{"id":393,"date":"2006-03-31T19:33:17","date_gmt":"2006-03-31T21:33:17","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=393"},"modified":"2009-02-04T05:41:12","modified_gmt":"2009-02-04T07:41:12","slug":"tecnica-moderna-entre-o-monumento-e-a-construcao-cotidiana","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2006\/03\/31\/tecnica-moderna-entre-o-monumento-e-a-construcao-cotidiana\/","title":{"rendered":"T\u00e9cnica moderna: entre o monumento e a constru\u00e7\u00e3o cotidiana"},"content":{"rendered":"

\"mdc<\/a>Carlos Alberto Maciel<\/p>\n

[Ler o artigo em PDF]<\/strong><\/a><\/p>\n

<\/p>\n

\n

O valor das obras de um homem n\u00e3o est\u00e1 nas obras, mas em seu desenvolvimento pelas m\u00e3os de outros, em outras circunst\u00e2ncias.\u00a0 Paul Val\u00e9ry<\/p>\n

Percebi que a arquitetura estava ligada a uma problem\u00e1tica nacional e popular e que era preciso arranjar uma \u00e9tica que me reconciliasse com os ideais do povo brasileiro.
\nVilanova Artigas<\/p><\/blockquote>\n

A arquitetura brasileira apresenta historicamente duas posi\u00e7\u00f5es distintas quanto \u00e0 import\u00e2ncia e uso da t\u00e9cnica: a primeira, dominante desde o surgimento da arquitetura moderna no pa\u00eds, preocupa-se com a explora\u00e7\u00e3o pl\u00e1stica da estrutura e estabelece um discurso sobre a aplica\u00e7\u00e3o primorosa do conhecimento da constru\u00e7\u00e3o. Esta vertente \u00e9 bem representada por obras exemplares de arquitetos como Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, e ainda pela obra inicial de Jo\u00e3o Filgueiras Lima e algumas realiza\u00e7\u00f5es de Affonso Reidy e Lina Bo Bardi. N\u00e3o obstante a grande diferen\u00e7a quanto \u00e0 escala, programa, origem dos recursos e mesmo a \u00e9poca da realiza\u00e7\u00e3o das suas obras, os arquitetos citados reeditam, cada um \u00e0 sua maneira, um \u201cdiscurso sobre a t\u00e9cnica\u201d. Oscar Niemeyer \u00e9 quem mais radicalmente explorou as grandes estruturas, nas suas obras brasileiras possibilitadas por sua op\u00e7\u00e3o em trabalhar exclusivamente com obras p\u00fablicas, e nas obras estrangeiras, para \u201cmostrar o desenvolvimento da enge\u00adnharia nacional\u201d, discurso que se conserva at\u00e9 a produ\u00e7\u00e3o recente do arquiteto. Vilanova Artigas, em outro sentido, explorou as grandes estruturas em especial atrav\u00e9s do argumento de Auguste Perret de que \u201c\u00e9 preciso fazer cantar os pontos de apoio\u201d. Foi ainda um dos arquitetos que mais influenciou a arquitetura paulista no que concerne \u00e0 aplica\u00e7\u00e3o do concreto armado aparente com a explora\u00e7\u00e3o dos grandes planos e empenas estruturais (Garagem de Barcos Santa Paula \u2013 1961, FAU-USP \u2013 1961) das lajes nervuradas permitindo o grande v\u00e3o (FAU-USP, Rodovi\u00e1ria de Ja\u00fa \u2013 1973, Vesti\u00e1rios do S\u00e3o Paulo Futebol Clube \u2013 1961, Anhembi T\u00eanis Clube \u2013 1961, Gin\u00e1sio de Utinga \u2013 1962, Col\u00e9gio 12 de Outubro – 1962) e da racionalidade construtiva dos \u201cquatro pontos de apoio\u201d (Casa Taques Bitencourt \u2013 1959, Casa Ivo Viterito \u2013 1962, Casa Mendes Andr\u00e9 \u2013 1966), que se tornou aspecto recorrente na arquitetura paulista p\u00f3s-Artigas, inclusive na obra de Paulo Mendes da Rocha. Nesta \u00faltima, a matriz racionalista, herdada de Artigas, que caracterizou seus primeiros trabalhos como respostas generosas e inventivas \u00e0s necessidades do cotidiano, cede lugar a um maior refinamento da t\u00e9cnica e da forma que dela decorre, o que aparece em projetos como o Museu Brasileiro da Escultura \u2013 1988 e a marquise da Pra\u00e7a do Patriarca \u2013 1992.<\/p>\n

