{"id":396,"date":"2006-03-31T19:38:44","date_gmt":"2006-03-31T21:38:44","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=396"},"modified":"2009-02-04T05:41:02","modified_gmt":"2009-02-04T07:41:02","slug":"algumas-funcoes-publicas-da-arquitetura","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2006\/03\/31\/algumas-funcoes-publicas-da-arquitetura\/","title":{"rendered":"Algumas fun\u00e7\u00f5es p\u00fablicas da Arquitetura"},"content":{"rendered":"
<\/a>Danilo Matoso Macedo<\/p>\n [Ler o artigo em PDF]<\/strong><\/a><\/p>\n O espa\u00e7o edificado constitui, por sua pr\u00f3pria natureza, objeto cultural. Seria dif\u00edcil ao indiv\u00edduo construir sem o aporte hist\u00f3rico-cultural de t\u00e9cnicas construtivas. Tratando-se do espa\u00e7o constru\u00eddo segundo as tecnologias hoje difundidas \u2013 tijolo, madeira aplainada, a\u00e7o, cimento, areia etc \u2013, o aporte de insumos que somente uma sociedade organizada \u00e9 capaz de produzir \u00e9 imprescind\u00edvel. Portanto, a constru\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o edificado \u00e9, for\u00e7osamente, um produto social. Mais que isso: o espa\u00e7o edificado n\u00e3o apenas \u00e9 conformado como tamb\u00e9m conforma a sociedade em que vivemos, pois a Hist\u00f3ria n\u00e3o se escreve fora do espa\u00e7o e n\u00e3o h\u00e1 sociedade a-espacial. O espa\u00e7o, ele mesmo, \u00e9 social<\/em> [1].<\/p>\n Esta interdepend\u00eancia for\u00e7osa entre espa\u00e7o constru\u00eddo e sociedade suscita a indaga\u00e7\u00e3o acerca da natureza de propriedade do primeiro dentro da segunda: quais os limites entre espa\u00e7o constru\u00eddo p\u00fablico e privado, tratados como bens?<\/p>\n A Economia define a exist\u00eancia de bens p\u00fablicos como uma falha de mercado<\/em> onde o Estado deve naturalmente atuar:<\/p>\n Os bens p\u00fablicos s\u00e3o aqueles cujo consumo\/uso \u00e9 indivis\u00edvel ou \u2018n\u00e3o-rival\u2019. Em outras palavras, o seu consumo por parte de um i\u00adndiv\u00edduo ou de um grupo social n\u00e3o prejudica o consumo do mesmo bem pelos demais integrantes da sociedade. Ou seja, todos se beneficiam da produ\u00e7\u00e3o de bens p\u00fablicos mesmo que, eventualmente, alguns mais do que outros. S\u00e3o exemplos de bens p\u00fablicos: bens tang\u00edveis como as ruas ou a ilumina\u00e7\u00e3o p\u00fablica; e bens intang\u00edveis como justi\u00e7a, seguran\u00e7a p\u00fablica e defesa nacional. Estritamente, esta defini\u00e7\u00e3o de bem p\u00fablico<\/em> n\u00e3o define o espa\u00e7o constru\u00eddo como coisa p\u00fablica<\/em>. Ao contr\u00e1rio, os im\u00f3veis s\u00e3o os bens privados quase que por antonom\u00e1sia. H\u00e1, entretanto, aspectos do espa\u00e7o constru\u00eddo que, acredito, s\u00e3o bens p\u00fablicos<\/em> \u2013 no sentido econ\u00f4mico. S\u00e3o eles tanto a paisagem da vida social como o registro hist\u00f3rico-cultural da sociedade.<\/p>\n Como paisagem da vida social, temos como constru\u00e7\u00f5es mais \u00f3bvias as ruas, pra\u00e7as, cal\u00e7adas, parques e outros elementos urbanos: s\u00e3o espa\u00e7os constru\u00eddos de dom\u00ednio p\u00fablico claramente definido. Afinal, pagamos aos nossos munic\u00edpios impostos investidos em sua constru\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o. S\u00e3o os chamados bens de uso comum do povo<\/em> [3].<\/p>\n Ainda como paisagem da vida social urbana, temos o conjunto de edifica\u00e7\u00f5es de propriedade p\u00fablica e privada que comp\u00f5em as nossas cidades juntamente \u00e0queles bens de uso comum do povo<\/em>. Tenham sido elas constru\u00eddas sob a \u00e9gide de regulamenta\u00e7\u00f5es urban\u00edsticas ou a sua revelia, as edifica\u00e7\u00f5es constituem a imagem da cidade, definem seus referenciais, adensam ou esgar\u00e7am o tecido urbano e seus fluxos de pessoas e ve\u00edculos, dentre tantas outras intera\u00e7\u00f5es de ordem coletiva.<\/p>\n A sobreposi\u00e7\u00e3o e conviv\u00eancia temporal destes cen\u00e1rios constru\u00eddos comp\u00f5em parte da mem\u00f3ria das culturas das sociedades, refletind\u00ado, criando e ratificando seus valores como coisas <\/em>aut\u00f4nomas que estes espa\u00e7os constru\u00eddos s\u00e3o. Para as gera\u00e7\u00f5es futuras, esse patrim\u00f4nio \u00e9 registro de sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria pregressa, a ser interpretada de acordo com os valores a elas contempor\u00e2neos.<\/p>\n Se estes aspectos essenciais do e\u00adspa\u00e7o constru\u00eddo emprestam-lhe um car\u00e1ter e\u00adminentemente p\u00fablico, cabe perguntar do papel desempenhado pela profiss\u00e3o do arquiteto na produ\u00e7\u00e3o desse espa\u00e7o. Afinal, se 70% da produ\u00e7\u00e3o de moradia no Pa\u00eds est\u00e1 fora do mercado formal <\/em>[4], o arquiteto-projetista de edif\u00edcios talvez seja respons\u00e1vel por uma parcela quantitativamente pouco significativa do espa\u00e7o constru\u00eddo da sociedade de nosso pa\u00eds. Convido o leitor a debru\u00e7ar-se sobre o mapa de qualquer das grandes metr\u00f3poles brasileiras, delimitando as \u00e1reas e pontos de interesse da cultura arquitet\u00f4nica local: os edif\u00edcios e casas que s\u00e3o publicados em revistas, que est\u00e3o em nossas exposi\u00e7\u00f5es, que recebem pr\u00eamios de nossos institutos. Mesmo em termos planim\u00e9tricos, a porcentagem constatada ser\u00e1 seguramente bastante inferior aos 30% restantes da estat\u00edstica acima.