações do Distrito Federal.), vigoraram outros três códigos de regulamentação em Brasília, aprovados nos anos de 1960 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal no 7, de 13 de junho de 1960: “Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília.?, 1967 (Decreto da Prefeitura do Distrito Federal ‘N?no 596, de 8 de março de 1967: Código de Edificações de Brasília (R.A.1) e Normas Complementares) e 1989. Sobre o último código é importante ressaltar que ?em>dada a importância atribuída à listagem da Unesco e a aprovação das sugestões de Costa, o Código de 1989 incorporou na íntegra os textos do Decreto no 10.829/87[23] e do Brasília revisitada, não apresentando o formato legislativo de praxe. Por seu lado, a nova Câmara aprovou em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal[23], a qual tornou obrigatória a elaboração periódica de planos diretores. Assim, Brasília passava a ser objeto do controle urbanístico tanto de órgãos federais como distritais, em uma coabitação nem sempre das mais harmoniosas.?ver: Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Os blocos residenciais das superquadras de Brasília. Brasília: Jornal do Crea DF, 2005.

[24] Ficher, Sylvia, Leitão, Francisco, Batista, Geraldo Nogueira e França, Dionísio Alves de. Op. Cit.

[25] NIEMEYER, Oscar. Considerações sobre a Arquitetura Brasileira. Módulo, Ano 03, n° 7, fev. 1957, pp. 5 ?10

[26] [É a partir da aliança entre função, materiais e procedimentos construtivos que Le Corbusier havia estabelecido os seus cinco pontos de uma arquitetura nova, defendendo o pano de vidro e inventando o brise-soleil.] COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras. Sobre um Estado Passado da Arquitetura e Urbanismo Modernos. Tese de Doutorado, Universidade de Paris VIII- Vincennes- Saint Denis, 2002.

[27] BRAGA, Darja Kos. Arquitetura residencial das superquadras do Plano Piloto de Brasília: aspectos de conforto térmico. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.

[28] MACHADO, Marília Pacheco. Op. Cit, p ?89.

[29] Idem, p ?74.


Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

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Carlos Henrique Magalhães

Italo Calvino em sua obra As Cidades Invisíveis nos descreve lugares cuja presença no tempo se manifesta ao coletivo no momento de sua percepção. Nos relatos de Marco Polo a Kublai Khan, as sensações e experiências tomam a espessura do ocorrido e do pronunciado no quanto que possuem de recordações e futuro. As cidades imaginadas por Calvino não podem ser localizadas no espaço, o período de sua existência é tanto infinito quanto nenhum; suas virtudes, seus números e distâncias, as torres que possuem altas no céu ou os nomes que guardam fundo no chão.

Em certa altura das narrativas, Khan questiona Marco Polo se ele esteve de fato em todas aquelas cidades, pois, tinha impressão de que o viajante nunca havia deixado o jardim de seu palácio. Segue entre eles uma conversa de incertezas, existiria o mundo visto ali, apenas à sombra de seus olhos cerrados, e, assim, poderiam se refugiar nesse íntimo, distantes do alvoroço do mundo.  A passagem se encerra de maneira aberta, Marco pólo nos diz: “Talvez do mundo só reste um terreno baldio coberto de imundícies e o jardim suspenso do paço imperial do Grande Khan. São as nossas pálpebras que os separam, mas não se sabe qual está dentro e qual está fora.[1]

Talvez pudéssemos começar assim a descrição de uma cidade construída há quase cinqüenta anos no Planalto Central do Brasil: da tensão entre um mundo de dentro e outro de fora, de uma cidade escrita e reescrita sob diversas penas, de nanquim e de pesar. Na cidade que é marco indelével de uma época, luta-se por muito, pelo grande e pelo detalhe, pela fisionomia e pelo princípio, pelo patrimônio e por um crescimento, no mais das vezes, afeito a subversões e pragmatismos de toda ordem. Nesse conjunto de antagonismos e contradições que alguns aspectos da existência da capital despertam, apontamos em diversas direções, dentre eles, a permanência de seus espaços simbólicos.

Brasília alcança hoje quase meio século ainda em meio a polêmicas e discussões, cuja temperatura não decresceu desde os primeiros anos de sua fundação, quando então foi posta a enfrentar o ferrenho debate se sua viabilidade e realização[2]. A cidade se afirmou na memória dos brasileiros, é expressão de um país que imaginamos novo, distante dos arcaísmos de séculos recentes. Brasília responde como objeto da cultura e, dentro dessa perspectiva, sua arquitetura moderna representa tanto um momento de afirmação de identidades e nacionalismos contundentes, quanto permanece viva e dinâmica, sendo adaptada aos muitos acontecimentos que lhe sucedem.