Para al\u00e9m da necessidade program\u00e1tica, estes projetos editam elementos de alta tecnologia que procuram estabelecer um discurso sobre a funda\u00e7\u00e3o ou edi\u00e7\u00e3o do lugar atrav\u00e9s de uma exibi\u00e7\u00e3o do conhecimento. Numa outra dire\u00e7\u00e3o, o refinamento construtivo conduziu \u00e0 explora\u00e7\u00e3o da l\u00f3gica de montagem e industrializa\u00e7\u00e3o de grandes estruturas na obra de Lel\u00e9, destacando-se os projetos iniciais em Bras\u00edlia \u2013 d\u00e9cada de 70 e o Centro Administrativo da Bahia \u2013 1973, que apresentam uma industrializa\u00e7\u00e3o com grandes pe\u00e7as e com uma complexa l\u00f3gica de montagem. J\u00e1 a obra de Lina Bo Bardi explorou as estruturas protendidas, gerando \u00e0 \u00e9poca o \u201cmaior v\u00e3o livre do mundo<\/em>\u201d, no Museu de Arte de S\u00e3o Paulo – 1957, liberando o belvedere de ineg\u00e1veis qualidades quanto ao uso p\u00fablico e abertura para a paisagem. Antecedeu a solu\u00e7\u00e3o atirantada das lajes do MASP a bela solu\u00e7\u00e3o construtiva de Affonso Reidy no projeto do Museu de Arte Moderna \u2013 1953, no Rio de Janeiro, que reduz a se\u00e7\u00e3o dos pilares pela utiliza\u00e7\u00e3o da compensa\u00e7\u00e3o entre momentos fletores na base do \u201cV\u201d. O atirantamento das lajes, liberando um dos pavimentos \u2013 \u00e0 exce\u00e7\u00e3o do MAM, em geral \u00e9 o t\u00e9rreo o pavimento liberado – foi tamb\u00e9m trabalhado por Oscar Niemeyer na Sede Mondadori – 1968, em Mil\u00e3o, e por Vilanova Artigas no Laborat\u00f3rio Nacional de Refer\u00eancia Animal, Lanara – 1975, em Pedro Leopoldo, MG. Esta solu\u00e7\u00e3o, por ampliar os percursos das cargas at\u00e9 a funda\u00e7\u00e3o, contrariando a l\u00f3gica natural imposta pela gravidade, \u00e9 significativamente mais onerosa do que uma condu\u00e7\u00e3o mais direta dos esfor\u00e7os, e nem sempre justificada quando confrontada com os usos em quest\u00e3o. Explicam-se este e outros artif\u00edcios estruturais n\u00e3o pela simples resposta ao programa colocado, mas pelo esfor\u00e7o de demonstra\u00e7\u00e3o de um avan\u00e7o da engenharia brasileira.\u00a0 Para isso, estes arquitetos realizam edif\u00edcios cuja virtuosidade t\u00e9cnica, em geral de alto custo e constru\u00e7\u00e3o especializada, confere \u00e0s obras o status de \u00edcone, monumentos que passam a ser cultuados e assimilados pelo inconsciente coletivo como s\u00edmbolos do progresso do pa\u00eds e da alta capacidade de que dispomos para a constru\u00e7\u00e3o dos principais edif\u00edcios p\u00fablicos que abrigam e representam as institui\u00e7\u00f5es nacionais. Pelo alto grau de explora\u00e7\u00e3o t\u00ad\u00e9cnica, nem sempre dispon\u00edvel de forma generalizada, e por apresentarem alto custo decorrente, entre outras coisas, da alta especia\u00adliza\u00e7\u00e3o construtiva, t\u00eam menor capacidade de gerar desdobramentos para o aprimoramento da constru\u00e7\u00e3o cotidiana em larga escala. Sobre esta tend\u00eancia, Lucio Costa se manifestou sabiamente:<\/p>\n