<\/p>\n Isso n\u00e3o \u00e9 novidade. Em 1946, Oscar Niemeyer j\u00e1 dizia que:<\/p>\n (…) se examinamos nossa atividade profissional objetivamente, constatamos que ela se limita exclusivamente \u00e0 solu\u00e7\u00e3o do problema arquitetural de edif\u00edcios isolados, p\u00fablicos, ou de casas de burgueses. Em suma: as constru\u00e7\u00f5es que, logicamente, dever\u00e3o ser eliminadas de um \u2018plano diretor\u2019 exato e definitivo que englobe sem distin\u00e7\u00e3o a todos os problemas arquiteturais de nossas cidades e de nosso pa\u00eds. [5]<\/p>\n<\/blockquote>\n Na verdade, atender somente \u00e0s elites das sociedades e ao Estado \u00e9 talvez uma das c\u00ad\u00ada-racter\u00edsticas primordiais da profiss\u00e3o: a antiga fun\u00e7\u00e3o social do arquiteto era produzir edif\u00edcios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto <\/em>[6].<\/p>\n Garry Stevens define este valor de gosto em jogo na din\u00e2mica da profiss\u00e3o como capital s\u00adimb\u00f3lico<\/em>. Apoiado no referencial te\u00f3rico de Pierre Bourdieu, o arquiteto australiano afirma que n\u00e3o est\u00e3o em foco aqui os objetos produzidos \u2013 as edifica\u00e7\u00f5es, projetos etc. \u2013 mas a perpetua\u00e7\u00e3o de um sistema onde a classe dominante mant\u00e9m fechado o espa\u00e7o social e transmite poder e privil\u00e9gio atrav\u00e9s das gera\u00e7\u00f5es erigindo barreiras simb\u00f3licas em torno de si mesma <\/em>[7]. Para este autor, a sobreposi\u00e7\u00e3o de paradigmas dentro do campo da arquitetura, historicamente, trata-se apenas do jogo end\u00f3geno de substitui\u00e7\u00e3o de um valor de capital simb\u00f3lico de uma gera\u00e7\u00e3o ascendente frente \u00e0 gera\u00e7\u00e3o anterior. Sua finalidade essencial m\u00adant\u00e9m-se a mesma: perpetuar o sistema de divis\u00e3o de classes atrav\u00e9s de uma estrutura simb\u00f3lica de gosto. Os sucessivos movimentos arquitet\u00f4nicos teriam sempre na ess\u00eancia de seu discurso a nega\u00e7\u00e3o de valores de uma g\u00adera\u00e7\u00e3o em prol dos valores da gera\u00e7\u00e3o seguinte, legitimando a autonomia do campo ao mesmo tempo em que se cria um novo conjunto de valores simb\u00f3licos. Assim, por exemplo,<\/p>\n a hist\u00f3ria do Movimento Moderno \u00e9 precisamente a hist\u00f3ria das tentativas afinal vitoriosas da vanguarda de desvalorizar completamente o capital \u2018beaux-arts\u2019 em favor do seu pr\u00f3prio capital [8].<\/p>\n<\/blockquote>\n Sabemos que, de fato, o desejo (frustrado) de atender diretamente a toda a sociedade, tendo todas as classes por clientes, foi inculcado na cultura arquitet\u00f4nica pelas vanguardas modernas do in\u00edcio do s\u00e9culo XX, a partir da a\u00e7\u00e3o do Deutsche Werkbund<\/em> [9], bem como das vanguardas art\u00edstico-revolucion\u00e1rias russas e sua ampla influ\u00eancia em figuras de proa da arquitetura europ\u00e9ia, como Walter Gropius, Mies van der Rohe [10] e Le Corbusier [11].<\/p>\n Mais que substituir os valores simb\u00f3licos a\u00adnteriores, os arquitetos modernos tinham diante de si o dever de manter a autonomia do campo arquitet\u00f4nico. Ou seja: a tarefa de preservar \u00edntegra a prerrogativa exclusiva do arquiteto em produzir edif\u00edcios de poder e gosto para pessoas de poder e gosto <\/em>[12]. Para Stevens,<\/p>\n os modernistas conseguiram evitar qualquer amea\u00e7a \u00e0 sua autonomia intelectual pelo simples expediente de ignorar aqueles para quem afirmavam estar projetando.<\/p>\n<\/blockquote>\n S\u00e3o c\u00e9lebres as anedotas acerca das inconveni\u00eancias tecnol\u00f3gicas da impermeabiliza\u00e7\u00e3o da Villa Savoye <\/em>(Le Corbusier, 1929) [13], e em como elas foram solenemente ignoradas por seu autor durante um bom tempo. \u00c9 not\u00f3rio t\u00adamb\u00e9m como a aflu\u00eancia de um grande n\u00ad\u00famero de turistas-arquitetos tornou imposs\u00edvel o uso privativo das casas Farnsworth <\/em>(Mies van der Rohe, 1946) e Falling Water <\/em>(Frank Lloyd Wright, 1936). Ao fim e ao cabo, os a\u00adrquitetos modernos \u2013 tanto quanto os de o\u00adutras gera\u00e7\u00f5es \u2013 projetavam para outros a\u00adrquitetos, n\u00e3o para seus clientes e muito menos para o povo. As obras arquitet\u00f4nicas nesse sentido s\u00e3o instrumentalizadas de modo a viabilizar a ascens\u00e3o social do arquiteto dentro de seu campo de batalha<\/em>: o campo arquitet\u00f4nico.<\/p>\n N\u00e3o pretendo com esta constata\u00e7\u00e3o promover qualquer tipo de ataque \u00e0 brilhante gera\u00e7\u00e3o de arquitetos modernos \u2013 dentro do Brasil, talvez os mais relevantes at\u00e9 hoje. Afinal, diferentes gera\u00e7\u00f5es usaram de expedientes similares ou at\u00e9 bastante menos nobres para ascender a determinado status <\/em>cultural. Veja-se, por exemplo, os artif\u00edcios de ironia e cinismo ocultando a simples aus\u00eancia de programa conceitual em diversos setores da cr\u00edtica arquitet\u00f4nica desde os anos de 1970 at\u00e9 hoje.