A representatividade de suas escalas – monumental, gregária, residencial e bucólica – é contribuição expressiva ao panorama do urbanismo moderno no mundo[3] e a conjugação entre as mesmas, fundamental às diversas demandas às quais é reiteradamente chamada: da expressão simbólica do país, ao agradável acolhimento de seus moradores. Esta a inteligência de seu desenho, que alcançou perenidade pela enorme capacidade de Lucio Costa, Oscar Niemeyer e outros tantos realizadores empenhados em manter os princípios contidos no relatório do Plano Piloto. A proeminência de Niemeyer frente esse grupo é notória e justificável, sua obra pode ser encontrada em todas as escalas citadas anteriormente, dos edifícios de superquadra, aos palácios e monumentos nacionais. O inventário das obras de Niemeyer na capital federal possui extensão também no tempo, mais de cinqüenta anos separam o primeiro projeto dos mais recentes. O Eixo Monumental e a Esplanada dos Ministérios abrigam edifícios públicos projetados por nosso maior arquiteto, de naturezas e características diversas, de expressões cujo resultado formal apresenta determinadas nuanças.


Congresso Nacional - 1958

A Esplanada Ministerial de Brasília pode ser caracterizada objetivamente como a porção representativa do plano Piloto, que se estende a leste do cruzamento entre os eixos Monumental e Rodoviário – onde se situa a Estação Rodoviária da cidade – até a Praça dos Três Poderes, onde o Palácio do Congresso Nacional (1958) seria o elemento de apreensão e importância fundamentais, marcando simbolicamente nossa percepção, criando uma referência visual expressiva e categórica. É um espaço monumental. É um lugar onde o vazio determina e transforma as percepções. É momento raro de coincidência de duas sensibilidades, de duas personalidades artísticas diferentes, porém, alinhadas. Pois será exatamente no momento em que essa conjugação deixa de existir que iremos encontrar uma possível chave para percorrer o itinerário das transformações ocorridas no espaço simbólico e monumental de Brasília.

Gran Circo Lar (Foto APDF)

Gran Circo Lar. Foto APDF

A repetição cadenciada de edifícios rigorosamente iguais, os Ministérios (1958), é elemento de composição que, em equilíbrio com os demais edifícios públicos, conferem integridade física ao projeto, atribuindo-lhe propriedade decisiva de monumentalidade. Nas duas porções mais próximas à Rodoviária, Lucio Costa imaginou um conjunto cultural que durante muitos anos teve como único representante o Teatro Nacional (1958), edifício de grande robustez e austeridade, um tronco de pirâmide com tratamento diferenciado para cada empena. Enquanto isso, o lado sul deste mesmo conjunto permanecia vazio, ou ao menos sem uma edificação definitiva. A exceção era dada pelo Gran Circo Lar, tenda projetada pelo arquiteto Fernando Andrade, que gerencia a representação de Niemeyer em Brasília ao lado de Carlos Magalhães, edificação que até 1999 recebeu diversas manifestações artísticas e culturais.

O Complexo Cultural da República idealizado por Lucio Costa começou a receber propostas de edifícios da parte de Niemeyer na década de 1970. Para o lado norte projetou o Museu da Terra, do Mar e do Cosmo e anos seguintes, em 1986, projetou o Museu de Brasília e o Ministério da Cultura para o lado sul da cidade. Os esforços de realização para preencher os vazios que ladeiam a Esplanada dos Ministérios seguiram durante anos. Na década de 1990 a proposta sofre intervenções programáticas, Niemeyer então desenvolveu novo projeto assim distribuído: no lado sul, biblioteca, museu, auditório e restaurante; no lado norte sede Ministerial, Edifício Sede para o Arquivo Nacional e restaurante. [4]

Museu da República (1999)

Museu da República (1999) . Foto: Carlos H. Magalhães

Em 1999 é somada ao Complexo Cultural uma galeria subterrânea para estacionamento e uma nova proposta de nosso arquiteto. De uma conjugação imaginosa entre forma e programa resulta, para o lado norte, a proposta de um centro musical, espaço para cinemas e uma esfera para abrigar projeções 180°e Planetário. Em 2004 o projeto para o lado sul, que passou a receber o nome de Complexo Cultural da República João Herculino, ganha contornos definitivos com a Biblioteca Nacional Leonel de Moura Brizola, o Museu Nacional Honestino Guimarães e um pequeno restaurante, que dividem uma ampla praça, pontuada por espelhos d’água.