\n

A id\u00e9ia \u00e9 sempre exigir das novas t\u00e9cnicas solu\u00e7\u00f5es extremadas, n\u00e3o \u00e9? (…) Nas m\u00e3os de um arquiteto qualificado, naturalmente ele faria bem, mas essas levas e levas de arquitetos, cada um pretendendo \u201ceu acho bonito\u201d, est\u00e3o destruindo completamente o que era honesto: uma arquitetura vinculada a um sistema construtivo, uma coisa assim, sempre com a participa\u00e7\u00e3o da qualidade, da inten\u00e7\u00e3o de harmonia (…). Porque nesta inten\u00e7\u00e3o o arquiteto se revela. (…) Porque realmente os arquitetos s\u00e3o estimulados para serem g\u00eanios, para inventar. Ent\u00e3o o sujeito fica inventando demais, o pr\u00f3prio Oscar foi culpado disso [1].<\/p>\n<\/blockquote>\n

De outro lado, \u00e9 poss\u00edvel enumerar projetos em que se coloca em primeiro plano como fato mais relevante do uso e desenvolvimento da t\u00e9cnica n\u00e3o a sua pr\u00f3pria demonstra\u00e7\u00e3o, mas a preocupa\u00e7\u00e3o em editar o conhecimento da constru\u00e7\u00e3o de modo a responder aos problemas espec\u00edficos colocados em cada situa\u00e7\u00e3o. Esta outra maneira de consi\u00adderar a import\u00e2ncia da t\u00e9cnica esteve presente na obra de Lucio Costa e em grande parte da produ\u00e7\u00e3o de Lina Bo Bardi. Nelas, a concilia\u00e7\u00e3o entre os padr\u00f5es eruditos da arquitetura moderna e a tradi\u00e7\u00e3o, tanto da arquitetura luso-brasileira, por um lado, como da arquitetura popular e o vern\u00e1culo, de outro, fundam uma abordagem da t\u00e9cnica de modo menos discursivo e mais fundado na interpreta\u00e7\u00e3o de uma tradi\u00e7\u00e3o construtiva [2]. Todas as casas projetadas por Lucio Costa s\u00e3o exemplares neste sentido. Esta abordagem tamb\u00e9m \u00e9 fundadora da obra de Joaquim Guedes, que vale ser ressaltada em dois aspectos: primeiro, por ela mesma constituir uma cr\u00edtica \u00e0 atitude dominante da explora\u00e7\u00e3o formal das estruturas, revelando um decoro que apresenta uma \u201cclara conten\u00e7\u00e3o no uso do concreto aparente\u201d em favor de uma maior diversidade de materiais e tecnologias permitindo responder melhor ao clima, \u00e0 economia \u2013 escassez de recursos, e \u00e0s \u201cnecessidades do dia-a-dia de atividades humanas espec\u00edficas\u201d [3]. Em segundo lugar, configura tamb\u00e9m uma atitude de resist\u00eancia que retoma o vern\u00e1culo e as tradi\u00e7\u00f5es cons\u00adtrutivas locais, reinterpretando-as para melhor respon\u00adder aos problemas e limita\u00e7\u00f5es brasileiras. Essa postura cr\u00edtica aparece no projeto do Grupo Escolar Ataliba Nogueira, de 1961, \u00e9 exemplar nos projetos para a Cidade de Cara\u00edba, na Bahia, e ainda orienta diversos projetos de resid\u00eancias.<\/p>\n

Por \u00faltimo, vem se mostrando exemplar a obra recente de Jo\u00e3o Filgueiras Lima, que, para al\u00e9m da busca da inven\u00e7\u00e3o do maior v\u00e3o ou de demonstra\u00e7\u00e3o de virtuosidade, pesquisa sistemas cuja complexidade, l\u00f3gica de montagem e adequa\u00e7\u00e3o ao clima transportam nosso mais alto conhecimento para a constru\u00e7\u00e3o de edif\u00edcios para o cotidiano, viabilizando edif\u00edcios de qualidade assustadoramente acima da m\u00e9dia nacional que ao mesmo tempo apresentam baixo custo e grande facilidade de assimila\u00e7\u00e3o dos princ\u00edpios de montagem nos mais variados locais do pa\u00eds, por m\u00e3o-de-obra nem sempre especializada. Seu senso de economia, modularidade e repeti\u00e7\u00e3o, facilidade e agilidade de montagem constituem uma resposta contundente \u00e0 realidade brasileira, com grande potencial did\u00e1tico de gerar desdobramentos virtuosos para melhorar a qualidade da grande massa de constru\u00e7\u00f5es an\u00f4nimas que conformam nossas cidades [4]. Este compromisso com o desenvolvimento de uma t\u00e9cnica que nos permita superar o atual est\u00e1gio civilizat\u00f3rio, com uma preocupa\u00e7\u00e3o mais centrada na resolu\u00e7\u00e3o de problemas aparentemente simples quando comparados ao avan\u00e7ado dom\u00ednio da tecnologia que nossos grandes edif\u00edcios j\u00e1 demons\u00adtraram, mas complexos e aparentemente intrans\u00adpon\u00edveis se abordados na constru\u00e7\u00e3o cotidiana, parece apontar uma alternativa de constru\u00e7\u00e3o vi\u00e1vel e democr\u00e1tica para a a\u00e7\u00e3o dos arquitetos brasileiros contempor\u00e2neos, uma vez que recupera a racionalidade e a explora\u00e7\u00e3o das virtudes da t\u00e9cnica pr\u00f3prias da Modernidade, mas evita a ing\u00eanua cren\u00e7a no seu predom\u00ednio como um a priori positivo e universal. Concilia as virtudes da modernidade com as limita\u00e7\u00f5es e os valores locais, absorvendo criticamente um dos maiores avan\u00e7os que o pensamento p\u00f3s-moderno apresentou: a constata\u00e7\u00e3o do fim dos meta-relatos legitimadores e a valoriza\u00e7\u00e3o das especificidades regionais.<\/p>\n

