{"id":323,"date":"2006-02-28T17:00:52","date_gmt":"2006-02-28T19:00:52","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=323"},"modified":"2009-02-04T05:44:07","modified_gmt":"2009-02-04T07:44:07","slug":"topografias-ou-a-construcao-como-paisagem","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2006\/02\/28\/topografias-ou-a-construcao-como-paisagem\/","title":{"rendered":"Topografias ou a constru\u00e7\u00e3o como paisagem"},"content":{"rendered":"
<\/a><\/p>\n Carlos Alberto Maciel<\/p>\n [Ler o artigo em PDF]<\/strong><\/a><\/p>\n <\/p>\n O que t\u00eam em comum Lucio Costa, Renzo Piano, Oscar Niemeyer, Rem Koolhaas, \u00c2ngelo Bucci, Foreign Office Architect\u2019s, Paulo Mendes da Rocha, Mecanoo, Carlos Ferrater, Eduardo de Almeida, MVRDV, Gustavo Penna e Peter Eisenman?<\/p>\n Todos eles, em tempos diversos e com modos diferenciados de abordar a quest\u00e3o, adotaram a interpreta\u00e7\u00e3o ou reinven\u00e7\u00e3o da topografia como fato\u00a0 gerador do projeto. Isso seria uma banalidade n\u00e3o fosse, por um lado, a maci\u00e7a e radical recorr\u00eancia desta estrat\u00e9gia na produ\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea internacional [1], e, por outro lado, a surpreendente dist\u00e2ncia temporal em que esta mesma estrat\u00e9gia aparece na produ\u00e7\u00e3o brasileira. Essas interven\u00e7\u00f5es ora reeditam topografias variadas dissimulando a constru\u00e7\u00e3o na paisagem, ora criam acidentes geogr\u00e1ficos artificiais em locais originalmente planos. Em todos os casos, se fundamentam em pelo menos tr\u00eas caracter\u00edsticas conceituais n\u00e3o excludentes entre si [2]: A primeira das estrat\u00e9gias gerou as galerias rampadas ao n\u00edvel t\u00e9rreo do Edif\u00edcio Copan (Oscar Niemeyer, 1950) que, recusando a solu\u00e7\u00e3o racionalista de constru\u00e7\u00e3o mais simples e econ\u00f4mica de conformar planos horizontais interligados por rampas e escadas aos modos do\u00a0 padr\u00e3o definido pela Maison Domino de Le Corbusier, define todo o piso dos percursos p\u00fablicos em um plano inclinado, escalonando as lojas ao seu redor, o que promove uma continuidade natural com os diferentes n\u00edveis das vias p\u00fablicas adjacentes. Essa complexa ope\u00adra\u00e7\u00e3o geom\u00e9trica e construtiva refor\u00e7a o car\u00e1ter p\u00fablico e aberto das \u00e1reas comerciais, radicalizando a integra\u00e7\u00e3o entre p\u00fablico e privado que a arquitetura moderna propunha. Utilizando os mesmos artif\u00edcios e com o mesmo objetivo, diversas obras do arquiteto holand\u00eas Rem Koolhaas reeditam o racionalismo modernista atrav\u00e9s de planos inclinados cont\u00ednuos que promovem novas possibilidades de rela\u00e7\u00e3o entre p\u00fablico e privado, bem como entre os espa\u00e7os internos do edif\u00edcio. Isso aparece nas rampas do Kunsthaal de Rotterdam, Holanda (1992), que promovem uma intencional sobreposi\u00e7\u00e3o entre o percurso p\u00fablico de interliga\u00e7\u00e3o entre os n\u00edveis do parque e da avenida e os espa\u00e7os internos do edif\u00edcio, obliterando os limites entre p\u00fablico e privado em uma complexa opera\u00e7\u00e3o construtiva que rearticula os espa\u00e7os p\u00fablicos adjacentes. Essa radical continuidade entre planos distintos promovida por uma explora\u00e7\u00e3o de geometrias complexas construtivamente definidas pela justaposi\u00e7\u00e3o de planos inclinados aparece ainda no projeto para o