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio, a autonomia conseguida pelo campo arquitet\u00f4nico durante o Movimento Moderno hoje \u00e9 leg\u00edtima. Afinal,<\/p>\n nenhuma \u00e1rea do campo cultural restrito (tais como a escultura, a poesia, a pintura, a m\u00fasica) est\u00e1 t\u00e3o amarrada a outros campos sociais e \u00e9, portanto, menos aut\u00f4noma. A tremenda tens\u00e3o que isso cria no interior da arquitetura manifesta-se em uma variada sintomatologia: a teoria arquitet\u00f4nica nunca se recuperou da perda das [supostas] certezas do modernismo; os arquitetos preocupam-se com a sua perda de influ\u00eancia na ind\u00fastria da constru\u00e7\u00e3o; o sistema educacional parece inadequado; as associa\u00e7\u00f5es profissionais est\u00e3o destro\u00e7adas e sem rumo. [14]<\/p>\n<\/blockquote>\n Feitas estas ressalvas com respeito ao car\u00e1ter elitista da arquitetura ocidental \u2013 e n\u00e3o apenas brasileira, como afirmou Niemeyer \u2013, perguntamo-nos se o caminho rumo ao estabelecimento de um ethos <\/em>arquitet\u00f4nico inclusivo est\u00e1 no sistem\u00e1tico atendimento, pelos arquitetos, das demandas de camadas menos favorecidas de seu povo. Niemeyer nos responde:<\/p>\n Sempre recusei este equ\u00edvoco, essa id\u00e9ia med\u00edocre dos que insistem numa arquitetura \u2018mais simples, mais ligada ao povo\u2019. (…) Para mim, essa id\u00e9ia da simplicidade arquitetural \u00e9 pura demagogia, discrimina\u00e7\u00e3o inaceit\u00e1vel e, \u00e0s vezes, uma timidez que s\u00f3 a falta de talento pode explicar [15].<\/p>\n<\/blockquote>\n Oscar e outros membros do Partido Comunista, como o pr\u00f3prio Vilanova Artigas [16], entrincheiraram-se no marxismo cl\u00e1ssico por detr\u00e1s de uma f\u00e9 pr\u00e9-keynesiana na inexorabilidade da revolu\u00e7\u00e3o prolet\u00e1ria com o colapso do capitalismo \u2013 o que explica o teor da passagem anti-assistencialista de Niemeyer acima. Para eles, a revolu\u00e7\u00e3o n\u00e3o se faz com a arquitetura, mas na luta e na milit\u00e2ncia pol\u00edtica [17]. Ou seja: arquitetura pouco teria a ver com pol\u00edtica.<\/p>\n E a resposta da maioria dos arquitetos para este impasse tem sido o dar de ombros. Desde a queda do construtivismo russo no regime de Stalin, e mesmo desde Bras\u00edlia, ficou bastante claro que a arquitetura per se<\/em> n\u00e3o mudar\u00e1 a sociedade. E foi o pr\u00f3prio Corbusier quem, paradoxalmente, nos afirmou que a revolu\u00e7\u00e3o pode ser evitada<\/em>. As tentativas assistencialistas de constru\u00e7\u00e3o de modelos de habita\u00e7\u00e3o popular em substitui\u00e7\u00e3o aos tug\u00farios e favelas t\u00eam sempre esbarrado no problema do aspecto pl\u00e1stico massificado, do distanciamento dos centros urbanos, da baixa qualidade dos materiais construtivos, do subdimensionamento dos c\u00f4modos, al\u00e9m dos problemas de ordem social gerados pela imposi\u00e7\u00e3o da solu\u00e7\u00e3o \u00e0s comunidades [18].<\/p>\n Mas como dar de ombros para esta exclus\u00e3o, diante do car\u00e1ter p\u00fablico inerente \u00e0 arquitetura exposto no in\u00edcio deste texto? E n\u00e3o \u00e9 a pr\u00f3pria arquitetura de Oscar um poderoso instrumento pol\u00edtico habilmente aproveitado por governantes para refor\u00e7ar a estrutura simb\u00f3lica do poder \u2013 desde Pampulha at\u00e9 suas \u00faltimas obras?<\/p>\n Buscar um ethos inclusivo para a atividade do arquiteto pode ter outro sentido que a a\u00e7\u00e3o a\u00adssistencialista ou a constru\u00e7\u00e3o de monumentos p\u00fablicos. O espa\u00e7o constru\u00eddo, conforme vimos, comunga em sua ess\u00eancia com a sociedade que nele habita. Mas que ethos<\/em> inclusivo seria este?<\/p>\n As sa\u00eddas elaboradas pelos arquitetos a partir da d\u00e9cada de 1960 estiveram, em sua maioria, ligadas \u00e0 elimina\u00e7\u00e3o da l\u00f3gica cl\u00e1ssica de projeto e constru\u00e7\u00e3o. Pode-se citar como exemplos as obras de Christopher Alexander [19], primeiro com a tentativa de gera\u00e7\u00e3o da forma via racioc\u00ednio matem\u00e1tico, e depois com a cria\u00e7\u00e3o de um m\u00e9todo baseado em padr\u00f5es espaciais racionalmente catalogados e selecionados intuitivamente pelo arquiteto a partir de uma integra\u00e7\u00e3o pessoal com os clientes e com o lugar. O edif\u00edcio, nesse processo \u00e9 constru\u00eddo sem projeto. H\u00e1 ainda a obra de Lucien Kroll, feita de modo participativo com os usu\u00e1rios, permitindo-lhes atuar como designers<\/em> na etapa de projeto e alterar as obras \u00e0 vontade ap\u00f3s a sua execu\u00e7\u00e3o. O resultado pl\u00e1stico \u00e9 de uma aparente desordem \u201cvernacular\u201d [20].<\/p>\n No Brasil, ao menos no campo arquitet\u00f4nico, talvez a voz mais ouvida tenha sido a de S\u00e9rgio Ferro, em seu c\u00e9lebre O canteiro e o desenho<\/em>. Para Ferro, ao separar a capacidade de pensar a constru\u00e7\u00e3o da capacidade de fazer a constru\u00e7\u00e3o, o desenho (entendido como projeto) \u00e9 instrumento de aliena\u00e7\u00e3o a servi\u00e7o do Capital.