{"id":3846,"date":"2010-12-07T23:22:24","date_gmt":"2010-12-08T02:22:24","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=3846"},"modified":"2023-10-05T23:28:33","modified_gmt":"2023-10-06T02:28:33","slug":"fundacao-ibere-camargo-porto-alegre-rs","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2010\/12\/07\/fundacao-ibere-camargo-porto-alegre-rs\/","title":{"rendered":"Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo – Porto Alegre – RS"},"content":{"rendered":"
\u00c1lvaro Siza Vieira<\/p>\n
Texto de Fl\u00e1vio Kiefer<\/span><\/p>\n<\/div>\n <\/a><\/p>\n [1]<\/span><\/span><\/span><\/a><\/p>\n O maior prazer que se tem de olhar para tr\u00e1s e escrever uma hist\u00f3ria n\u00e3o vem da hist\u00f3ria propriamente dita. Esse \u00e9 o ganho pr\u00e1tico. O melhor de tudo \u00e9 perceber a rede de possibilidades que se sucederam; \u00e9 apreciar a for\u00e7a das personagens tra\u00e7ando seus pr\u00f3prios destinos. O que os move? De onde tiram suas certezas? Como convivem com as ang\u00fastias da d\u00favida? A pintura de Iber\u00ea Camargo exposta no edif\u00edcio projetado por \u00c1lvaro Siza em Porto Alegre n\u00e3o deixa ningu\u00e9m impass\u00edvel. S\u00e3o inevit\u00e1veis as indaga\u00e7\u00f5es sobre quem s\u00e3o esses homens que conseguiram domar puls\u00f5es t\u00e3o fortes de arte e arquitetura, transformando-as em um lugar de aparente placidez.<\/p>\n Pela primeira vez \u2013 e muitos, sem d\u00favida, j\u00e1 deveriam ter merecido essa honra \u2013 a obra de um pintor brasileiro atinge a gl\u00f3ria de ser abrigada em um edif\u00edcio especialmente concebido para esse fim. As tramas s\u00f3cio-psicol\u00f3gicas que redundaram nessa realiza\u00e7\u00e3o, por mais instigantes e atraentes que sejam, fogem da minha al\u00e7ada. Entretanto, para o entendimento de como, de fato, s\u00e3o realizadas \u2013 ou n\u00e3o realizadas \u2013 as obras de arquitetura de museus no Brasil, acho importante impregnar o leitor com um pouco da paix\u00e3o e puls\u00e3o que Iber\u00ea Camargo dedicava \u00e0 pintura. S\u00e3o raras as personalidades que se determinam a trilhar um caminho com tanta perseveran\u00e7a e, mesmo, obstina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Durante praticamente toda a vida, Iber\u00ea Camargo e sua mulher Dona Maria Coussirat Camargo tiveram todos os cuidados para que a obra do primeiro chegasse intacta \u00e0 posteridade. Cuidaram de formar uma cole\u00e7\u00e3o completa, documentaram cada passo, chamaram bons fot\u00f3grafos, juntaram documentos e deixaram todas as pistas para uma boa reconstitui\u00e7\u00e3o biogr\u00e1fica. S\u00f3 que essa trajet\u00f3ria n\u00e3o foi planejada por uma mente fria ou burocr\u00e1tica, muito ao contr\u00e1rio, Iber\u00ea era habitado pela inquieta\u00e7\u00e3o e podia at\u00e9 mesmo ser violento quando obstaculizado pelos mais diferentes motivos. Seu modo de trabalhar refletia essa personalidade, ele estabelecia uma luta de corpo e alma com as telas e tintas que tinha a sua disposi\u00e7\u00e3o. Fazer e refazer, cobrir e recobrir, raspar e recome\u00e7ar eram os verbos do seu dia a dia no atelier.<\/p>\n Como apontou Jorge Figueira[2]<\/span><\/span><\/span><\/a> sobre a especial capacidade portuguesa de se transmutar no outro, Siza captou muito bem a personalidade do homenageado, conseguindo materializar em forma arquitet\u00f4nica toda a ang\u00fastia de Iber\u00ea. S\u00f3 que, como num gesto de m\u00fatuo acordo, para n\u00e3o entrar em conflito com o dono da casa, fez isso em tons de branco e a uma dist\u00e2ncia respeitosa de suas telas. O edif\u00edcio, nesse sentido, \u00e9 praticamente dividido em dois. De um lado a complexidade e a tens\u00e3o das formas, a \u201cmet\u00e1fora do labirinto\u201d na fala de Kenneth Frampton[3]<\/span><\/span><\/span><\/a>, de outro o \u201ccubo branco\u201d[4]<\/span><\/span><\/span><\/a> na acep\u00e7\u00e3o de Brian O\u2019Doherty, o lugar onde repousam as carregadas telas de Iber\u00ea.