{"id":330,"date":"2006-02-28T17:06:55","date_gmt":"2006-02-28T19:06:55","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=330"},"modified":"2009-02-04T05:41:49","modified_gmt":"2009-02-04T07:41:49","slug":"assim-caminha-a-modernidade%e2%80%a6","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2006\/02\/28\/assim-caminha-a-modernidade%e2%80%a6\/","title":{"rendered":"Assim caminha a modernidade\u2026"},"content":{"rendered":"

\"mdc<\/a><\/p>\n

Denise Marques Bahia<\/p>\n

[Ler o artigo em PDF]<\/strong><\/a><\/p>\n

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Criemos e manifestemos a arte dos tempos presentes. Ressurrei\u00e7\u00f5es? Jamais!
\n(Le Corbusier, em 1936, a bordo do Zeppelin, a caminho do Brasil)<\/p><\/blockquote>\n

moderno, modernismo, modernista e modernidade<\/h4>\n

A an\u00e1lise da signific\u00e2ncia da arquitetura moderna na contemporaneidade, de sua perman\u00eancia ou supera\u00e7\u00e3o, requer uma elucida\u00e7\u00e3o acerca dos termos modernidade, moderno, modernismo, modernista.<\/p>\n

Por modernidade, entende-se um processo, ainda em curso, que teve in\u00edcio com a renova\u00e7\u00e3o cient\u00edfica do s\u00e9culo XVII e a decorrente mudan\u00e7a na vis\u00e3o de mundo e nas formas de sua express\u00e3o pelo homem nas artes, na arquitetura, na cultura. A explica\u00e7\u00e3o teoc\u00eantrica do universo d\u00e1 lugar \u00e0 subjetividade, \u00e0 compreens\u00e3o racionalizada, ao cogito <\/em>cartesiano. Consolida-se a cren\u00e7a na racionalidade emancipadora, na instrumentaliza\u00e7\u00e3o da t\u00e9cnica para dom\u00ednio da natureza. Ao mundo fechado medieval, abre-se o universo infinito da ci\u00eancia moderna. Arte, ci\u00eancia, religi\u00e3o, pol\u00edtica definem-se em esferas distintas.<\/p>\n

Como um desdobramento desse processo surge o Modernismo, no come\u00e7o do s\u00e9culo XX, como um movimento est\u00e9tico e cultural que, na experi\u00eancia brasileira, assumiu caracter\u00edsticas pr\u00f3prias, somando os conceitos e pr\u00e1ticas das vanguardas art\u00edsticas europ\u00e9ias \u00e0s buscas de reafirma\u00e7\u00e3o da identidade nacional, atrav\u00e9s da valoriza\u00e7\u00e3o do legado colonial barroco e das artes ditas populares. Este movimento, chamado Movimento Moderno, no caso da arquitetura brasileira, inscreve-se historicamente no per\u00edodo de 1928 a 1960. A historiografia trata dessa arquitetura como arquitetura moderna. Para Lucio Costa [1] \u00e9 fundamental a distin\u00e7\u00e3o entre moderno e modernista. No primeiro caso tem-se uma arquitetura consistente, fruto de um processo enquanto que modernista designa obras aleg\u00f3ricas, equivocadas, pastiches.\u00a0 O termo moderno pode referir-se tanto a manifesta\u00e7\u00f5es desse movimento espec\u00edfico \u2013 como utilizaremos neste texto – ou, no senso comum, quanto a qualquer objeto ou fato novo, diverso do conhecido, o que pressup\u00f5e uma rela\u00e7\u00e3o temporal, uma experi\u00eancia anterior. Apontar algo como moderno pode significar uma singulariza\u00e7\u00e3o do objeto, mas n\u00e3o sua defini\u00e7\u00e3o precisa [2], na linguagem coloquial.<\/p>\n