<\/p>\n Assim, para a obra, o desenho n\u00e3o \u00e9 representa\u00e7\u00e3o de um objeto de uso. Representa, ou melhor, imp\u00f5e sincretismo ao trabalho parcelado que deixa esfarelado para preservar sua miss\u00e3o unificadora [21].<\/p>\n<\/blockquote>\n O que estas respostas t\u00eam em comum \u00e9 a nega\u00e7\u00e3o da ordem vigente para a proposi\u00e7\u00e3o de outra. Embora Alexander e Kroll tenham pautado suas pr\u00e1ticas por estes \u201csistemas alternativos\u201d ao longo de quarenta anos, eles nunca superaram esta condi\u00e7\u00e3o marginal, n\u00e3o chegaram a formar uma \u201cescola\u201d baseada em suas pr\u00e1ticas. J\u00e1 Ferro abandonou a arquitetura e passou a dedicar-se \u00e0 pintura, tendo exercido influ\u00eancia indireta nos movimentos de mutir\u00e3o dos anos 80, baseados em suas formula\u00e7\u00f5es, e liderados por ex-alunos seus [22]. E embora a pr\u00e1tica seja efetiva para massas organizadas como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia, a premissa de dedica\u00e7\u00e3o das horas vagas dos oper\u00e1rios \u00e0 constru\u00e7\u00e3o diletante de sua pr\u00f3pria casa segue sendo um paradoxo [23].<\/p>\n Negando o projeto, o des\u00edgnio<\/em> [24], o instrumento social cuja elabora\u00e7\u00e3o est\u00e1 ao alcance de poucos, estes arquitetos abriram a guarda da autonomia de campo da arquitetura. Por abdicar desta caracter\u00edstica de distin\u00e7\u00e3o social, deixando-a aberta \u00e0 participa\u00e7\u00e3o dos usu\u00e1rios, suas propostas naturalmente seriam vistas no m\u00e1ximo como um objeto de curiosidade pela maior parte dos integrantes do campo arquitet\u00f4nico. Os alunos de elite das escolas de arquitetura – o lugar onde as ondas de renova\u00e7\u00e3o tomam corpo \u2013 n\u00e3o abririam m\u00e3o do capital simb\u00f3lico que j\u00e1 possu\u00edam.<\/p>\n O relativo fracasso das tentativas de supe-ra\u00e7\u00e3o do paradigma cl\u00e1ssico moderno de autonomia do objeto arquitet\u00f4nico, como cons-truto \u00edntegro, suscita nossa pr\u00f3xima quest\u00e3o: \u00e9 poss\u00edvel abrir m\u00e3o desta fun\u00e7\u00e3o de comando do arquiteto, dessa for\u00e7a designadora, na defini\u00e7\u00e3o e constru\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o social?<\/p>\n Voltemos com mais aten\u00e7\u00e3o aos aspectos p\u00fablicos do espa\u00e7o constru\u00eddo. \u00c9 neles e no exame de suas rela\u00e7\u00f5es dial\u00e9ticas com o homem que est\u00e3o as chaves do argumento.<\/p>\n O espa\u00e7o urbano, por onde passam as ruas, parques, pra\u00e7as, como bens de uso comum do povo<\/em>, definem em sua ess\u00eancia a no\u00e7\u00e3o que desenvolvemos de espa\u00e7o da coletividade. \u00c9 nessa constru\u00e7\u00e3o de nosso cotidiano particular que encontramo-nos com nossos vizinhos, que fazemos nossas refei\u00e7\u00f5es e compramos nossos bens de consumo.<\/p>\n \u00c9 na rela\u00e7\u00e3o de comunica\u00e7\u00e3o com os bens de uso comum do povo que as edifica\u00e7\u00f5es particulares se tornam coisa p\u00fablica. Ao mesmo tempo, para al\u00e9m dos desejos individuais de seus construtores, os edif\u00edcios s\u00e3o destinados a existir por um longo tempo, constituindo for\u00e7osamente parte da paisagem de vida de gera\u00e7\u00f5es futuras.<\/p>\n Estas duas rela\u00e7\u00f5es de alteridade para com a vontade particular daqueles que constroem ensejam a responsabilidade do indiv\u00edduo para com a coisa p\u00fablica. Elas, a uma vez, individua\u00adlizam o dom\u00ednio p\u00fablico e publicizam o dom\u00ednio privado. A arquitetura, vista sob este ponto de vista, est\u00e1 na constru\u00e7\u00e3o desta fina membrana entre o espa\u00e7o fechado e o aberto, entre o momento atual e o seguinte. Como nos lembra Niemeyer, com uma clareza de pensa\u00admento lapidar:<\/p>\n para n\u00f3s, o \u2018espa\u00e7o arquitetural\u2019 \u00e9 a pr\u00f3pria arquitetura e para realiz\u00e1-la nele interferimos interna e externamente, integrando-a na paisagem e nos seus interiores, como duas coisas que nascem juntas e harmoniosamente se completam [25].<\/p>\n<\/blockquote>\n \u00c9 a arquitetura portanto tentativa de cons\u00adtru\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o social, de estabelecimento de di\u00e1logo entre as m\u00faltiplas vontades individuais e entre tempos diferentes. A compreens\u00e3o do outro \u00e9 o que torna o existir poss\u00edvel, o ensimesmado torna sua pr\u00f3pria exist\u00eancia uma tarefa \u00e1rdua <\/em>[26].<\/p>\n Esta tarefa de compreens\u00e3o do outro coloca-nos a premissa do estabelecimento de uma linguagem comum. E \u00e9 na constru\u00e7\u00e3o da potencialidade do objeto concreto como materializa\u00e7\u00e3o desse campo de di\u00e1logo que reside a labuta daquele que constr\u00f3i.<\/p>\n O espa\u00e7o concreto deve ter ent\u00e3o uma integri\u00addade material, uma determinada sa\u00fade pl\u00e1stica<\/em> que o torne identific\u00e1vel e compreens\u00edvel como instrumento de di\u00e1logo. Esta possibilidade de di\u00e1logo, per se<\/em>, abre o campo sem\u00e2ntico da obra tornando-a processo pol\u00edtico. N\u00e3o se trata aqui apenas de uma plat\u00f4nica autonomia formal [27].\u00a0 Trata-se de coer\u00eancia entre forma e possibilidades materiais do momento e da situa\u00e7\u00e3o. Sem esta coer\u00eancia, esta integridade pr\u00f3pria da coisa em si <\/em>[28], a constru\u00e7\u00e3o far\u00e1 sentido para menos pessoas.