<\/p>\n Mas o esfor\u00e7o do casal Camargo teria sido em v\u00e3o se n\u00e3o fosse reconhecido e protegido por terceiros. Coisa rara no Brasil. A sorte foi que Iber\u00ea Camargo encontrou e pode conviver por alguns anos com Jorge Gerdau Johanpeter, empres\u00e1rio que compatilhou a paix\u00e3o pela pintura e grandiosidade do projeto art\u00edstico do pintor. N\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil imaginar uma identifica\u00e7\u00e3o de car\u00e1ter entre essas duas personalidades habituadas, cada uma em seu campo e a seu modo, a perseguir metas que muitos normalmente nem ousam supor. O que \u00e9 mais dif\u00edcil \u00e9 ver a arte ser percebida como um campo de desafios t\u00e3o s\u00e9rios e importantes como qualquer outro. Gra\u00e7as a isso, o verdadeiro tesouro acumulado pelo casal Camargo tomou um destino inimagin\u00e1vel at\u00e9 ent\u00e3o.<\/p>\n <\/a><\/p>\n A decis\u00e3o de constituir uma Funda\u00e7\u00e3o j\u00e1 estava delineada antes mesmo da morte do pintor em 1994 e sua viabiliza\u00e7\u00e3o foi muito r\u00e1pida. Em 1995, ela j\u00e1 ocupava as instala\u00e7\u00f5es da casa-atelier de Iber\u00ea no bairro Teres\u00f3polis, dividindo com Dona Maria o dia a dia da casa. Ali mesmo, a Funda\u00e7\u00e3o come\u00e7ou a mostrar a que veio. Artistas convidados mantinham a prensa de gravuras funcionando, curadores selecionavam obras de Iber\u00ea para exp\u00f4-las na casa-funda\u00e7\u00e3o, semin\u00e1rios ocupavam os audit\u00f3rios da cidade e assim por diante. Mais importante ainda, pesquisadores, curadores e cr\u00edticos foram envolvidos em um processo de pesquisa, cataloga\u00e7\u00e3o e discuss\u00e3o dos destinos da Funda\u00e7\u00e3o. No horizonte de tudo isso, claro, a quest\u00e3o da nova casa. Da dist\u00e2ncia que acompanhei tudo isso, posso dizer que o mais impressionante foi ver uma institui\u00e7\u00e3o seguir passo a passo o que deveria ser o roteiro normal para a constru\u00e7\u00e3o de uma nova sede: primeiro os objetivos, depois o programa e finalmente o projeto de arquitetura. Infelizmente, na tradi\u00e7\u00e3o brasileira come\u00e7a-se pelo projeto do edif\u00edcio para depois chegar na organiza\u00e7\u00e3o da institui\u00e7\u00e3o, depois o quadro de funcion\u00e1rios e assim por diante.<\/p>\n Outro fato inusitado, no conjunto de fatores que levaram ao sucesso do empreendimento, foi que entre os engenheiros da Gerdau encontrava-se Jos\u00e9 Luiz Canal, um caso raro de professor de projeto e com doutorado em arquitetura! Nada mais natural que ele passasse a ser o interlocutor de confian\u00e7a dos patrocinadores para o encaminhamento das quest\u00f5es relativas \u00e0 nova sede e, logo em seguida, respons\u00e1vel t\u00e9cnico de sua execu\u00e7\u00e3o. Tamb\u00e9m incomum em nosso meio, foi a dedica\u00e7\u00e3o e o respeito que esse construtor dedicou ao projeto. Conto isso para enfatizar que obras bem feitas de arquitetura precisam de um ambiente cultural e t\u00e9cnico adequado. Por mais que pare\u00e7a \u00f3bvio, n\u00e3o temos conseguido transformar isso em realidade corriqueira em nossa sociedade. Muito pelo contr\u00e1rio, \u00e0s vezes parece que a arquitetura \u00e9 apenas uma necessidade acess\u00f3ria, do interesse exclusivo dos arquitetos.