concurso da Biblioteca Jussieu (1993). Com o mesmo objetivo de diluir a distin\u00e7\u00e3o entre diferentes n\u00edveis e refor\u00e7ar a continuidade entre espa\u00e7os e seu uso p\u00fablico, o projeto vencedor do concurso para o Terminal Mar\u00edtimo de Yokohama, Jap\u00e3o (Foreign Office Architect\u2019s\u00a0 – Farshid Moussavi e Alejandro Zaera-Polo, 1995-2002) [3] utilizou o potencial que os modelos tridimensionais computadorizados apresentavam para a cria\u00e7\u00e3o das complexas articula\u00e7\u00f5es topogr\u00e1ficas entre os distintos planos de uso, ordenando fluxos e refor\u00e7ando percursos p\u00fablicos naturalmente interligados sem a utiliza\u00e7\u00e3o de escadas rolantes ou elevadores. A topografia artificial constru\u00edda em Yokohama tem ainda a virtude de criar um espa\u00e7o p\u00fablico aberto sobre o terminal que complementa a estrutura urbana pr\u00e9-existente, promovendo uma continuidade com o parque urbano vizinho.<\/p>\n A preocupa\u00e7\u00e3o em refor\u00e7ar a continuidade com o espa\u00e7o urbano orientou a elabora\u00e7\u00e3o de um dos mais emblem\u00e1ticos projetos brasileiros na cria\u00e7\u00e3o de uma topografia artificial: o Pavilh\u00e3o Brasileiro na Feira Internacional de Osaka (Paulo Mendes da Rocha e equipe, 1969-70) [4]. Este projeto sintetiza valores espec\u00edficos da Escola Paulista, fortemente influenciada por Vilanova Artigas, como a defini\u00e7\u00e3o da grande cobertura que abriga todos os elementos e espa\u00e7os do programa e a explora\u00e7\u00e3o pl\u00e1stica do profundo co\u00adnhecimento construtivo que a viabiliza materialmente [5]. Outro importante tema, caro a Artigas, \u00e9 a abertura irrestrita que caracteriza o espa\u00e7o interno. Para refor\u00e7ar essa integra\u00e7\u00e3o, dois artif\u00edcios s\u00e3o adotados: o primeiro, a aplica\u00e7\u00e3o nas \u00e1reas pavimentadas do pavilh\u00e3o do mesmo material das cal\u00e7adas adjacentes; o segundo, que mais nos interessa aqui, a oculta\u00e7\u00e3o de todos os necess\u00e1rios espa\u00e7os fechados e volumes constru\u00eddos \u2013 sanit\u00e1rios, sal\u00e3o do Itamarati, audit\u00f3rio \u2013, por sob colinas artificiais gramadas que tocam suavemente a cobertura em tr\u00eas de seus quatro pontos de apoio. Essa estrat\u00e9gia transforma os poss\u00edveis objetos edificados em paisagem artificial, refor\u00e7ando a preval\u00eancia do espa\u00e7o p\u00fablico e aberto e fazendo da interven\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica fato gerador do projeto, a constituir rica oposi\u00e7\u00e3o com a cobertura tecnologicamente edificada.<\/p>\n Esta oposi\u00e7\u00e3o entre um elemento constru\u00eddo e um vazio criado pela oculta\u00e7\u00e3o de parte do volume edificado em uma solu\u00e7\u00e3o integrada \u00e0 topografia foi retrabalhada in\u00fameras vezes por Oscar Niemeyer, tendo sido mais enfaticamente explorada na Sede do Partido Comunista Franc\u00eas (1965). A fim de conformar o vazio frontal aos modos de uma pra\u00e7a, o grande Sal\u00e3o da Classe Oper\u00e1ria foi rebaixado, e superf\u00edcies rampadas de geometria complexa promovem a articula\u00e7\u00e3o entre os planos da cal\u00e7ada e o topo da c\u00fapula vis\u00edvel desde a rua. No espa\u00e7o interno semi-enterrado, o arquiteto tamb\u00e9m faz uso dos planos inclinados para promover uma articula\u00e7\u00e3o mais sutil entre as \u00e1reas de chegada e o grande sal\u00e3o.