<\/p>\n Assume-se, com isso, que h\u00e1 valores c\u00adoncretos pr\u00f3prios de cada situa\u00e7\u00e3o, que p\u00adodem ser transferidos para a constru\u00e7\u00e3o de nosso ambiente. Este, como objeto que tem exist\u00eancia pr\u00f3pria, dialoga com a pr\u00f3pria sociedade que o criou em cada momento futuro. O grau de efetividade da arquitetura, nesse sentido, estaria diretamente ligado \u00e0 abrang\u00eancia de sua universalidade, de sua capacidade de comunicar, de fazer sentido<\/em> para um n\u00famero maior de pessoas. \u00c9 essa capacidade que distingue, por exemplo, uma constru\u00e7\u00e3o universal como o anexo da National Gallery (I.M. Pei, Washington, 1968). Raro \u00e9 o edif\u00edcio n\u00e3o<\/strong> projetado por um arquiteto que represente os valores supremos de uma civiliza\u00e7\u00e3o. Isto tem sido verdade para templos, pal\u00e1cios, bibliotecas e prefeituras na Gr\u00e9cia, em Roma e na Europa do per\u00edodo da Renascen\u00e7a; e, mais recentemente, para museus, universidades, edif\u00edcios governamentais e sedes de corpora\u00e7\u00f5es. O projeto dos grandes edif\u00edcios monumentais de proje\u00e7\u00e3o \u00e9 o \u00fanico dom\u00ednio da arquitetura, seu mercado natural<\/strong>. Nenhuma outra profiss\u00e3o foi capaz de concorrer efetivamente neste mercado, seja no passado ou seja nos dias de hoje [29].<\/p>\n<\/blockquote>\n Entretanto, se h\u00e1 esta cultura ocidental a que todo bom artefato acaba prestando contas, h\u00e1 tamb\u00e9m, neste artefato, a incorpora\u00e7\u00e3o de c\u00f3digos sociais locais aos quais o arquiteto-cidad\u00e3o local \u00e9 capaz de atender. Ocorre a\u00ed a ruptura entre o campo arquitet\u00f4nico e o campo social-comunit\u00e1rio em que ele se insere.<\/p>\n Para que o arquiteto construa, no espa\u00e7o p\u00fablico, a liga\u00e7\u00e3o entre o mundo privado e o p\u00fablico; entre o tempo presente e outros tempos; entre cultura local e cultura global, \u00e9 necess\u00e1rio que ele seja efetivamente parte daquela polis<\/em>. Mas como isso \u00e9 poss\u00edvel, num pa\u00eds onde apenas 24,9% da popula\u00e7\u00e3o possui forma\u00e7\u00e3o m\u00ednima de n\u00edvel m\u00e9dio? [30]<\/p>\n \u00c0 primeira vista, a prolifera\u00e7\u00e3o dos cursos de arquitetura no pa\u00eds, aliada a pol\u00edticas p\u00fablicas que garantam o acesso de membros de uma maior gama de classes sociais pode representar uma solu\u00e7\u00e3o. Afinal, ao aumentar-se a diversidade social do elitizado curso de arquitetura, aumenta-se a capilaridade do campo arquitet\u00f4nico dentro do tecido social, enriquecendo as possibilidades culturais do primeiro e melhorando a qualidade da arquitetura socialmente relevante do segundo.<\/p>\n A verdade, por\u00e9m, \u00e9 que mesmo em pa\u00edses onde o n\u00edvel educacional \u00e9 alto ocorre o pro\u00adblema da elitiza\u00e7\u00e3o dos bens de capital simb\u00f3lico<\/em>, conforme nos atesta Stevens [31]. Surpreendentemente, a quantidade de a\u00adrquitetos formados no mercado n\u00e3o interfere na quantidade de arquitetos de elite que a sociedade consegue suportar. Em estudo de s\u00e9ries hist\u00f3ricas, Stevens demonstra que a raz\u00e3o entre a popula\u00e7\u00e3o e o n\u00famero de arquitetos de elite \u2013 ou g\u00eanios<\/em> – manteve-se aproximadamente constante nos \u00faltimos quinhentos anos [32]. Esses arquitetos projetam os monumentos de sua gera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Ocorre que o campo arquitet\u00f4nico simplesmente exclui de seus valores simb\u00f3licos outras atividades que n\u00e3o projetar monumentos ou, o que \u00e9 mais recorrente, projetar edif\u00edcios de uso cotidiano com a l\u00f3gica e os valores de monumentos. Mais que isso, o arquiteto que n\u00e3o se dedica ao projeto de edif\u00edcios \u00e9 considerado profissional de segunda categoria. Excluem-se assim aqueles que se especializaram em conforto ambiental, gest\u00e3o de projetos, gest\u00e3o p\u00fablica, planejamento urbano, execu\u00e7\u00e3o de obras, patrim\u00f4nio hist\u00f3rico etc. Com o tempo, pelo menos em campos mais estabelecidos como o planejamento urbano e o patrim\u00f4nio hist\u00f3rico, a rec\u00edproca tornou-se tamb\u00e9m verdadeira com rela\u00e7\u00e3o aos pr\u00f3prios arquitetos projetistas.<\/p>\n Portanto, criar um ethos<\/em> inclusivo para a atividade do arquiteto passa por criar um ethos<\/em> inclusivo dentro do pr\u00f3prio campo arquite\u00adt\u00f4nico, diversificando-o [33]. \u00c9 preciso que as escolas de arquitetura, a hist\u00f3ria e os meios de comunica\u00e7\u00e3o especializados passem a tratar da diversidade de possibilidades profissionais do arquiteto n\u00e3o como alternativas de trajet\u00f3rias de mercado, mas tamb\u00e9m como estrat\u00e9gias simbolicamente v\u00e1lidas e n\u00e3o-excludentes entre si.