<\/p>\n <\/a><\/p>\n O projeto de \u00c1lvaro Siza para a Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo come\u00e7ou a ser desenvolvido a partir de 1998. At\u00e9 o aparecimento das primeiras fotos da maquete do projeto na imprensa especializada, muito poucos tinham conhecimento dessa boa nova. O pr\u00f3prio processo de escolha do arquiteto \u00e9 contado em muitas vers\u00f5es. \u00c1lvaro Siza diz ter participado de um concurso, o eng. Canal diz que pediu propostas comerciais a quatro ou cinco renomados escrit\u00f3rios do mundo. J\u00e1 a vi\u00fava Dona Maria se mostra orgulhosa em ter acertado na escolha do arquiteto portugu\u00eas diante de um Jorge Gerdau Johanpeter que sorri sem nada confirmar.[5]<\/span><\/span><\/span><\/a> Talvez essas sejam as consequ\u00eancias do excesso de precau\u00e7\u00e3o de quem sabia andar em terreno minado. O Brasil tem tradi\u00e7\u00e3o xen\u00f3foba nessa \u00e1rea. Exportar a arquitetura de Niemeyer \u00f3timo, abrir o mercado \u00e0 \u201cinvas\u00e3o estrangeira\u201d, jamais. E, de fato, o processo de nacionaliza\u00e7\u00e3o do projeto n\u00e3o foi f\u00e1cil, foram precisos alguns anos at\u00e9 que o nome de \u00c1lvaro Siza pudesse ser ostentado no canteiro de obras da Funda\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Siza chegou a Porto Alegre em maio de 2000 com a maquete do projeto pronta, mas a frase que ele pronunciou na visita ao terreno \u201ctemos que cicatrizar essa ferida\u201d[6]<\/span><\/span><\/span><\/a> mostra o quanto ele havia absorvido das circunst\u00e2ncias do local de implanta\u00e7\u00e3o do seu projeto. Ele se referia a agress\u00e3o que a encosta cedida pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul \u00e0 beira do lago Gua\u00edba sofrera com a explora\u00e7\u00e3o de uma antiga pedreira. Siza queria que toda a mata nativa que ainda restava no terreno fosse intocada e protegida. O que de fato foi feito, primeiro pela m\u00e3o de Jos\u00e9 Lutzenberger, depois pelas de seus herdeiros da Funda\u00e7\u00e3o Gaia. Mas Siza tinha experimentado outras solu\u00e7\u00f5es para n\u00e3o tocar na mata. Entre elas, uma previa o acesso pelo topo do morro e o uso de um elevador externo, como o de Salvador, na Bahia. Siza se reconhece como um admirador da arquitetura brasileira e conta que Niemeyer foi parte importante da sua forma\u00e7\u00e3o. Mostrou que foi buscar nas ra\u00edzes culturais do Brasil parte das suas refer\u00eancias. Ali se pode ver tanto tra\u00e7os de um estruturalismo-brutalista da arquitetura paulista quanto a sensualidade das curvas e paredes brancas da arquitetura de Oscar Niemeyer.<\/p>\n <\/a><\/p>\n O primeiro estudo apresentado sofreu altera\u00e7\u00f5es para agregar vagas de estacionamento e poder ser aprovado pela municipalidade. A car\u00eancia de terreno livre dispon\u00edvel foi resolvida com a cess\u00e3o de uso do subsolo da avenida beira-lago, cedida pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Essa foi uma altera\u00e7\u00e3o de vulto, mas muitas outras, de pequena monta, foram feitas continuamente, at\u00e9 a conclus\u00e3o da obra. O processo de projetar de Siza lembra o de Iber\u00ea pintando. O arquiteto n\u00e3o d\u00e1 como finalizado o projeto at\u00e9 que a obra esteja pronta. Durante suas visitas \u00e0 obra, era comum que elaborasse croquis e fizesse apontamentos que resultariam em reconsidera\u00e7\u00f5es, num processo de cont\u00ednuo refinamento do desenho. Os escrit\u00f3rio de projetos em Portugal e o de execu\u00e7\u00e3o no canteiro de obras em Porto Alegre estiveram sempre integrados e em permanente comunica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Muitos