<\/p>\n Recentemente, a Biblioteca de Delft (Mecanoo, 1993-98) [6] explora a conforma\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica como estrat\u00e9gia para a preserva\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o aberto de uso p\u00fablico. A fim de preservar o vazio gramado que o terreno destinado ao edif\u00edcio conformava, e para evitar a polaridade com o grande volume edificado do audit\u00f3rio vizinho, projetado pelos arquitetos Van der Broek e Bakema nos anos 60, foi criada uma extensa laje gramada de cobertura ascendente que dissimula a presen\u00e7a de grande parte da massa edificada para quem chega desde o audit\u00f3rio e conserva o uso p\u00fablico como pra\u00e7a, construindo uma paisagem artificial que integra as tr\u00eas caracter\u00edsticas acima relacionadas.<\/p>\n Na produ\u00e7\u00e3o brasileira recente, a Escola Guignard (Gustavo Penna, 1989-90) e o projeto para a Sede da Filarm\u00f4nica Afro-Brasileira (\u00c2ngelo Bucci, 2004 \u2013 vide projeto em MDC 1) partem da interpreta\u00e7\u00e3o inventiva da varia\u00e7\u00e3o da topografia para gerar as articula\u00e7\u00f5es espaciais internas e para potencializar a continuidade com o espa\u00e7o p\u00fablico. A primeira recria o lugar oferecendo uma pra\u00e7a gramada aberta ao espa\u00e7o urbano, por sobre o audit\u00f3rio, refor\u00e7ando o car\u00e1ter p\u00fablico do edif\u00edcio. A segunda articula o percurso p\u00fablico atrav\u00e9s da explora\u00e7\u00e3o de um grande plano de inclina\u00e7\u00e3o inversa \u00e0 varia\u00e7\u00e3o da topografia que cria o espa\u00e7o interno necess\u00e1rio atrav\u00e9s de uma inser\u00e7\u00e3o na paisagem ao mesmo tempo rigorosa e complexa, que recupera os melhores momentos da arquitetura moderna brasileira numa evolu\u00e7\u00e3o n\u00edtida do repert\u00f3rio formal geom\u00e9trico de forte inspira\u00e7\u00e3o miesiana que a arquitetura paulista tem apresentado, em decorr\u00eancia da depura\u00e7\u00e3o do repert\u00f3rio de Vilanova Artigas elaborada em especial por Paulo Mendes da Rocha.<\/p>\n Para al\u00e9m de simplesmente promoverem uma reedi\u00e7\u00e3o da conforma\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica do lugar, estas interven\u00e7\u00f5es apresentam, em sua maioria, um esfor\u00e7o de transforma\u00e7\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es entre os dom\u00ednios p\u00fablico e privado, implantando edif\u00edcios de dimens\u00f5es significativas sem eliminar espa\u00e7os e percursos p\u00fablicos e criando novos espa\u00e7os p\u00fablicos complementares \u00e0 estrutura urbana existente.<\/p>\n A segunda estrat\u00e9gia aparece de modo mais enf\u00e1tico na proposi\u00e7\u00e3o n\u00e3o constru\u00edda para o Centro Espiritual dos Dominicanos em Sainte-Baume, Fran\u00e7a (Oscar Niemeyer, 1967), em que o arquiteto inventa um processo de constru\u00e7\u00e3o inusitado que executa eleva\u00e7\u00f5es topogr\u00e1ficas sobre as quais se concretam lajes de conforma\u00e7\u00f5es n\u00e3o geom\u00e9tricas. Uma vez edificadas, seria retirada a terra sob as lajes e espa\u00e7os conformados como cavernas surgiriam [7]. Algo semelhante na forma final n\u00e3o geom\u00e9trica foi recentemente proposto pelo grupo holand\u00eas MVRDV para o pavilh\u00e3o de ver\u00e3o da Serpentine Gallery (2005), em Londres: uma colina artificial que encobre a antiga edifica\u00e7\u00e3o da galeria atrav\u00e9s de um aparato construtivo oneroso e de dif\u00edcil execu\u00e7\u00e3o que n\u00e3o se ergue em fun\u00e7\u00e3o da cria\u00e7\u00e3o de um espa\u00e7o arquitet\u00f4nico, mas como uma fr\u00edvola manifesta\u00e7\u00e3o da novidade: o evento em que, passada a surpresa inicial de se ver uma montanha onde antes havia uma casa, e passado o espanto de encontrar a mesma casa no interior da montanha, resta apenas esperar desmont\u00e1-lo e permitir que a vida volte ao seu curso natural.