<\/p>\n N\u00e3o proponho, com isso, a desagrega\u00e7\u00e3o da arquitetura ou sua segmenta\u00e7\u00e3o em especialidades. Ao contr\u00e1rio: ampliando a gama de quali\u00adfica\u00e7\u00f5es simbolicamente relevantes <\/em>no campo profissional do arquiteto, abre-se o di\u00e1logo em condi\u00e7\u00f5es de igualdade entre c\u00adampos de saber. Tomemos o exemplo dos meios de comunica\u00e7\u00e3o: no quadro de estreitamento de vis\u00e3o atual, raro \u00e9 o artigo sobre arquitetura nos anais de encontros de urbanismo, e mais rara ainda \u00e9 a discuss\u00e3o de planejamento urbano em peri\u00f3dicos de arquitetura. A constru\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o social, com toda a carga de integridade material que ele deve possuir, \u00e9 o denominador comum a todas as disciplinas ligadas \u00e0 arquitetura.<\/p>\n Acredito que, em lugar de reduzir a autonomia do campo, esta diversidade disciplinar \u201chuman\u00edstica\u201d amplia as suas fronteiras. E se, nas escolas de arquitetura, o ateli\u00ea de projeto \u00e9 o local de transmiss\u00e3o do habitus<\/em> elitista da constru\u00e7\u00e3o de edif\u00edcios [34], que se criem ateli\u00eas ligados tamb\u00e9m \u00e0s outras atividades. \u00c9 preciso que se abra ao estudante a possibilidade de reali\u00adza\u00e7\u00e3o pessoal e profissional atrav\u00e9s da arquitetura fora do j\u00e1 saturado campo da produ\u00e7\u00e3o de objetos de gosto para pessoas de gosto<\/em>.<\/p>\n Diversificando a matriz do campo a\u00adrquitet\u00f4nico, ele se tornar\u00e1 naturalmente mais perme\u00e1vel ao di\u00e1logo social participativo e n\u00e3o assistencialista. O arquiteto que se sente cidad\u00e3o \u2013 e n\u00e3o exclu\u00eddo \u2013 no pr\u00f3prio campo arquitet\u00f4nico ter\u00e1 possibilidades maiores de difundir uma cultura de cidadania no campo social que ele freq\u00fcenta. Ter\u00e1, portanto, maiores possibilidades de criar objetos mais \u00edntegros por dialogarem mais com a sociedade em que se inserem. Ser\u00e3o espa\u00e7os constru\u00eddos que promover\u00e3o o di\u00e1logo entre o bem comum e o bem privado de modo mais efetivo.<\/p>\n \u00c9 na aceita\u00e7\u00e3o da diversidade e no di\u00e1logo que exercitamos esta esp\u00e9cie de humanismo lato sensu<\/em> [35]. N\u00e3o saberemos criar bons espa\u00e7os p\u00fablicos se n\u00e3o soubermos, antes de mais nada, constituir grupos coesos, abertos ao di\u00e1logo, dentro de nosso pr\u00f3prio campo. Para isso, \u00e9 necess\u00e1rio ampliar os canais de comunica\u00e7\u00e3o internos, estabelecendo debates pr\u00f3prios da cultura arquitet\u00f4nica. Rompendo-se o hermetismo dos valores de cada especialidade rumo a valores compartilhados por toda a comunidade arquitet\u00f4nica, esta tende a aproximar sua linguagem \u00e0 da sociedade: a arquitetura passa a ser socialmente relevante.<\/p>\n No caso brasileiro, especificamente, \u00e9 preciso que aprendamos a analisar e extrair valores de nossa realidade mais pr\u00f3xima para criar este sentido de cultura. \u00c9 necess\u00e1rio romper a estrat\u00e9gia pela qual se tenta afirma\u00e7\u00e3o no meio arquitet\u00f4nico pela novidade conceitual e\/ou formal, usando-a para atacar a pr\u00e1tica e o pensamento locais. Darcy Ribeiro, em 1978, j\u00e1 nos alertava para este v\u00edcio comum:<\/p>\n Lamentavelmente, em todos os campos, a maioria dos jovens especialistas se forma ignorando solenemente os esfor\u00e7os de autoconhecimento realizados no Brasil. Exilados espiritualmente em seu pr\u00f3prio pa\u00eds, filiam-se prontamente \u00e0s escolas de moda no estrangeiro, passando a papaguear sua linguagem, a assumir suas poses, a penar suas ang\u00fastias e a encarnar suas preocupa\u00e7\u00f5es. Quando amadurecem como pesquisadores, convertem-se em verdadeiros \u201ccavalos de santo\u201d do s\u00e1bio franc\u00eas ou ingl\u00eas do dia. [36].<\/p>\n<\/blockquote>\n Ao longo dos \u00faltimos quarenta anos, a cr\u00edtica incondicional da gera\u00e7\u00e3o atual vem destruindo as tentativas de forma\u00e7\u00e3o cultural feitas pelas gera\u00e7\u00f5es anteriores, num c\u00edrculo vicioso est\u00e9ril.<\/p>\n Tome-se como exemplo a recente retomada dos valores da Arquitetura Moderna Brasileira. Se, por um lado, esta pesquisa parte do saud\u00e1vel preceito de entender os valores de nossa sociedade, por outro lado \u00e9 preciso que n\u00e3o se percam as conquistas e descobertas das gera\u00e7\u00f5es das d\u00e9cadas de 1980 e 1990: o estudo dos valores cl\u00e1ssicos e atemporais da arquitetura, a cria\u00e7\u00e3o da no\u00e7\u00e3o de significado arquitet\u00f4nico, a preocupa\u00e7\u00e3o ambiental premente, dentre tantos avan\u00e7os.<\/p>\n \u00c9 preciso criar uma polis arquitet\u00f4nica, definindo uma arquitetura lato sensu<\/em> sem perder de vista os valores pr\u00f3prios de cada disciplina, para que saibamos contribuir para a forma\u00e7\u00e3o de nossas cidades como espa\u00e7os constru\u00eddos materialmente \u00edntegros e efetivamente p\u00fablicos. Afinal, a profiss\u00e3o do arquiteto, ela mesma, ao ser n\u00e3o excludente, transforma-se num bem p\u00fablico.<\/p>\n A propriedade urbana cumpre sua fun\u00e7\u00e3o social quando atende \u00e0s exig\u00eancias fundamentais de ordena\u00e7\u00e3o da cidade (…). (BRASIL. Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica Federativa do Brasil, 05 out.1988. Art. 183, \u00a7 2\u00ba.)<\/p>\n<\/blockquote>\n ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: S\u00e9rgio Ferro, Fl\u00e1vio Imp\u00e9rio e Rodrigo Lef\u00e8vre, de artigas aos mutir\u00f5es. S\u00e3o Paulo: Editora 34, 2002. 255p. 1.\u00a0 SANTOS, 1979. p.10. danilo matoso macedo<\/strong>