Se quisermos dar respostas mais abrangentes e pertinentes \u00e0 sociedade, ser\u00e1 preciso editar o conhecimento da constru\u00e7\u00e3o para responder objetivamente \u00e0s limita\u00e7\u00f5es j\u00e1 amplamente conhecidas \u2013 em especial a escassez de recursos e a baixa qualifica\u00e7\u00e3o da nossa m\u00e3o de obra.<\/p>\n

Sabemos produzir monumentos; falta-nos a compet\u00eancia para responder ao cotidiano. Transpor todo o conhecimento desenvolvido nos \u00faltimos 60 anos para um dom\u00ednio de aplica\u00e7\u00e3o mais amplo e mais acess\u00edvel a todos, buscando uma constru\u00e7\u00e3o mais pertinente que reduza a dist\u00e2ncia entre o edif\u00edcio comum e o de exce\u00e7\u00e3o. Por de lado o discurso e colocar a m\u00e3o na massa. n<\/p>\n

notas<\/h3>\n

1.\u00a0 Cf. \u201cEntrevista\u201d. Revista Pampulha, n.1, novembro-dezembro de 1979, p.12-19.
\n2.\u00a0 Sobre a diferen\u00e7a entre as estrat\u00e9gias de ambos, ver WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. S\u00e3o Paulo: Cosac & Naify, 2001, p.35.
\n3. CF. CAMARGO, M\u00f4nica Junqueira de. Joaquim Guedes. S\u00e3o Paulo: Cosac & Naify, 2000.
\n4.\u00a0 Em recente artigo na Revista AU, Edison Eloy, Yopanan Rebello e Marta Bog\u00e9a apontam a pertin\u00eancia das solu\u00e7\u00f5es\u00a0 construtivas desenvolvidas por Lel\u00e9, Joan Vill\u00e1 e Eladio Dieste para as condi\u00e7\u00f5es sociais, econ\u00f4micas e culturais sul-americanas. In: \u201cInven\u00e7\u00e3o: popular e erudito\u201d. Revista AU, n. 141, dezembro 2005, p. 72-75.<\/p>\n

carlos alberto maciel (1974)<\/strong>
\nArquiteto e Urbanista (EA-UFMG – 1997) e Mestre em Teoria e Pr\u00e1tica de Projeto (EA-UFMG – 2000),\u00a0 professor no Unicentro Izabela Hendrix, autor de diversos projetos e obras destacados em premia\u00e7\u00f5es como o 3o, 4o , 6o e 7o Pr\u00eamios Jovens Arquitetos (1997-1999-2004-2005), a 4a Bienal Internacional de Arquitetura de S\u00e3o Paulo (1999), o 4o Pr\u00eamio Usiminas Arquitetura em A\u00e7o \u2013 Centro de Arte Corpo (2001), a Premia\u00e7\u00e3o do Instituto de Arquitetos do Brasil \u2013 S\u00e3o Paulo (2004), entre outros. Possui escrit\u00f3rio pr\u00f3prio desde 1996.<\/p>\n

contato: carlosalberto@arquitetosassociados.arq.br | www.arquitetosassociados.arq.br<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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