<\/p>\n Em S\u00e3o Paulo, o racionalismo da escola local permitiu o surgimento de algumas exce\u00e7\u00f5es. Um bom exemplo \u00e9 a Resid\u00eancia Sigrist (Eduardo de Almeida,1973-76) [8] que traz uma inventiva interven\u00e7\u00e3o na paisagem que oculta quase totalmente o volume edificado, mas demarca a presen\u00e7a do artefato humano pelo rigoroso jogo de aberturas geometricamente dispostas no plano inclinado que configura a cobertura gramada da edifica\u00e7\u00e3o. Nesta resid\u00eancia, a solu\u00e7\u00e3o do extenso plano inclinado gramado favorece a implanta\u00e7\u00e3o da resid\u00eancia em terreno em aclive sem a tradicional, e por vezes agressiva, diferencia\u00e7\u00e3o entre volume e paisagem. Para isso, o terreno inclinado, cortado em patamares escalonados para abrigar os espa\u00e7os internos habit\u00e1veis da resid\u00eancia, tem sua conforma\u00e7\u00e3o original recuperada pela inser\u00e7\u00e3o radical da laje inclinada. As aberturas vis\u00edveis no plano permitem n\u00e3o apenas a qualifica\u00e7\u00e3o ambiental dos espa\u00e7os internos \u2013 ventila\u00e7\u00e3o e ilumina\u00e7\u00e3o \u2013, mas tamb\u00e9m configuram terra\u00e7os abertos que conformam extens\u00e3o daqueles espa\u00e7os.<\/p>\n A estrat\u00e9gia utilizada por Eduardo de Almeida reaparece nos anos 80 na obra do argentino Emilio Ambasz, em uma singela academia de gin\u00e1stica do arquiteto espanhol Carlos Ferrater (1995), no projeto da Cidade da Cultura da Gal\u00edcia, em Santiago de Compostela, Espanha (Peter Eisenman, 1999) [9] e em algumas solu\u00e7\u00f5es de grande for\u00e7a mim\u00e9tica com a paisagem propostas para o Concurso do Museu Eg\u00edpcio, na cidade do Cairo (2004). Eisenman argumenta que os edif\u00edcios projetados por ele para a Cidade da Cultura da Gal\u00edcia estabelecem um novo tipo de tecido urbano na medida em que \u201cest\u00e3o literalmente encaixados no terreno para que a figura seja uma fus\u00e3o das constru\u00e7\u00f5es e da topografia\u201d [10]. Para isso, cada edif\u00edcio define volumetrias onduladas que complementam a topografia e recriam o topo da colina sobre a qual se implanta o conjunto.<\/p>\n Ainda que n\u00e3o resultando em geometrias topol\u00f3gicas, a explora\u00e7\u00e3o de varia\u00e7\u00f5es artificiais na topografia permitiu a Lucio Costa implantar a Rodovi\u00e1ria de Bras\u00edlia (1957) no cruzamento dos dois eixos, reduzindo sua import\u00e2ncia como edif\u00edcio e articulando a extensa constru\u00e7\u00e3o como complemento da infra-estrutura vi\u00e1ria da capital, mais integrado \u00e0 paisagem urbana. Essa mesma solu\u00e7\u00e3o foi adotada por Oscar Niemeyer no terrapleno da Pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes (1958), rebaixando o trecho central do gramado para permitir a implanta\u00e7\u00e3o do conjunto edificado do Congresso Nacional, que o arquiteto explica como um modo de integrar visualmente o edif\u00edcio e a pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes, dele distanciado, e especialmente como estrat\u00e9gia para acentuar a maior import\u00e2ncia hier\u00e1rquica das c\u00fapulas em rela\u00e7\u00e3o ao conjunto [11].