Após sucessivas transformações, foi adotado para o projeto do Museu um grande domo cuja base possui em torno de 90 metros de diâmetro e o ponto mais alto se situa a 28 metros do solo. A rés-do-chão se acessam o foyer dividido entre dois auditórios (700 e 80 lugares), acima destes a exposição dividida em dois níveis conectados por rampas, desde o nível da rua, chagando-se ao primeiro e em seguida em direção ao mezanino preso ao enorme domo por meio de tirantes. O edifício da Biblioteca é caracterizado por uma barra horizontal sobre pilotis, esta dividida em uma porção inferior de arcadas em concreto e outra vedada com retícula metálica.

É certo que encontramos esta conjugação de elementos plásticos em outras obras do arquiteto, mas o caso deste complexo parece ser o da resolução do ambiente urbano, da difícil relação entre a Esplanada – monumental e cerimoniosa – e o entorno de grande agitação cotidiana. Se ao longo da seqüência dos blocos ministeriais, tanto quanto no Palácio do Itamaraty (1962) os anexos encerram a perspectiva, favorecendo a leitura integral das partes, entre administração e representatividade, o mesmo não ocorre nos vazios do Setor Cultural. Nesse sentido, a proposta do arquiteto parece ser a afirmação da autonomia física do conjunto ao mesmo tempo em que dinamiza e transforma a percepção de seu entorno imediato. Com a praça, o conjunto de percepções desse lugar se altera substancialmente, é um espaço preciso de afirmação. O conjunto pode ser compreendido como um acontecimento plástico cuja finalidade de conexão é tão importante quanto de permanência, oferece à cidade um vazio preenchido em possibilidades de trânsito, ocupação e percepções. A grande praça é sim seca e árida, mas pensada em substituição a terra vazia, tornou-se um pano de fundo propício a diversas manifestações, tanto quanto ordenou o enquadramento que se tem dos setores que lhe são contíguos.

Os senões desse empreendimento são muitos e se desenvolvem em diversos níveis: das questões relativas à sua construção; da viabilidade do edifício da Biblioteca, sua efetiva ocupação e uso; o conforto sensorial do usuário que se põe a caminhar no imenso vazio em concreto etc. Soma-se a esse conjunto de argumentações plásticas e programáticas o fato do edifício não possuir estacionamentos para as atividades que abriga. Prontamente, poder-se-ia responder que o trecho não está totalmente executado, não só pela ausência das edificações no lado norte, mas pela galeria e estacionamento subterrâneo que conectaria os dois trechos da proposta. No projeto apresentado em 2004, esta situava-se sem ruídos no gramado da esplanada, apenas um belo desenho sinuoso no chão marcava sua presença.


Panteão da Pátria - 1986

Panteão da Pátria (1985). Foto: Carlos H. Magalhães

Em 1969 um grande mastro para a bandeira nacional é implantado na adjacência da Praça dos Três Poderes. O símbolo pátrio projetado por Sérgio Bernardes (1919-2002) até hoje não foi bem assimilado por seus pares: é associado ao governo militar deflagrado em 1964, é também agravo ao princípio da concepção do Plano Piloto, do Congresso como último marco visível do Eixo Monumental para além do qual se estenderia apenas o horizonte do cerrado. A campina circunvizinha, como descrevera Lucio Costa, recebe em 1985 um marco pela memória da redemocratização o Panteão da Pátria (1985-86) projetado por Oscar Niemeyer. Sua forma escultórica não chega a ser um macro elemento no ambiente urbano, mas muda de maneira contundente a percepção que se tem do entorno, quando se mira desde o terrapleno.

Esta intervenção dá as coordenadas de outros muitos edifícios propostos por Oscar Niemeyer, tais como o Supremo Tribunal Federal – Anexo II (1990) a Sede da Procuradoria Geral da República (2002), que levantaram severos apontamentos críticos, seja por sua presença na paisagem, seja pelo vultuoso investimento que recebem da máquina pública brasileira. A par destas edificações, outras desenhadas pelo arquiteto de seu escritório em Copacabana recebem atenção de público e crítica, por motivos nem sempre coincidentes. Caso do já referido Complexo Cultural da República.