\nA atividade do arquiteto, como a maior parte das atividades humanas, necessita de seus motivos, de suas metas e balizamentos; e estabelecer e validar alguns deles \u00e9 o que me proponho a fazer aqui, discutindo fun\u00e7\u00f5es p\u00fablicas da arquitetura. Pe\u00e7o ao leitor o indulto pela pretens\u00e3o talvez desmesurada da tentativa de abarcar tema t\u00e3o amplo em espa\u00e7o t\u00e3o reduzido, ficando a ressalva da inevit\u00e1vel necessidade de omiss\u00e3o de assuntos correlatos \u2013 da qual sou consciente.<\/p>\n\n
\nOutra caracter\u00edstica importante \u00e9 o princ\u00edpio da \u2018n\u00e3o exclus\u00e3o\u2019, no consumo destes bens. De fato, em geral, \u00e9 dif\u00edcil ou mesmo imposs\u00edvel, impedir que um determinado indiv\u00edduo usufrua de um bem p\u00fablico [2].<\/p><\/blockquote>\n\n
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\nS\u00e3o in\u00fameros os esfor\u00e7os te\u00f3ricos de identificar uma estrutura ling\u00fc\u00edstica comum \u00e0 arquitetura ocidental: Norberg-Schulz, Charles Moore, Herman Hertzberger e outros assentaram uma s\u00f3lida funda\u00e7\u00e3o nesse sentido. Acredito que a arquitetura de Oscar Niemeyer (na fase de 1957 a 1989), \u00c1lvaro Siza, Louis Kahn e I.M. Pei, por exemplo, s\u00e3o exemplos lapidares de s\u00edntese a partir desse tipo de princ\u00edpio atemporal. O car\u00e1ter cl\u00e1ssico desse tipo de arquitetura n\u00e3o vem ao acaso. Como j\u00e1 foi dito, o Movimento Moderno n\u00e3o mudou o habitus<\/em> elitizante da arquitetura, que a torna nossa atividade prop\u00edcia \u00e0 constru\u00e7\u00e3o de monumentos:<\/p>\n\n
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refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas<\/h3>\n
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\nMARTINS, Bruno. Tipografia popular: pot\u00eancias do ileg\u00edvel na experi\u00eancia do cotidiano. 2005. 100p. Disserta\u00e7\u00e3o (Mestrado em Comunica\u00e7\u00e3o Social) \u2013 Universidade Federal de Minas Gerais \u2013 FAFICH, Belo Horizonte.
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\n______ . As curvas do tempo: mem\u00f3rias. Rio de Janeiro: Revan, 1998. 294p.
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\nSOBREIRA, Fabiano Jos\u00e9 Arc\u00e1dio. A l\u00f3gica da diversidade: complexidade e din\u00e2mica de assentamentos espont\u00e2neos. 2003. 262p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Urbano) \u2013 Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
\nSTEVENS, Garry. O c\u00edrculo privilegiado: fundamentos sociais da distin\u00e7\u00e3o arquitet\u00f4nica. Trad. Lenise Barbosa. Bras\u00edlia: UnB, 2003. 272p.<\/p>\nnotas<\/h3>\n
\n2.\u00a0 GIAMBIAGI, 2000. p.24
\n3.\u00a0 MEIRELLES, 2003. p.491.
\n4.\u00a0 MINIST\u00c9RIO DAS CIDADES, 2004. p.47
\n5.\u00a0 si nous examinons notre activit\u00e9 professionnelle d\u00b4une fa\u00e7on plus objective, nous constatons, qu\u00b4elle se limite exclusivement \u00e0 la solution du probl\u00e8me architectural d\u00b4\u00e9difices isol\u00e9s, publiques, ou de maisons de bourgeois, bref: des constructions qui, logiquement, devraient \u00eatre elimin\u00e9es d\u00b4un \u2018plan directeur\u2019 exact et d\u00e9finitif englobant sans distinction tous les probl`emes architecturaux de nos villes et de notre pays. In: NIEMEYER, 1946. p.90.
\n6.\u00a0 STEVENS, 2003. p.244.
\n7.\u00a0 STEVENS, 2003. p.84.
\n8.\u00a0 STEVENS, 2003. p.91.
\n9.\u00a0 Cf. FRAMPTON, Kenneth. The Deutsche Werkbund. In Modern Architecture: a critical history. 3ed.\u00a0 London\/New York: Thames and Hudson, 1992. p.109-115.
\n10. Esses dois participantes do Werkbund.
\n11. O cap\u00edtulo Livrar-se de todo o esp\u00edrito acad\u00eamico de Pr\u00e9cisions ilustra bem esta nova mentalidade. in LE CORBUSIER, Precis\u00f5es sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. Trad. Carlos Eug\u00eanio de Moura. S\u00e3o Paulo: Cosac & Naify, 2004. p.35-45
\n12. William Curtis ainda nos diz: \u201cWhile Le Corbusier was preaching the virtues of mass-production dwellings and the vision of a transformed modern city, he was supporting himself with a practice based largely upon the construction of private houses, artist\u2019s studios and villas for the well-to-do. In the France of the 20\u2019s, agencies for large scale urban reform were lacking. Even the small-scale Pessac experiment perhaps showed that Le Corbusier\u2019s aesthetics were more suited to \u2018cultured people\u2019 (as Rasmussen put it) than to workers: that the architect\u2019s universal values were more classbound than he might have hoped. In the 1920s \u2018Esprit Nouveau\u2019 was to become the cultural property of upper middle-class bohemia more than any other social group.\u201d In: CURTIS, 2003. p.71.
\n13. \u201cAlguns dias depois que a fam\u00edlia Savoie [sic] havia se mudado para sua famosa casa, a cobertura da sala de estar come\u00e7ou a apresentar vazamentos. Eles ficaram muito aborrecidos e imediatamente chamaram Le Corbusier.