<\/p>\n Esta rela\u00e7\u00e3o indissoci\u00e1vel entre edif\u00edcio e paisagem, que se verifica em Bras\u00edlia, \u00e9 not\u00e1vel tamb\u00e9m na Casa de Canoas (Oscar Niemeyer, 1953), em que toda a parte \u00edntima se oculta por sob uma plataforma que diferencia e qualifica os espa\u00e7os coletivos da casa, extraindo da varia\u00e7\u00e3o topogr\u00e1fica e da pr\u00e9-exist\u00eancia de uma rocha no terreno as premissas de sua ordena\u00e7\u00e3o espacial.<\/p>\n No panorama internacional, um \u00faltimo exemplo que melhor explora a cria\u00e7\u00e3o de uma nova topografia atrav\u00e9s de solu\u00e7\u00f5es construtivas complexas visando uma complementa\u00e7\u00e3o da paisagem e evitando a dicotomia entre objeto constru\u00eddo e territ\u00f3rio \u00e9 o Museu Paul Klee, em Berna, Sui\u00e7a (Renzo Piano, 1999) [12]. Renzo Piano, arquiteto cuja obra ressalta a preocupa\u00e7\u00e3o tect\u00f4nica pela busca da express\u00e3o pl\u00e1stica do edif\u00edcio atrav\u00e9s das suas articula\u00e7\u00f5es construtivas, projeta no Museu Paul Klee uma s\u00edntese entre a paisagem e a constru\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s de um rigoroso esquema de arcos em treli\u00e7as met\u00e1licas reversas que constr\u00f3i as ondula\u00e7\u00f5es artificiais e abriga tr\u00eas grandes v\u00e3os correspondentes \u00e0s tr\u00eas diferentes atividades principais da institui\u00e7\u00e3o. Segundo Piano trata-se de \u201cum museu que ser\u00e1 ele mesmo uma escultura, uma homenagem ao artista e seu trabalho. O museu se integrar\u00e1 \u00e0 topografia, tomando a forma das montanhas ao seu redor. (…) Assim, o museu adotar\u00e1 a exata forma das montanhas, integrando-se ao m\u00e1ximo ao campo de modo a n\u00e3o perturbar o sentido de beleza e de aus\u00eancia de limites evocado pelas montanhas\u201d [13]. A descri\u00e7\u00e3o do arquiteto revela a preocupa\u00e7\u00e3o em atingir dois objetivos aparentemente antag\u00f4nicos, a monumentalidade escultural que represente a institui\u00e7\u00e3o e homenageie o artista, e a preserva\u00e7\u00e3o da integridade da paisagem natural, evitando a configura\u00e7\u00e3o de um artefato edificado que se oponha \u00e0 bela topografia existente.<\/p>\n O car\u00e1ter antecipador que se verifica nos diversos exemplos apresentados da arquitetura moderna brasileira pode, por um lado, contribuir para evidenciar um aspecto de nossa produ\u00e7\u00e3o que tem exercido influ\u00eancia, direta ou indiretamente, nas vanguardas contempor\u00e2neas internacionais. Por outro lado, revela a maior complexidade com que os arquitetos brasileiros trataram a rela\u00e7\u00e3o entre edif\u00edcio e paisagem, edi\u00adf\u00edcio e espa\u00e7o urbano, solu\u00e7\u00f5es construtivas e suas repercuss\u00f5es na rela\u00e7\u00e3o entre os dom\u00ednios p\u00fablico e privado. A cria\u00e7\u00e3o de uma topografia artificial ressalta a mesma interpenetra\u00e7\u00e3o entre espa\u00e7o interno e externo, tipicamente moderna, que \u00e9 elaborada nos\u00a0 pilotis de Le Corbusier, nos planos livres de Frank Lloyd Wright e na transpar\u00eancia radical\u00a0 de Mies van der Rohe. A complexifica\u00e7\u00e3o das respostas da arquitetura brasileira revela, ainda, a importante flexibiliza\u00e7\u00e3o dos dogmas do funcionalismo e do racionalismo modernistas, para o que contribuiu