Al\u00e9m da necessidade de se elucidar o correto sentido dos termos, cabe ressaltar que o Modernismo, ou o moderno, n\u00e3o pode ser considerado um movimento un\u00edvoco mas plural, abrangendo diversas express\u00f5es e linguagens diferenciadas, ligadas a quest\u00f5es culturais e caracter\u00edsticas individuais de seus atores. Sob a mesma designa\u00e7\u00e3o – \u201cmoderna\u201d – encontram-se obras bastante distintas, mas com um denominador comum.<\/p>\n

Na contemporaneidade, o Modernismo vem se consolidando como patrim\u00f4nio hist\u00f3rico e cultural e ressurge como n\u00edtida refer\u00eancia nos conceitos e pr\u00e1ticas da produ\u00e7\u00e3o arquitet\u00f4nica recente.<\/p>\n

Nesta perspectiva, \u00e9 necess\u00e1rio e urgente a revis\u00e3o cr\u00edtica de suas proposi\u00e7\u00f5es, das fraturas no seu projeto ut\u00f3pico de transforma\u00e7\u00e3o social, da sua import\u00e2ncia na cultura brasileira e o exame de sua perman\u00eancia.<\/p>\n

a arquitetura moderna no brasil: a express\u00e3o de um projeto de na\u00e7\u00e3o, do desejo de progresso<\/h4>\n

O Modernismo no Brasil surge na d\u00e9cada de 20 a partir de um movimento pendular entre o desejo de internacionaliza\u00e7\u00e3o, de conson\u00e2ncia com as pesquisas e discuss\u00f5es est\u00e9ticas mundiais e a necessidade de reafirmar a identidade nacional, de redescobrir os valores e tradi\u00e7\u00f5es aut\u00f3ctones, para enraizar e legitimar as novas proposi\u00e7\u00f5es, as novas formas de express\u00e3o. O advento da industrializa\u00e7\u00e3o e a forma\u00e7\u00e3o de uma sociedade cada vez mais urbana transforma a paisagem natural, como bem retratam os quadros de Tarsila. A met\u00e1fora da antropofagia exprime o processo de redescobrimento do pa\u00eds, do reconhecimento de suas origens culturais e exalta a inventividade de um povo que n\u00e3o quer se fechar para as influ\u00eancias externas num nacionalismo est\u00fapido, mas que \u00e9 capaz de se beneficiar com novas experi\u00eancias, sem preju\u00edzo de sua identidade.<\/p>\n

Durante a Segunda Guerra Mundial, com o Estado Novo, o nacionalismo de Vargas e a pol\u00edtica norte-americana da \u201cboa vizinhan\u00e7a\u201d surge a inven\u00e7\u00e3o de um Brasil expressa num imagin\u00e1rio popular de grande difus\u00e3o no exterior. \u00c9 o per\u00edodo do samba-exalta\u00e7\u00e3o de Ary Barroso. E d\u00e1-lhe Carmen Miranda, Walt Disney, Z\u00e9 Carioca exaltando o \u201cBrasil brasileiro\u201d, \u201co coqueiro que d\u00e1 coco\u201d, compondo uma iconografia de uma aquarela hist\u00f3rica. No Estado Novo, o samba de Ary; no governo JK, a bossa-nova \u00e9 a trilha sonora que ganha an\u00e1loga repercuss\u00e3o internacional na constru\u00e7\u00e3o da imagem de um pa\u00eds moderno, expressa na obra de Oscar Niemeyer.<\/p>\n

Na arquitetura, o Modernismo surge ent\u00e3o como linguagem, como um sistema de signos, mas tamb\u00e9m como express\u00e3o de um projeto pol\u00edtico desenvolvimentista que culmina com a constru\u00e7\u00e3o de Bras\u00edlia. Neste contexto ideol\u00f3gico a monumentalidade ganha destaque. No in\u00edcio da d\u00e9cada de 40, por iniciativa de Juscelino Kubitschek \u00e9 criado o Complexo Arquitet\u00f4nico da Pampulha, propiciando\u00a0 a grande oportunidade para que Oscar Niemeyer realizasse um conjunto de obras inovadoras, de grande repercuss\u00e3o internacional, explorando as possibilidades t\u00e9cnicas e pl\u00e1sticas do concreto armado:<\/p>\n