Praça da Soberania - 2009

Praça da Soberania (2009). Imagem - Divulgação

Entre 2004 e 2007 duas propostas distintas de intervenção foram lançadas pelo arquiteto, não só fazendo a conexão entre os setores culturais do lado norte e sul, como passado a constituir manifestação física no canteiro central da Esplanada. Primeiro um monumento figurativo no formato de uma pomba branca, em seguida a notícia recente de cobrir as vagas de garagem de maneira assertiva, criando um gigantesco elemento urbano próximo à Rodoviária do Plano Piloto. A Praça da Soberania (2007-2009), segundo seu autor, deve causar espanto. O grande monumento destina-se a demonstrar o progresso do país, despertando a perplexidade em quem o vê. Além das referências feitas pelo arquiteto, o grande monumento acumula as funções de Memorial dos Presidentes e, a pedido do governo local, deveria simbolizar o cinqüentenário de Brasília, que será comemorado em 2010.

Ao se referir ao Conjunto Cultural da República a arquiteta e professora Gabriela Izar expõe com grande propriedade argumentativa, conotações para os edifícios daquela Praça: “Niemeyer é o arquiteto autofágico, o que devora sua própria obra, o que devora sua própria história (…)[5], por sombrear a própria história, ofuscar e deturpar princípios de uma monumentalidade inédita, “no sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e significa.[6]

O grande monumento é ofensivo. Deturpa a obra de Lucio Costa e do próprio Niemeyer. Sobrepõe-se a outros significados relativos à manifestação da memória coletiva por meio de sucessivas aproximações a perspectivas e trajetos. É um marco impróprio aos princípios operativos da cidade por tentar forçosamente funcionalizar um lugar onde a apropriação não é necessariamente instrumental. Os vazios urbanos de Brasília representam contribuição decisiva da apreensão que se tem da cidade, da maneira como edifício e paisagem se relacionam.

As incongruências que aqui podemos apontar se referem principalmente à presença do Palácio do Congresso nas visuais da cidade. O edifício que Niemeyer se esforça em resolver por meio de um hábil manejo de volumes é uma obra que guarda qualidades específicas quando vistas de perto e à distância. Segundo Yves Bruand “o papel atribuído ao edifício no contexto urbanístico exigia que conservasse, a grande distância, toda sua força plástica: surgia como um dos pontos fundamentais de referência da cidade, visível de todas as partes por causa da situação privilegiada no fim da perspectiva formada pelo eixo monumental.[7]

Com este engenhoso jogo de equilíbrios e com uma sábia implantação do edifício, Niemeyer estabelece diálogo respeitoso com Lucio Costa, conciliando as expectativas presentes no traçado do Plano onde o urbanista concilia com grande percepção, aspectos dos lugares e a geometria dos espaços.

A desproporção do empreendimento e da escala deste edifício traz à tona esta e outras questões, tanto arquitetônicas quanto políticas e sociais. Sua possível materialização representa o caminho discricionário que tomou a obra de nosso maior arquiteto, o autoritarismo[8] com o qual são tomadas decisões de grande alcance em diversos campos da cultura nacional e fragilidade da arquitetura, frente a questões imperativas do capital, de um mundo determinado por ações pragmáticas, localizadas com estreiteza no intervalo dos tempos humanos.

O mundo desenhado por Niemeyer no Brasil moderno era o da superação, dos ineditismos plásticos estruturais e do arrojo, formas que iriam postular positivamente a identidade nacional em favor de um futuro próprio. O mundo no qual se insere a Praça da Soberania parece todo feito de sobras e avessos, não dialoga com a matéria do país, desobedece a suas urgências desafiando memórias, coletivas e particulares. Nesse contexto, não cabe fecharmos os olhos e deitar nossas penas inertes em folhas vazias. Procuremos debater amplamente este projeto, com sensibilidade de propriedade argumentativa, pois sua construção é problema nosso, de todos nós, cidadãos. Na confusão do mundo, que nossa perplexidade sirva para trazê-lo ao domínio do coletivo e das ações objetivas, esteja o lugar de onde avistamos esses horizontes, dentro ou fora de nossas idéias.


notas

[1] CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 96

[2] Brasília ainda hoje enfrenta questões dessa ordem, sendo constantemente criticada de maneira pouco circunspecta em inúmeros aspectos. Ver: MACEDO, Danilo Matoso. Alguma deselegância e muita cegueira. In: Portal Vitruvius – Minha Cidade vol. 5, 2003. disponível em: //www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc082/mc082.asp. Acesso em janeiro de 2009.

[3] GOROVITZ, Matheus. Brasília, uma questão de escala.

[4] Para o histórico detalhado dos projetos: MARQUEZ, Mara Souto. A escala monumental do Plano Piloto de Brasília. Dissertação de mestrado. Brasília: UnB, 2007.

[5] SANTOS, Gabriela Izar. Brasília, a Capital, e Oscar Niemeyer, o Autofágico. In: Portal Vitruvius – Minha Cidade n° 129, 2005. Disponível em: //www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc129/mc129.asp. Acesso em janeiro de 2009.