a liberdade formal reclamada por Oscar Niemeyer desde a Pampulha. Esse aparente relaxamento em rela\u00e7\u00e3o ao padr\u00e3o dominante no panorama da arquitetura moderna internacional pode ser ainda creditado ao \u201camolecimento\u201d ou \u201cado\u00e7amento\u201d do rigor e dogmatismo que caracterizaram todos os momentos em que se processou um transplante cultural for\u00e7ado, tanto no neoclassicismo como no modernismo, como sugeria Lucio Costa [14]. Por \u00faltimo, esse aspecto pioneiro e inovador, anos \u00e0 frente de desdobramentos semelhantes nos pa\u00edses desenvolvidos, vem ressaltar a import\u00e2ncia do estudo cuidadoso da produ\u00e7\u00e3o da arquitetura brasileira dos anos 40 aos 70 como fundador de uma tradi\u00e7\u00e3o que re\u00fane um grande conhecimento da constru\u00e7\u00e3o associado \u00e0 liberdade pl\u00e1stica n\u00e3o comum nos c\u00edrculos racionalistas europeus e norte-americanos e que pode gerar desdobramentos locais da nossa pr\u00f3pria arquitetura, valorizando nossas especificidades e reduzindo a permanente depend\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 produ\u00e7\u00e3o internacional.<\/p>\n 1. \u00a0\u00a0\u00a0 O assunto tem sido recorrente no panorama da arquitetura contempor\u00e2nea internacional, em geral associado a configura\u00e7\u00f5es que desconsideram as especificidades e limita\u00e7\u00f5es relacionadas \u00e0 constru\u00e7\u00e3o e se mant\u00eam em um \u00e2mbito de especula\u00e7\u00e3o virtual. Foi abordado como um dos subtemas da Bienal de Veneza em 2004. Sobre isso, ver TEIXEIRA, Carlos M. \u201cSobre as G\u00f4ndolas da Corderie \u2013 9\u00aa Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza \u2013 Metamorph\u201d. Arquitextos, Textos Especiais, dezembro de 2004. In: <http:\/\/www.vitruvius.com.br\/arquitextos\/arq000\/esp272.asp><\/a>;. Acesso em 03.01.2005. carlos alberto maciel (1974)<\/strong>
\n1. A utiliza\u00e7\u00e3o de geometrias complexas para refor\u00e7ar o car\u00e1ter p\u00fablico e aberto do edif\u00edcio com maior continuidade com o espa\u00e7o urbano adjacente;
\n2. A interpreta\u00e7\u00e3o ou reinven\u00e7\u00e3o da topografia pr\u00e9-existente como fato gerador do projeto, definindo com isso constru\u00e7\u00f5es menos geom\u00e9tricas e mais topol\u00f3gicas;
\n3. A s\u00edntese \u2013 de uso, constru\u00e7\u00e3o e forma \u2013 entre edif\u00edcio e paisagem, reduzindo \u2013 e em alguns casos eliminando quase completamente \u2013 a diferencia\u00e7\u00e3o entre ambos.<\/p>\nnotas<\/h3>\n
\n2. \u00a0\u00a0\u00a0 As caracter\u00edsticas relacionadas decorrem de um esfor\u00e7o metodol\u00f3gico de diferencia\u00e7\u00e3o entre sutis estrat\u00e9gias e, naturalmente, se sobrep\u00f5em ou interpenetram. Em geral, as tr\u00eas caracter\u00edsticas apontadas t\u00eam em comum a explora\u00e7\u00e3o de geometrias complexas que se aproximam mais de conforma\u00e7\u00f5es topogr\u00e1ficas do que de disposi\u00e7\u00f5es espaciais arquitet\u00f4nicas convencionais para, em \u00faltima inst\u00e2ncia, promover ou uma qualifica\u00e7\u00e3o da inser\u00e7\u00e3o do edif\u00edcio na paisagem, ou a valoriza\u00e7\u00e3o da continuidade do espa\u00e7o urbano evitando a oposi\u00e7\u00e3o entre paisagem e objeto constru\u00eddo, ou ainda para promover articula\u00e7\u00f5es espaciais internas mais complexas que obliteram a distin\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica entre p\u00fablico e privado.