\nQuando este chegou, foi imediatamente levado para inspecionar os danos e sugerir uma solu\u00e7\u00e3o. Ele ficou, por alguns segundos, observando fixamente a \u00e1gua. Finalmente, virou-se para os Savoie [sic] e pediu uma folha de papel em branco. Entregou-a a Le Corbusier. Corbu a colocou em uma mesa pr\u00f3xima, dobrou-a cuidadosamente e fez um barco de papel.
\nCaminhou at\u00e9 o centro da sala, inclinou-se e p\u00f4s o barco dentro d\u00b4\u00e1gua, disse au revoir e foi embora.\u201dANTONIADES, A.C. citado por STEVENS, 2003. p.102.
\n14. STEVENS, 2003. p.113
\n15. NIEMEYER, 1998. p.270
\n16. Para um desenvolvimento deste tema:
\nNa obra de Niemeyer,\u00a0 cf. PEREIRA, Miguel Alves. Arquitetura, texto e contexto: o discurso de Oscar Niemeyer. Bras\u00edlia: UnB, 1997. p. 148-153 e 163-171.
\nNa obra de Artigas, cf. ARANTES, 2002. p.39-48 e p.91-106
\n17. Cf. NIEMEYER, 1998. P.259.
\n18. \u201cEm termos pr\u00e1ticos, podemos destacar quatro tipos de postura que t\u00eam sido aplicados aos assentamentos espont\u00e2neos: remo\u00e7\u00e3o, reloca\u00e7\u00e3o, compartilhamento e melhoria in loco.
\n(…)
\nA reloca\u00e7\u00e3o (…), deslocando a popula\u00e7\u00e3o de baixa renda para conjuntos habitacionais constru\u00eddos em massa nas periferias das grandes cidades, (…) \u00e9 vista como ineficaz e anti-econ\u00f4mica (…), pois al\u00e9m de exigir uma grande concentra\u00e7\u00e3o de recursos, a serem aplicados em curto espa\u00e7o de tempo, exige tamb\u00e9m transforma\u00e7\u00f5es abruptas no modo de vida e nos padr\u00f5es de moradia. Conseq\u00fcentemente, boa parte dos moradores relocados acaba cedendo \u00e0s press\u00f5es da especula\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria, desfazendo-se do im\u00f3vel e ocupando novamente os assentamentos informais das \u00e1reas centrais, alimentando um ciclo vicioso.\u201d In SOBREIRA, 2003. p.22.
\n19. Alguns de seus trabalhos mais recentes est\u00e3o dispon\u00edveis na internet em <http:\/\/www.patternlanguage.com\/><\/a>; . Acesso em 08fev.2006.
\n20. Seus trabalhos est\u00e3o dispon\u00edveis na internet em <http:\/\/homeusers.brutele.be\/kroll\/><\/a>; . Acesso em 08fev.2006.
\n21. FERRO, s\/d., p.16.
\n22. Cf. ARANTES, 2002. p.163.
\n23. Cf. ARANTES, 2002. p.213.
\n24. Cf. ARTIGAS, Jo\u00e3o Batista Vilanova. O desenho. In ______ . Caminhos da Arquitetura. S\u00e3o Paulo: Cosac & Naify, 1999. p.71.
\n25. NIEMEYER, 2001. p.36.
\n26. MARTINS, 2005. p.31.
\n27. Cf. KAPP, Silke. Por que teoria cr\u00edtica da arquitetura? Uma explica\u00e7\u00e3o e uma aporia. In MALLARD, 2005. p.158.
\n28. Refiro-me aqui ao conceito de coisa em si desenvolvido por Heidegger em\u00a0 HEIDEGGER, Martin. The Thing. in Poetry, Language, Thought. New York: Perennial Library. 1971, p. 165-183.
\n29. GUTMAN, Robert. Citado por STEVENS, 2003. p.103.
\n30. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordena\u00e7\u00e3o de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domic\u00edlios 2004.
\n31. Cf. STEVENS, 2003. p.106.
\n32. Cf. STEVENS, 2003. p.170.
\n33. Neste ponto, Stevens aponta que a diversifica\u00e7\u00e3o do campo continua mantendo o n\u00e3o-projetista em condi\u00e7\u00e3o secund\u00e1ria no campo alternativo escolhido \u2013 como patrim\u00f4nio hist\u00f3rico, por exemplo. Entretanto, no Brasil, onde estas outras atividades dificilmente constituem um campo aut\u00f4nomo, o mesmo n\u00e3o aconteceria. Cf. STEVENS, 2003. p.251.
\n34. Cf. STEVENS, 2003. p.223-224.
\n35. Refiro-me aqui ao iluminado texto de Carlos Ant\u00f4nio Brand\u00e3o:, para quem: \u201cTalvez o nosso maior desafio, hoje, seja o de inventar um novo homem. Esse tamb\u00e9m foi o desafio fundamental dos humanistas no in\u00edcio do Renascimento. Antes de mais nada, eles tiveram de elaborar um \u201cprojeto\u201d dos modelos de ser humano e de cidade, contrapostos aos homens e \u00e0s cidades existentes, com seus valores, h\u00e1bitos e modos de pensar e viver. Esse projeto recebeu o nome de Humanismo e a humanidade que ele descreve n\u00e3o existiu plenamente naquela \u00e9poca, nem antes nem depois.(…) Reflex\u00e3o e a\u00e7\u00e3o fecundavam-se reciprocamente: verba e res permanecem tensionando-se, mas unidas, e o pensamento se traduz num artefato, num artefazer, numa a\u00e7\u00e3o destinada a melhorar o mundo ao redor.\u201dBRAND\u00c3O, Carlos Ant\u00f4nio Leite. Humanismo latu sensu. In MALLARD. 2005. p.22-61.
\n36. RIBEIRO, 1978. p.90.<\/p>\n
\nFormado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Pol\u00edticas P\u00fablicas e Gest\u00e3o Governamental (ENAP, 2004). Foi professor de projeto arquitet\u00f4nico na Escola de Arquitetura da UFMG (2003) e no Curso de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB – Bras\u00edlia (2003-2005). \u00c9 Arquiteto da C\u00e2mara dos Deputados desde 2004. Participa de concursos nacionais e internacionais, tendo recebido premia\u00e7\u00f5es em diversos deles. Possui escrit\u00f3rio pr\u00f3prio desde 1996.<\/p>\n