[6] COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivencia. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.p.283

[7] BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.p.200

[8] Poder-se-ia argumentar que Brasília é, em si, um gesto autoritário. Mas cabe lembrar que foi concebida, pensada e construída por um conjunto de pensamento, por um momento do país de grande conciliação entre campos do conhecimento. Viu-se aqui a existência de um projeto, no amplo sentido da palavra, que abarcava o debate de áreas afins em favor da cidade. Surge assim, por exemplo, um sistema de ensino fruto de um ideário, pautado pelo avanço não só pedagógico e institucional, como também físico e espacial, tanto na escala do edifício quanto na escala da cidade. Soma-se a isso o fato de que a Brasília que se constrói nas duas primeiras décadas, não foi feita apenas a quatro mãos. Nunca é demais recordar a importância que tiveram vários criadores empenhados em tornar possível esta cidade.

Carlos Henrique Magalhães
Arquiteto e Urbanista (UnB, 2006), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB,2009).

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Leia mais sobre a Praça da Soberania em mdc

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Thiago de Andrade | Luiz Otávio Chaves
Texto: Carlos Henrique Magalhães

O que diz mais sobre a construção desta residência é sua posição na paisagem, a posição que ocupa e aproxima o ilimitado corpo da natureza ao convívio familiar do construído.

Estas relações datam do gesto inicial de concepção da proposta: situar a primeira etapa de construção na porção posterior do lote, onde o declive é mais acentuado. Tal opção poderia parecer contra-senso para muitos, não fosse o conjunto de relações que assim passa a estabelecer com o extenso território do cerrado.

CasadeCampo-DF-05

A casa está implantada em duas alas que se conjugam a um deck na altura da copa da vegetação circundante. Os módulos de 4,40×4,40 metros obedecem a uma dupla conveniência: guardam uma proporção áurea entre vãos e altura e estão em conformidade com as cargas que suportam. Toda a superestrutura é feita por pilares e vigas de madeira. Nas fachadas sudeste e nordeste o corpo da casa se abre em amplos panos de vidro, enquanto que nas fachadas opostas, a abertura é dada por um detalhe no assentamento dos tijolos, medida que se dá também, por questões bio-climáticas. Já há tanto que observamos o bom funcionamento dessas soluções, onde as fachadas do poente (noroeste/sudoeste) criam uma área de baixa pressão atmosférica e aperfeiçoa o mecanismo de ventilação cruzada.

CasadeCampo-30

A inusitada combinação entre materiais, tradicionalmente não conjugados dessa forma, cria aqui um ponto alto: pode-se dizer que eles ganham quase uma oportunidade de se mostrarem assim em tal relação, revelando uma série inumerável de forças e relações plásticas.

Cabe dizer que a escolha do nome [“Cocoruto”] é antes de mais nada informal e coletiva em ocasião da inauguração da cobertura, a chamada festa da cumeeira. Ora, não havia razão para manter esta denominação, assim, criou-se o nome tão singelo e popular: cocoruto. Graças à abóbada de arco pleno, que, em duas alas, cobre toda a extensão da casa. Sua estrutura é feita em tijolo, e conta com o aço para combater os empuxos laterais, tanto na malha que a recobre garantindo a aderência da camada de concreto, quanto nos tirantes metálicos presos aos pilares.

Esta cobertura é o elemento de articulação que permite maior riqueza de relações espaciais. No espaço externo, aberto ao convívio comum, a abóbada se mostra como um objeto capaz de medir as relações com o entorno, o próprio tamanho das coisas. Aqui, a escala de sua presença é capaz de deslocá-la de tudo que a cerca; manifestação de cultura em meio ao amplo domínio da paisagem.

O interior, por sua vez, possui a devida ambiência de refúgio e distância. Aqui, a paisagem toma o contorno de proximidade: ela se avizinha. Assim, nesses sucessivos movimentos de distância e proximidade, a natureza é colocada em par com os objetos da cultura, e se torna, assim como o indivíduo, razão primeira desta obra.

Galeria

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Local: Brasília, DF
Autores: Thiago de Andrade, Luiz Otávio Chaves
Texto: Carlos Henrique Magalhães
Data do Projeto: 2002
Data de conclusão da obra: 2007
Construtores: Thiago de Andrade e Luiz Otávio Chaves
Fotos: Joana França
Premiação: Concurso Nova Arquitetura de Brasília, 2007 – Prêmio Nauro Esteves. 1º Lugar Geral.
Contato: thiago.andrade@uol.com.br | //www.atelierparalelo.com

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