\n3. \u00a0\u00a0\u00a0 Para conhecimento detalhado do projeto, ver memorial e apresenta\u00e7\u00e3o no site dos arquitetos. <http:\/\/www.f-o-a.net\/flash\/><\/a>;. Acesso em 01.01.2005.
\n4. \u00a0\u00a0\u00a0 Integram a equipe: Fl\u00e1vio Motta, J\u00falio Katinsky, Ruy Ohtake, Jorge Caron, Marcelo Nitsche e Carmela Gross.
\n5. \u00a0\u00a0\u00a0 O arquiteto explica a origem da id\u00e9ia: \u201cAli em Osaka (…) o que me ocorreu foi que se fizesse men\u00e7\u00e3o ao significado m\u00edtico da cobertura. (…) A cobertura \u00e9 uma pe\u00e7a fundamental da arquitetura, seja ela uma c\u00fapula de Bernini, seja ela um telhadinho campon\u00eas. Assim, com a a\u00e7\u00e3o que instala uma cobertura primordial num largo territ\u00f3rio, este passa, agora, a constituir um espa\u00e7o humano, marcado e configurado pelo homem. (…) Imaginei uma cobertura primordial e excelente. Emblem\u00e1tica, digamos assim. Significativa ao extremo. Pensei no teto da nossa FAU-USP (…) feita pelo Artigas.\u201d In: PI\u00d1ON, Helio. Paulo Mendes da Rocha. S\u00e3o Paulo: Romano Guerra Editora, 2002, p.39.
\n6. \u00a0\u00a0\u00a0 Para conhecimento detalhado do projeto, ver memorial e apresenta\u00e7\u00e3o no site dos arquitetos. <http:\/\/www.mecanoo.com\/html_project.php?PKY_OBJECTOID=20&taal=EN&ILL=1><\/a>;.
\n7. \u00a0\u00a0\u00a0 O pr\u00f3prio arquiteto descreve o processo construtivo imaginado para Sainte Baume e sua estreita rela\u00e7\u00e3o com arqu\u00e9tipos de abrigo do cristianismo: \u201dUm dia fui procurado pelos dominicanos de Saite-Baume. Queriam que projetasse um conjunto compreendendo dormit\u00f3rio, capela, locais de encontro \u2013 e falavam de coisas antigas, antiq\u00fc\u00edssimas, de abrigos naturais onde a religi\u00e3o crist\u00e3 come\u00e7ou a surgir. E isso me levou a uma arquitetura t\u00e3o diferente que vale a pena lembr\u00e1-la. Primeiro, seria construir com terra os volumes desejados. Depois, cobri-los com uma laje de concreto. E, com a retirada da terra, a constru\u00e7\u00e3o estaria conclu\u00edda.\u201d NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.203.
\n8. \u00a0\u00a0\u00a0 In: XAVIER, Alberto. LEMOS, Carlos. CORONA, Eduardo. Arquitetura Moderna Paulistana. S\u00e3o Paulo: Pini, 1983, p.175.
\n9. \u00a0\u00a0\u00a0 Para conhecimento do projeto, ver apresenta\u00e7\u00e3o no site do arquiteto.<http:\/\/www.eisenmanarchitects.com><\/a>;.