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se o pr\u00e9dio do Minist\u00e9rio projetado por Le Corbusier constituiu a base do movimento moderno no Brasil, \u00e9 \u00e0 Pampulha \u2013 permitam-me diz\u00ea-lo \u2013 que devemos o in\u00edcio da nossa arquitetura, voltada para a forma livre e criadora que at\u00e9 hoje a caracteriza. [3]<\/p>\n<\/blockquote>\n

Em 1943, \u00e9 realizada a exposi\u00e7\u00e3o e publicado o livro Brazil Builds<\/em> em Nova Iorque, um marco na difus\u00e3o da arquitetura moderna brasileira e na consagra\u00e7\u00e3o de Niemeyer como maior representante, expoente m\u00e1ximo da arquitetura moderna brasileira no cen\u00e1rio mundial.<\/p>\n

Nas d\u00e9cadas de 40 e 50, destacam-se as obras de Affonso Eduardo Reidy, Irm\u00e3os Roberto, S\u00e9rgio Bernardes, Oswaldo Bratke, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, Eduardo Mendes Guimar\u00e3es, entre outros. O Modernismo se consolida em diversas regi\u00f5es do pa\u00eds, passando a se manifestar n\u00e3o somente em monumentais obras institucionais, p\u00fablicas, mas tamb\u00e9m na arquitetura residencial e em obras de pequena escala. O movimento que se iniciou nas elites, com patroc\u00ednio colossal do Estado nas obras p\u00fablicas, foi sendo assimilado e passou a simbolizar o desejo de ser moderno, de status, de pertencimento e inclus\u00e3o social no projeto desenvolvimentista, de modo a ser referenciado nas mais singelas regi\u00f5es, distantes dos eixos do poder central, na arquitetura vernacular, informal.<\/p>\n

No Brasil, como aponta Lucio Costa, ao contr\u00e1rio de ou\u00adtros pa\u00edses, n\u00e3o houve antagonismo entre tradi\u00e7\u00e3o e moder\u00adnidade e este aspecto talvez seja o que acabou por definir a singularidade da arquitetura brasileira frente ao movimento internacional, al\u00e9m das condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas.<\/p>\n

o modernismo na contemporaneidade: ainda modernos?<\/h4>\n

Esta quest\u00e3o vem ganhando relev\u00e2ncia nos debates contempor\u00e2neos sobre cultura e na cr\u00edtica das artes e da arquitetura. Em 2005, deu origem a uma exposi\u00e7\u00e3o realizada em Paris, intitulada Encore moderne? Architecture br\u00e9silienne 1928-2005<\/em> e a uma publica\u00e7\u00e3o de autoria de Lauro Cavalcanti [4] . A exposi\u00e7\u00e3o e o livro abordam a arquitetura brasileira produzida no per\u00edodo considerado \u201cher\u00f3ico\u201d \u2013 d\u00e9cadas de 1930 a 1960 –\u00a0 e obras e projetos recentes, contempor\u00e2neos. Buscou-se, como explica Cavalcanti, identificar a rela\u00e7\u00e3o entre a nova gera\u00e7\u00e3o de arquitetos com o legado dos mestres da arquitetura moderna nacional.<\/p>\n

O crescente interesse pelo moderno, bem como a diversidade de suas manifesta\u00e7\u00f5es nos quatro cantos do mundo, pode ser verificado tamb\u00e9m nos semin\u00e1rios e publica\u00e7\u00f5es do DOCOMOMO [5]. \u00c9 impressionante a quantidade de pesquisas, invent\u00e1rios, trabalhos acad\u00eamicos e a\u00e7\u00f5es de preserva\u00e7\u00e3o de bens modernos em diferentes culturas.<\/p>\n

