{"id":3245,"date":"2009-09-24T00:28:37","date_gmt":"2009-09-24T03:28:37","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=3245"},"modified":"2009-09-24T00:29:09","modified_gmt":"2009-09-24T03:29:09","slug":"a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2009\/09\/24\/a-praca-da-soberania-de-um-ateu-amigo-de-deus\/","title":{"rendered":"A Pra\u00e7a da Soberania de um ateu amigo de Deus"},"content":{"rendered":"
Sobre o projeto da<\/em> <\/em><\/a>Pra\u00e7a da Soberania<\/a><\/em>, de Oscar Niemeyer.<\/em><\/p>\n Marcelo Montiel<\/p>\n <\/p>\n _<\/span><\/p>\n <\/span>N\u00e3o vejo a Pra\u00e7a da Soberania como uma trag\u00e9dia para Bras\u00edlia. Pelo contr\u00e1rio, \u00e9 um belo presente para a cidade, talvez o \u00faltimo de Niemeyer. Acredito que o princ\u00edpio da espacialidade infinita do canteiro central da esplanada cantada por Vinicius e pintada por Wagner Hermuche vai continuar.<\/p>\n Todas as grandes cidades v\u00eam sofrendo mudan\u00e7as significativas. S\u00e3o Paulo foi implodida e reconstru\u00edda 2 vezes! Em Bras\u00edlia, n\u00e3o s\u00f3 o tipo de rodovi\u00e1ria, toda a \u00e1rea central idealizada por Lucio Costa mudou. A dist\u00e2ncia no projeto original entre os minist\u00e9rios n\u00e3o passava dos 150m, na esplanada constru\u00edda tem 300 metros. O pr\u00f3prio Lucio Costa, com toda sua mod\u00e9stia, afirma ter se enganado ao imaginar um centro requintado para Bras\u00edlia: Quem tomou conta do centro foram os \u201cbrasileiros verdadeiros que constru\u00edram a cidade… Eles est\u00e3o com raz\u00e3o, eu \u00e9 que estava errado…o sonho foi menor do que a realidade…”.<\/p>\n O Congresso Nacional voltado para a Esplanada dos Minist\u00e9rios sinaliza para o regime parlamentarista. Do contr\u00e1rio, l\u00e1 deveria estar o Pal\u00e1cio do Planalto. Essa \u00e1rea da esplanada tem as caracter\u00edsticas de uma \u201cpra\u00e7a monumental\u201d. L\u00e1, \u201cnaturalmente\u201d, acontecem as maiores manifesta\u00e7\u00f5es. Niemeyer apenas seguiu o senso comum ao propor uma \u201cpra\u00e7a\u201d no in\u00edcio do canteiro central. A proximidade da pra\u00e7a com a rodovi\u00e1ria \u00e9 significativa, \u00e9 l\u00e1 que os \u201cverdadeiros brasileiros\u201d est\u00e3o. Sua proposta valoriza a imagem universal da Esplanada, ao fundo. A pregn\u00e2ncia dessa imagem ser\u00e1 refor\u00e7ada justamente pela localiza\u00e7\u00e3o da pra\u00e7a. A vista da pra\u00e7a \u00e9 mais privilegiada do que da rodovi\u00e1ria, de onde n\u00e3o se v\u00ea mais nada, apenas \u00f4nibus. A melhor vista, da rodovi\u00e1ria, \u00e9 na plataforma onde todos passam \u00e0s pressas, de autom\u00f3vel. A vista mais emblem\u00e1tica (da Torre de TV) ainda n\u00e3o foi explorada com o \u201cobelisco\u201d.<\/p>\n Niemeyer pode interferir no canteiro central, a um 1 km da Esplanada Monumental? At\u00e9 hoje n\u00e3o sabemos se Oscar e Lucio se encontraram antes da entrega do projeto vencedor para a nova capital. O esbo\u00e7o de Lucio Costa para o Congresso j\u00e1 era o congresso projetado por Niemeyer! Sabemos que Oscar recusou o convite de JK para projetar a cidade inteira, preferiu um concurso, os projetos principais e o poder de decis\u00e3o. O brilhante projeto do Plano Piloto da Nova capital n\u00e3o foi escolhido transparentemente, tanto \u00e9 que o representante do IAB pediu demiss\u00e3o da comiss\u00e3o.