\n10. \u00a0\u00a0\u00a0 \u201cLos edificios est\u00e1n literalmente encajados en el terreno\u201d, apunta, \u201cpara que la figura sea una fusi\u00f3n de las construcciones y de la topograf\u00eda\u201d. [tradu\u00e7\u00e3o do autor]. Descri\u00e7\u00e3o de Peter Eisenman sobre o projeto, apud HERMIDA, Xose. \u201cPeter Eisenman y una Ciudad de la Cultura en Espa\u00f1a\u201d. In: <http:\/\/1999.arqa.com\/informa\/eisenman.htm><\/a>;. Acesso em 01.01.2005. Em outra situa\u00e7\u00e3o, esclarece: \u201cAo inv\u00e9s de conceber o terreno como uma base contra a qual os edif\u00edcios de elevam como figuras, criamos uma situa\u00e7\u00e3o em que o ch\u00e3o se eleva para se tornar uma figura, os edif\u00edcios podem existir dentro do ch\u00e3o. \u00c9 um novo tipo de tecido urbano.\u201d (Instead of the ground\u2019s being conceived as a backdrop against which the buildings stand out as figures, we generate a condition in which the ground can rear up to become figure, the buildings can subside into ground. It is a new kind of urban fabric.) [ tradu\u00e7\u00e3o do autor]. Ver: \u201cProjects of interest\u201d. In: <http:\/\/www.archpedia.com\/Projects-Peter-Eisenman_01.html><\/a>;. Acesso em 01.01.2005.
\n11. \u201cMas a id\u00e9ia de que o Congresso deveria se integrar na pra\u00e7a me preocupava, o que explica ter mantido a cobertura desse pal\u00e1cio no n\u00edvel das avenidas, permitindo aos que se aproximassem ver, por cima dela, entre as c\u00fapulas projetadas, a Pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes da qual esta fazia parte. E com essa solu\u00e7\u00e3o as c\u00fapulas do Senado e da C\u00e2mara se fizeram mais imponentes, monumentais, exaltando a import\u00e2ncia hier\u00e1rquica que no conjunto representam\u201d. NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.179-181.
\n12. Para conhecimento detalhado do projeto, ver memorial e apresenta\u00e7\u00e3o no site do Renzo Piano Building Workshop. <http:\/\/rpbw.com><\/a>; Acesso em 03.01.2005.
\n13. A museum which will be a sculpture in itself, an homage to the artist and its work. The museum will integrate itself into the topography, taking the shape of the neighbouring hills.(…) Thus the museum will take the exact shape of the hills, while integrating with the countryside as closely as possible so that the sense of beauty and boundlessness evoked by the mountains is not disturbed. [tradu\u00e7\u00e3o do autor]. Ver descri\u00e7\u00e3o completa no site do arquiteto: <http:\/\/www.rpbw.com\/><\/a>;
\n14. Cf. COSTA, Lucio. \u201cPresen\u00e7a de Le Corbusier\u201d. In: Lucio Costa: Registro de uma viv\u00eancia. S\u00e3o Paulo: Empresa das Artes, 1995, p.146-147.<\/p>\n
\nArquiteto e Urbanista (EA-UFMG – 1997) e Mestre em Teoria e Pr\u00e1tica de Projeto (EA-UFMG – 2000),\u00a0 professor no Unicentro Izabela Hendrix, autor de diversos projetos e obras destacados em premia\u00e7\u00f5es como o 3o, 4o , 6o e 7o Pr\u00eamios Jovens Arquitetos (1997-1999-2004-2005), a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de S\u00e3o Paulo (1999), o 4o Pr\u00eamio Usiminas Arquitetura em A\u00e7o \u2013 Centro de Arte Corpo (2001), a Premia\u00e7\u00e3o do Instituto de Arquitetos do Brasil \u2013 S\u00e3o Paulo (2004), entre outros. Possui escrit\u00f3rio pr\u00f3prio desde 1996.<\/p>\n