A arquitetura moderna como objeto de preserva\u00e7\u00e3o revela o paradoxo de um movimento que buscava ser a express\u00e3o material de seu tempo, apontando sempre para o futuro, apostando nas novas possibilidades trazidas pelas inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas, inserido num projeto de moderniza\u00e7\u00e3o e progresso, e que agora se consolida como patrim\u00f4nio hist\u00f3rico e cultural. O que era moderno \u00e9 agora hist\u00f3ria, passado continuamente reatualizado e reinterpretado na vida cotidiana das cidades.<\/p>\n

Mas qual \u00e9 exatamente o legado do modernismo para a cultura brasileira e como se d\u00e1 a sua perman\u00eancia ou influ\u00eancia verificada em projetos e obras recentes? \u00c9 not\u00e1vel a perman\u00eancia do moderno na produ\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea da arquitetura, como podemos verificar nas diversas publi\u00adca\u00e7\u00f5es e exposi\u00e7\u00f5es de trabalhos de jovens arquitetos. Refiro-me a uma produ\u00e7\u00e3o que pode ser interpretada como uma releitura do modernismo, n\u00e3o mais quanto \u00e0 proposta ut\u00f3pica globalizante de transforma\u00e7\u00e3o social, nem tampouco como mera manipula\u00e7\u00e3o do conhecido vocabul\u00e1rio formal corbusiano, ou como pastiches afetados e ef\u00eameros que atendem aos modismos do mercado de consumo. N\u00e3o se trata tamb\u00e9m de um retorno nost\u00e1lgico, saudosista e anacr\u00f4nico: afinal, \u201cchega de saudade\u201d depois de Bras\u00edlia, da bossa-nova e do p\u00f3s-modernismo. O que ocorre nesses casos \u00e9 o que Lauro Cavalcanti bem define como um \u201cmodernismo em movimento, mais dial\u00e9tico e conciliador(\u2026). Uma arquitetura m\u00faltipla e plural praticada por profissionais que, sem reverenciar um tempo j\u00e1 passado, sabem nele encontrar riquezas e n\u00e3o fardos.<\/em>\u201d<\/p>\n

Cabe investigar, como prop\u00f5e este evento \u201cmdc\u201d, quais s\u00e3o as caracter\u00edsticas essenciais comuns entre essas obras, denotativas dessa releitura, e quais os indicativos dos novos rumos apontados para a arquitetura moderna e para a modernidade em seu sentido mais amplo. A tarefa que se coloca nesta discuss\u00e3o \u00e9 identificar qual o denominador comum, quais as interse\u00e7\u00f5es entre essas arquiteturas contempor\u00e2neas al\u00e9m da linguagem, do repert\u00f3rio formal.<\/p>\n

Como exemplos dessa manifesta\u00e7\u00e3o, desta\u00adcam-se os trabalhos do grupo de arquitetos Alexandre Brasil, Andr\u00e9 Luiz Prado, Bruno Santa Cec\u00edlia, Carlos Alberto Maciel, Danilo Matoso Macedo, Fernando Maculan, Humberto Hermeto, Pedro Morais que comp\u00f5em a exposi\u00e7\u00e3o \u201cDi\u00e1logos\u201d, a qual tive oportunidade de visitar na Casa do Baile, em Belo Horizonte, ent\u00e3o intitu\u00adlada 8 Arquitetos. 54 Projetos, em abril de 2004 \u2013 ver projetos publicados neste e nos demais n\u00fameros da MDC. Podemos destacar v\u00e1rias obras contempor\u00e2neas tamb\u00e9m representativas deste \u201cmodernismo em movimento\u201d, como por exemplo: a Casa em Aldeia da Serra (2002), SP, de autoria de MMBB Arquitetos (\u00c2ngelo Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga), que revela uma n\u00edtida influ\u00eancia da arquitetura de Paulo Mendes da Rocha, \u00e9 um volume unit\u00e1rio de concreto e vidro, composto de duas lajes sobre pilotis definindo tr\u00eas n\u00edveis que se articulam ao terreno inclinado por passarelas; a Resid\u00eancia Rio Bonito (2003) de Carla Jua\u00e7aba, localizada em Nova Friburgo, RJ, que apresenta a concep\u00e7\u00e3o estrutural – muros de pedra que servem de apoio a quatro vigas met\u00e1licas de 12m de comprimento – evidenciada na forma pura valorizada pelos materiais \u2013 ver MDC 1<\/a>; o Estacionamento de ve\u00edculos E Box (2003), em Porto Alegre, do Studio Paralelo (Luciano Andrade, Gabriel Gallina e Rochelle Castro) \u2013 obra singela que apresenta not\u00e1vel solu\u00e7\u00e3o pl\u00e1stica definida pela integra\u00e7\u00e3o de um volume principal composto de blocos de concreto aparentes e vidro com um \u201ccont\u00eainer\u201d suspenso que abriga o escrit\u00f3rio administrativo. Al\u00e9m dessas, v\u00e1rias outras obras poderiam ser assim identificadas na produ\u00e7\u00e3o atual bem mapeada nas recentes colet\u00e2neas elaboradas por Roberto Segre: \u201cArquitetura Contempor\u00e2nea Brasileira\u201d e \u201cJovens Arquitetos-Brasil\u201d (Editora Viana & Mosley, 2004). Mas deixo ao leitor este desafio, este jogo cr\u00edtico de identificar afinidades, caracter\u00edsticas modernas eletivas.<\/p>\n