<\/p>\n A Pra\u00e7a da Soberania nasce da necessidade soberana de um estacionamento para as \u00e1reas centrais. Niemeyer n\u00e3o projeta uma pra\u00e7a funcional, mas conceitual. A cr\u00edtica \u00e0s \u201cformas gratuitas\u201d parece patrulha funcionalista. Se arquitetura \u00e9 arte, a discuss\u00e3o final \u00e9 est\u00e9tica e a forma (soberana) estar\u00e1 \u00e0 frente da fun\u00e7\u00e3o. A obra quando esteticamente qualificada sobrevive ao tempo, mesmo com trope\u00e7os funcionais (\u00e9 o caso da bel\u00edssima Catedral de Bras\u00edlia, e seu desconforto t\u00e9rmico). Cabe \u00e0 cr\u00edtica contextualizar a obra, sabendo que n\u00e3o se trata de uma pra\u00e7a tradicional, definidas pelas edifica\u00e7\u00f5es que a cercam. \u00c9 uma pra\u00e7a seca, n\u00e3o \u00e9 irrigada de sangue e pedra. \u00c9 mais uma pra\u00e7a formal \u201ccimentada\u201d (an\u00eamica), t\u00edpica da cria\u00e7\u00e3o modernista (que repele a natureza), e, sobretudo, de Bras\u00edlia, voltada mais para a introspec\u00e7\u00e3o do que para a socializa\u00e7\u00e3o (urbanidade) do dia-a-dia, para a dimens\u00e3o simb\u00f3lica nacional do que local.<\/p>\n A Pra\u00e7a da Soberania (influ\u00eancia cubana?) abriga<\/em> o Memorial da Rep\u00fablica e o Museu do Progresso, de base triangular. O elemento escult\u00f3rico inclinado causar\u00e1 espanto pela dimens\u00e3o, pelo car\u00e1ter f\u00e1lico e pelo irracionalismo (do qual sou favor\u00e1vel); enfim, pela for\u00e7a de express\u00e3o. Vai eletrizar a Esplanada Monumental. Vale lembrar que essas formas dialogam com o lema de Bras\u00edlia \u201cVenturis Ventis\u201d.<\/p>\n Nos anos 1990 Moacyr G\u00f3es montou a eletrizante pe\u00e7a \u201cEscola de Buf\u00f5es\u201d, do belga Michel de Ghelderode. Destacava-se no cen\u00e1rio o enorme mastro inclinado da proa de uma embarca\u00e7\u00e3o (gurup\u00e9s), que amea\u00e7adoramente avan\u00e7ava sobre a plat\u00e9ia. Esteticamente Niemeyer, com seu \u201cunic\u00f3rnio\u201d, est\u00e1 mais para esse desconcertante cen\u00e1rio (de H\u00e9lio Eichbauer) do que para a tradi\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica e solene, de um obelisco. Esse elemento, o \u201cunic\u00f3rnio\u201d, n\u00e3o bloqueia a vista da esplanada, s\u00f3 pontualmente. O novo projeto n\u00e3o adultera o conjunto da Esplanada e do Congresso Nacional (locado assimetricamente a 1,6 Km). Interfere positivamente. O equil\u00edbrio entre os aspectos universais e particulares do \u201cprojeto original\u201d ser\u00e3o valorizados. Niemeyer n\u00e3o est\u00e1 ocupando todo o gramado da esplanada, como afirmaram. A rigor ele n\u00e3o est\u00e1 na Esplanada dos Minist\u00e9rios, est\u00e1 no canteiro central junto \u00e0 Rodovi\u00e1ria.<\/p>\n As formas da natureza nos projetos de Niemeyer revelam a forte presen\u00e7a do mundo antigo (normativo). Da\u00ed a sempiterna proximidade de Niemeyer com o poder, como diria o professor Theobaldo da nossa pequena escola de arquitetura e urbanismo. Como um ateu amigo de Deus, Niemeyer transita entre a c\u00f3pia deliberada das \u201cformas naturais\u201d (com objetividade), e a inven\u00e7\u00e3o sutil da modernidade (mais subjetiva e particular).