j\u00e1 lembraram que este edif\u00edcio faz uma refer\u00eancia ao Guggenheim de Frank Lloyd Wright em Nova York. S\u00f3 que aqui, mesmo que o museu seja uma cont\u00ednua promenade architecturale<\/em>, h\u00e1, repito, uma divis\u00e3o espacial bem marcada. De um lado est\u00e3o as salas de exposi\u00e7\u00e3o, ortogonais e funcionais, de outro as rampas, sinuosas e org\u00e2nicas. Quando Siza disse \u201ctemos que trabalhar como um alfaiate aqui\u201d, talvez n\u00e3o estivesse apenas se referindo \u00e0s dificuldades do terreno, mas tamb\u00e9m \u00e0 necessidade de ajustar um espa\u00e7o museogr\u00e1fico condizente com as obras de Iber\u00ea. Iber\u00ea era um moderno, tinha em mente gen\u00e9ricas paredes brancas para a sua pintura. Seu \u00faltimo atelier[7]<\/span><\/span><\/span><\/a>, lembrou Roberto Segre[8]<\/span><\/span><\/span><\/a>, era de uma limpeza \u201cquase hospitalar\u201d.<\/p>\n <\/a><\/p>\n O grande vazio do \u00e1trio atenua qualquer conflito museogr\u00e1fico entre o lado museograficamente mais moderno, digamos assim, e o lado mais contempor\u00e2neo. \u00c9 esse lado mais livre e de formas complexas, que, sem d\u00favida, vem desafiando a imagina\u00e7\u00e3o dos artistas. N\u00e3o sabemos at\u00e9 que ponto Siza pensou em ocupar, com obras de arte, o \u00e1trio, rampas e t\u00faneis, mas \u00e9 certo que o resultado da instala\u00e7\u00e3o de Yole de Freitas aponta para a sua disponibiliza\u00e7\u00e3o permanente. As interven\u00e7\u00f5es de L\u00facia Koch nas janelas do museu e o filme produzido por Pierre Colibeuf deram outras mostras de que, se a casa foi feita para Iber\u00ea, Siza abriu suas portas para muitas outras artes.<\/p>\n <\/p>\n <\/p>\n Fl\u00e1vio Kiefer, outubro 2009<\/p>\n [1]<\/span><\/span><\/span><\/a> Publicado originalmente em CDO \u2013 Cadernos d\u2019Obra n\u00b02, Revista Cient\u00edfica Internacional de Constru\u00e7\u00e3o da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Portugal.<\/p>\n<\/div>\n [2]<\/span><\/span><\/span><\/a> FIGUEIRA, Jorge. Um Mundo Coral. In Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo \u00c1lvaro Siza. KIEFER, Fl\u00e1vio (org). S\u00e3o Paulo: CosacNaify, 2008.<\/p>\n<\/div>\n [3]<\/span><\/span><\/span><\/a> FRAMPTON, Kenneth. O Museu Como Labirinto. In Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo \u00c1lvaro Siza. KIEFER, Fl\u00e1vio (org). S\u00e3o Paulo: CosacNaify, 2008.<\/p>\n<\/div>\n [4]<\/span><\/span><\/span><\/a> O\u2019DOHERTY, Brian. No Interior do Cubo Branco – a ideologia do espa\u00e7o da arte. S\u00e3o Paulo: Martins Fontes, 2002.<\/p>\n<\/div>\n [5]<\/span><\/span><\/span><\/a> BIAVASCHI, Marta (dir.). Mestres em Obra. Porto Alegre: Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo, 2008, document\u00e1rio DVD.<\/span><\/p>\n<\/div>\n [6]<\/span><\/span><\/span><\/a> idem.<\/p>\n<\/div>\n [7]<\/span><\/span><\/span><\/a> Projetado por Emil Bered, um dos mais importantes arquitetos modernos de Porto Alegre.<\/p>\n<\/div>\n [8]<\/span><\/span><\/span><\/a> SEGRE, Roberto. Met\u00e1foras Corporais. In Funda\u00e7\u00e3o Iber\u00ea Camargo \u00c1lvaro Siza. KIEFER, Fl\u00e1vio (org). S\u00e3o Paulo: CosacNaify, 2008.<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n Download do projeto executivo completo em formato PDF<\/span><\/p>\n 153Mb . 109 pranchas<\/span><\/p>\n <\/a><\/p>\n Parte 1 . 31,1Mb . 9 pranchas<\/span><\/p>\n <\/a><\/p>\n Parte\u00a02 . 26,5Mb . 4 pranchas<\/span><\/p>\n <\/a><\/p>\n Parte\u00a03 . 30,5Mb . 21 pranchas<\/span><\/p>\nLinhas que se cruzam<\/h3>\n
\nnotas<\/h3>\n
\nprojeto executivo<\/h3>\n