Essas arquiteturas t\u00eam em comum a unidade entre linguagem estrutural e arquitet\u00f4nica; a experimenta\u00e7\u00e3o de novas possibilidades t\u00e9cnicas; a clareza formal; a potencializa\u00e7\u00e3o da expressividade dos materiais; a linguagem a um s\u00f3 tempo moderna e contempor\u00e2nea. Al\u00e9m desses aspectos, essas arquiteturas expressam uma postura bem moderna em sua concep\u00e7\u00e3o: buscar no \u201cpassado v\u00e1lido\u201d, como costumava dizer Lucio Costa, as bases para fundar um novo processo investigativo. Os arquitetos modernos recorreram ao legado colonial barroco para reconhecer a identidade nacional, para conciliar tradi\u00e7\u00e3o e inova\u00e7\u00e3o, para ancorar as novas proposi\u00e7\u00f5es pol\u00edticas, sociais, est\u00e9ticas, cultu\u00adrais e os arquitetos contempor\u00e2neos recorrem analogamente ao legado moderno! Seria um sinal de continuidade do modernismo?<\/p>\n

o futuro do moderno e o curso da modernidade<\/h4>\n

Quando o cr\u00edtico de arte M\u00e1rio Pedrosa afirmou que o Brasil era um pa\u00eds \u201ccondenado ao moderno\u201d, no final da d\u00e9cada de 50, analisando a constru\u00e7\u00e3o de Bras\u00edlia, estava alertando para o fato de existir um projeto pol\u00edtico autorit\u00e1rio de uma moderniza\u00e7\u00e3o aparente e impositiva criada artificialmente. Nos relatos dos trabalhos\u00a0 desenvolvidos no II Congresso Nacional de Cr\u00edticos de Arte<\/em>, realizado em S\u00e3o Paulo, em 1961, Pedrosa declara:<\/p>\n

\n

O Brasil \u00e9, essencialmente, um pa\u00eds condenado ao moderno. O Brasil, j\u00e1 tenho dito v\u00e1rias vezes, \u00e9 um dos raros pa\u00edses do mundo com uma certid\u00e3o de batismo; a partir de certa data, de um certo ano de um certo s\u00e9culo, o Brasil passou a existir e antes n\u00e3o existia. N\u00f3s sabemos disso. E da\u00ed come\u00e7ou a ser constru\u00eddo de cima para baixo. (\u2026) Bras\u00edlia s\u00f3 se explica tamb\u00e9m porque \u00e9 um pa\u00eds que se constr\u00f3i de cima para baixo. [6]<\/p>\n<\/blockquote>\n