<\/p>\n Quanto ao Memorial dos Presidentes, que presidentes? Um, dois, dois e meio; prefiro Oito e Meio de Fellini. Melhor fundir o Memorial com o Museu do Progresso, afinal nossa rep\u00fablica \u00e9 pretensamente positivista. Caberia at\u00e9 considerar o Memorial Auguste Glaziou, nosso profeta desconhecido que em 1895 indicou com precis\u00e3o o local da futura capital, al\u00e9m de \u201cinventar\u201d o Lago.<\/p>\n Schiller, o fil\u00f3sofo alem\u00e3o da educa\u00e7\u00e3o art\u00edstica, nos diz que \u00e9 a vontade, e n\u00e3o a raz\u00e3o, que define o ser humano. Niemeyer tem a vontade de propor novos projetos para a \u00e1rea tombada. Ele \u00e9 o cara! Ele n\u00e3o \u00e9 VIP, \u00e9 um monstro sagrado. Esse poder, j\u00e1 que n\u00e3o \u00e9 meu, \u00e9 prefer\u00edvel com ele. Para Fela Kuti, um m\u00fasico genial da Nig\u00e9ria, VIP \u00e9 \u201cVagabond in Power\u201d, e Bras\u00edlia j\u00e1 tem muitos VIPs. O conceito est\u00e9tico em Niemeyer, com refer\u00eancia em Schiller, pressup\u00f5e um estado de liberdade para toda a sociedade, onde o homem simples e o melhor preparado s\u00e3o cidad\u00e3os com os mesmos direitos.<\/p>\n Enfim, a grande discuss\u00e3o que interessa: Determinados espa\u00e7os de Bras\u00edlia merecem melhor aten\u00e7\u00e3o e provid\u00eancias imediatas. Ser\u00e1 que os arquitetos urbanistas e a sociedade est\u00e3o preparados para esse debate? Ou \u00e9 melhor chamar o Minist\u00e9rio P\u00fablico? O espa\u00e7o brasiliense pode ser revisto, sobretudo, se o tombamento n\u00e3o vestir a cidade com uma camisa-de-for\u00e7a.<\/p>\n O arquiteto Gladson da Rocha, de viva lembran\u00e7a, sempre dizia que Bras\u00edlia era uma nova acr\u00f3pole, dado o n\u00famero de obras primas arquitet\u00f4nicas, al\u00e9m da beleza da cidade. Pela genialidade de sua obra, Niemeyer tem o direito de propor, mesmo agora quando sua criatividade \u00e9 questionada. Hoje Niemeyer \u00e9 criticado quando simplifica ou quando complexifica<\/em>; ou at\u00e9, como disse o Briquet que lemos, de autopl\u00e1gio.<\/p>\n Nos \u00faltimos anos a grande Bras\u00edlia tem a cara da especula\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria formal com o Sudoeste e, sobretudo, com \u00c1guas \u201cTurvas\u201d (\u201co paliteiro\u201d, segundo Paviani). A especula\u00e7\u00e3o informal (cancer\u00edgena) nos condom\u00ednios ainda sobrevive. Gra\u00e7as \u00e0 vontade de Oscar Niemeyer e de alguns poucos arquitetos temos minimizado esse quadro, sobretudo no Plano Piloto. A prop\u00f3sito, porque n\u00e3o fechamos um acordo (id\u00f4neo) com a UnB para tornar a futura SQN 207 um projeto de arquitetos, des\u00edgnio de Bras\u00edlia, e n\u00e3o da especula\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria? Bras\u00edlia n\u00e3o est\u00e1 engessada, mesmo sendo merecidamente Patrim\u00f4nio Moderno\/P\u00f3s-Moderno Cultural da Humanidade.<\/p>\n \n
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