Houve a\u00ed a den\u00fancia de um descompasso entre o progresso prometido e as reais condi\u00e7\u00f5es objetivas e definitivas para alcan\u00e7\u00e1-lo de modo irrestrito e democr\u00e1tico. \u00c9 como se a arquitetura moderna, formulada segundo modelos europeus, viesse do futuro long\u00ednquo e pousasse no meio do nada, ou ignorando qualquer cultura existente. Ocorreria, ent\u00e3o, nesta perspectiva, uma moderniza\u00e7\u00e3o sem modernidade, desenraizada. Hoje, passados mais de 45 anos da constru\u00e7\u00e3o da capital do pa\u00eds, o moderno j\u00e1 se consolidou como tradi\u00e7\u00e3o, nas artes, na arquitetura, na cultura e os megaprojetos urban\u00edsticos impostos e bancados pelo Estado n\u00e3o se aplicam mais.<\/p>\n

A fal\u00eancia do projeto moderno no Brasil, quanto aos seus prop\u00f3sitos sociais totalizantes \u00e9 hoje inquestion\u00e1vel, fato consumado e n\u00e3o cabe aqui discuti-la. No entanto, vale rever os conceitos fundamentais do movimento, para entendermos, numa perspectiva contempor\u00e2nea, sua import\u00e2ncia hist\u00f3rica, cultural e entendermos porqu\u00ea e como se manifestam nas obras recentes.<\/p>\n

Hoje, com a complexifica\u00e7\u00e3o da sociedade, com o agravamento dos efeitos perversos do subdesenvolvimento, com a consci\u00eancia de que a identidade brasileira \u00e9 m\u00faltipla e que a nossa cultura \u00e9 plural,\u00a0 o que fazer no \u201cpa\u00eds do futuro\u201d para retomar a moderniza\u00e7\u00e3o perdida e seguir conciliando inova\u00e7\u00e3o e tradi\u00e7\u00e3o? O retorno ao moderno, agora com o devido distanciamento hist\u00f3rico, temporal e uma vis\u00e3o cr\u00edtica menos apaixonada, sugere que h\u00e1 uma necessidade de recuperar a dimens\u00e3o \u00e9tica da arquitetura.<\/p>\n

Para que a modernidade n\u00e3o seja uma condena\u00e7\u00e3o e se efetive, para que a arquitetura n\u00e3o se restrinja ao problema da forma e n\u00e3o se omita quanto \u00e0s suas responsabilidades num mundo t\u00e3o complexo, contradit\u00f3rio e cheio de desigualdades, sejamos, sim, ainda modernos, no sentido de operar as seguintes proposi\u00e7\u00f5es, tipicamente modernas:<\/p>\n

\u2022 exercer a voca\u00e7\u00e3o humanista da arquitetura;
\n\u2022 manter uma abertura constante para a experimenta\u00e7\u00e3o;
\n\u2022 considerar sempre a quest\u00e3o da alteridade na concep\u00e7\u00e3o e produ\u00e7\u00e3o da arquitetura;
\n\u2022 realizar uma pesquisa continuada de novas t\u00e9cnicas construtivas;
\n\u2022 conceber a arquitetura como express\u00e3o material de seu tempo;
\n\u2022 manter o equil\u00edbrio fundamental entre a responsabilidade social, coletiva e o trabalho individual, autoral de cria\u00e7\u00e3o art\u00edstica;
\n\u2022 manter a postura \u201cantropof\u00e1gica\u201d;
\ntrabalhar o equil\u00edbrio entre o ambiente natural e o constru\u00eddo;
\n\u2022 trabalhar coerentemente o sistema construtivo e a\u00a0 linguagem formal, utilizando da melhor maneira os recursos dispon\u00edveis;
\n\u2022 manter uma consci\u00eancia cr\u00edtica e avaliativa constante do moderno.<\/p>\n

Esses me parecem ser os elementos essenciais que constituem o m\u00ednimo denominador comum compartilhado por um consider\u00e1vel n\u00famero de projetos e obras na arquitetura contempor\u00e2nea. Ent\u00e3o estes seriam os ingredientes da receita para continuar moderno, certo? Errado. Estes s\u00e3o os fios que, entrela\u00e7ados, comp\u00f5em tramas mut\u00e1veis, \u201cparangol\u00e9s\u201d arquitet\u00f4nicos que assumem diferentes formas e configura\u00e7\u00f5es, principalmente a partir do movimento dos sujeitos que os incorporam.<\/p>\n

Talvez o resgate dessas proposi\u00e7\u00f5es possa nos colocar no rumo certo das trilhas da modernidade e promover uma equilibrada concilia\u00e7\u00e3o dos tempos \u2013 passado, presente e futuro.<\/p>\n

notas<\/h3>\n

1. Costa, Lucio. Registro de uma viv\u00eancia. S\u00e3o Paulo, Empresa das artes, 1995.
\n2. Sobre este tema ver Coelho Neto, Jos\u00e9 Teixeira. Moderno P\u00f3s Moderno \u2013 modos e vers\u00f5es. S\u00e3o Paulo, Iluminuras, 2001.
\n3. Xavier, Alberto (org.). Arquitetura moderna brasileira \u2013 depoimento de uma gera\u00e7\u00e3o. S\u00e3o Paulo, Pini; Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Ensino de Arquitetura; Funda\u00e7\u00e3o Vilanova Artigas, 1987.
\n4. Cavalcanti, Lauro e Correa do Lago, Andr\u00e9. Ainda moderno? Arquitetura brasileira contempor\u00e2nea.http\/\/www.vitruvius.com.br\/arquitextos\/arq066.
\n5. Docomomo \u2013 Documentation and Conservation of Buildings, Sites and Neighbourhoods of Modern Movement.
\n6. Arte em Revista, ano 2.n.4, S\u00e3o Paulo, Centro de Estudos de Arte Contempor\u00e2nea, mar\u00e7o de 1983, p.85.<\/p>\n

denise marques bahia (1964)<\/strong>
\nFormada em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1989); Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1999); Especializa\u00e7\u00e3o curso multidisciplinar \u201cAs escolhas e as conting\u00eancias: a produ\u00e7\u00e3o da vida e das id\u00e9ias na modernidade\u201d \u2013 PREPES, PUCMinas (1993); Professora do Depto. de Arquitetura e Urbanismo da PucMinas desde 1994; Professora do Depto. de Projeto Arquitet\u00f4nico da Escola de Arquitetura da UFMG (1999-2000); Professora do curso de Especializa\u00e7\u00e3o em Arquitetura Contempor\u00e2nea (2000, 2001), Design de Mobili\u00e1rio (2004) e Arquitetura de Interiores (2002 a 2005) do Instituto de Educa\u00e7\u00e3o Continuada IEC-PucMinas.<\/p>\n

contato:<\/strong> dmbahia@uol.com.br, dmbahia@pucminas.br<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Denise Marques Bahia [Ler o artigo em PDF]<\/p>\n","protected":false},"author":6206942,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_coblocks_attr":"","_coblocks_dimensions":"","_coblocks_responsive_height":"","_coblocks_accordion_ie_support":"","advanced_seo_description":"","jetpack_seo_html_title":"","jetpack_seo_noindex":false,"jetpack_post_was_ever_published":false,"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_publicize_feature_enabled":true,"jetpack_social_post_already_shared":false,"jetpack_social_options":{"image_generator_settings":{"template":"highway","enabled":false},"version":2}},"categories":[15080112,16350799,15079651],"tags":[1271633,5495449,15044424],"class_list":["post-330","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-denise-marques-bahia","category-ensaio-e-pesquisa","category-mdc-002","tag-arquitetura-moderna","tag-historia-da-arquitetura","tag-teoria-da-arquitetura"],"jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_likes_enabled":true,"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/plwdR-5k","jetpack-related-posts":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/330","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/6206942"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=330"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/330\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":1099,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/330\/revisions\/1099"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=330"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=330"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=330"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}