{"id":5572,"date":"2011-03-29T01:39:32","date_gmt":"2011-03-29T04:39:32","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=5572"},"modified":"2012-04-22T10:39:46","modified_gmt":"2012-04-22T13:39:46","slug":"panoramas-da-arquitetura-brasileira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2011\/03\/29\/panoramas-da-arquitetura-brasileira\/","title":{"rendered":"Panoramas da Arquitetura Brasileira"},"content":{"rendered":"
\n

\"\"<\/a>Ruth Verde Zein
\nDanilo Matoso Macedo<\/p>\n<\/div>\n

<\/p>\n

Latin America, for example,
\nstill has no body of theory of its own to show.<\/p>\n

Hanno-Walter Kruft, A history of architectural theory.<\/em><\/p>\n


\n<\/em><\/p>\n

Como \u00e9 o lugar
\nQuando ningu\u00e9m passa por ele?
\nExistem as coisas
\nSem ser vistas?
\n(…)
\nQue fazem, que s\u00e3o
\nas coisas n\u00e3o testadas como coisas,
\nminerais n\u00e3o descobertos \u2013 e algum dia
\no ser\u00e3o?<\/p>\n

Carlos Drummond de Andrade, A suposta exist\u00eancia.<\/em><\/p>\n


\n<\/em><\/p>\n

A s\u00e9rie Panoramas da Arquitetura Brasileira<\/a>,<\/strong> que a partir de agora publicamos na se\u00e7\u00e3o Ensaio e Pesquisa<\/strong><\/a>, tem origem no Simp\u00f3sio Tem\u00e1tico Panoramas da Arquitetura Brasileira Moderna e Contempor\u00e2ne<\/em>a, organizado por Ruth Verde Zein no I ENANPARQ \u2013 Encontro Nacional da Associa\u00e7\u00e3o Nacional de Pesquisa e P\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em Arquitetura e Urbanismo, em 30 de novembro de 2010. Naquele evento, nove autores de panoramas <\/em>apresentaram e discutiram suas obras, seus valores, seus processos de investiga\u00e7\u00e3o e produ\u00e7\u00e3o. A reuni\u00e3o tornou claro o impacto daquelas pesquisas na constitui\u00e7\u00e3o da cultura arquitet\u00f4nica contempor\u00e2nea.<\/p>\n

A historiografia da arquitetura do s\u00e9culo 20 amadureceu um ritual de valora\u00e7\u00e3o de obras e autores para al\u00e9m de seu prest\u00edgio e reconhecimento locais. Com a expans\u00e3o das revistas e das exposi\u00e7\u00f5es, com seus cat\u00e1logos, a consagra\u00e7\u00e3o no pr\u00f3prio campo arquitet\u00f4nico passou a independer do desempenho ou da popularidade das obras. Consolidaram-se assim as fun\u00e7\u00f5es do cr\u00edtico de arquitetura, do curador de exposi\u00e7\u00f5es e do editor de revistas. Suas obras s\u00e3o poss\u00edveis portas de entrada de arquitetos e edif\u00edcios no pante\u00e3o da hist\u00f3ria, e as narrativas desta s\u00e3o influentes elementos formativos das gera\u00e7\u00f5es de arquitetos do presente, num ciclo de reprodu\u00e7\u00e3o de valores.<\/p>\n

Do ponto de vista da organiza\u00e7\u00e3o formal, os produtos desse processo cr\u00edtico e historiogr\u00e1fico poderiam ser divididos em:<\/p>\n

a) colet\u00e2neas de textos, cuja reuni\u00e3o concertada alavanca uma vis\u00e3o narrativa impl\u00edcita;<\/p>\n

b) cat\u00e1logos de obras, cuja sele\u00e7\u00e3o e reuni\u00e3o implicam uma vis\u00e3o cr\u00edtica determinada;<\/p>\n

c) narrativas panor\u00e2micas, ou seja, esfor\u00e7os para propor explicitamente concatena\u00e7\u00f5es de fatos hist\u00f3ricos, obras, autores e ideias;<\/p>\n

A constitui\u00e7\u00e3o desta s\u00e9rie deve por isso ser t\u00e3o plural e irrestrita quanto poss\u00edvel. Orientam-nos por\u00e9m ao menos tr\u00eas objetivos bem determinados. Primeiramente, busca-se explicitar o pr\u00f3prio processo pelo qual as obras s\u00e3o selecionadas e inclu\u00eddas numa determinada cultura arquitet\u00f4nica, cujos valores tornam-se mais claros e pass\u00edveis de aprecia\u00e7\u00e3o cr\u00edtica. Em segundo lugar, compartilham-se as dificuldades, os dilemas e as limita\u00e7\u00f5es que a tarefa envolve, potencialmente servindo de est\u00edmulo e baliza para aqueles que hoje se dedicam a ela. Por fim, pretende-se tratar especificamente do campo de pesquisa que tem por objeto a pr\u00f3pria hist\u00f3ria da arquitetura, e de sua teoria, em nosso pa\u00eds, cuja falta de divulga\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica tem levado a um relativo isolamento intelectual em rela\u00e7\u00e3o ao meio internacional.<\/p>\n

Sintomaticamente, por outro lado, alguns livros panor\u00e2micos cl\u00e1ssicos<\/em> sobre nossa arquitetura s\u00e3o justamente aqueles que, de algum modo, tiveram algum tipo de fecunda\u00e7\u00e3o estrangeira. Desde o cat\u00e1logo elaborado por Philip Goodwin para a exposi\u00e7\u00e3o Brazil Builds<\/em>, realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1943, passando pelo Modern Architecture in Brazil<\/em>, pe\u00e7a encomendada pelo Itamaraty a Henrique Mindlin para divulga\u00e7\u00e3o no exterior\u00a0 em 1956 \u2013 com introdu\u00e7\u00e3o de Sigfried Giedion, at\u00e9 Arquitetura contempor\u00e2nea no Brasil<\/em>, escrito no final da d\u00e9cada de 1960 pelo pesquisador franc\u00eas Yves Bruand, \u2013 e s\u00f3 publicado, em portugu\u00eas, em 1983.<\/p>\n

Tamb\u00e9m no estudo de nossa arquitetura colonial, os textos can\u00f4nicos s\u00e3o provenientes de estudos de estrangeiros, como L\u2019architecture religieuse baroque au Br\u00e9sil<\/em>, de 1956, encomendado pelo IPHAN a Germain Bazin, curador do Louvre; os artigos de John Bury \u2013 compilados por Myriam A. Ribeiro em 1990; e a obra fundamental do norte-americano Robert Chester Smith, publicada na Revista do Patrim\u00f4nio<\/em> desde 1940, bem como em peri\u00f3dicos internacionais. Smith \u00e9 respons\u00e1vel ainda pela introdu\u00e7\u00e3o de um tipo de panorama ainda raro entre arquitetos brasileiros: a bibliografia comentada. \u00c9 dele A guide to the art of Latin America<\/em>, de 1948, e o cap\u00edtulo sobre arte (e arquitetura) do Manual Bibliogr\u00e1fico de estudos brasileiros<\/em>, organizado por William Berrien e Rubens Borba de Moraes no ano seguinte.<\/p>\n

Se estes pesquisadores contaram com o apoio do Itamaraty e do IPHAN, do restrito grupo de intelectuais do patrim\u00f4nio veio o conhecimento e parte da base emp\u00edrica que lhes sustentou. S\u00e3o os trabalhos originais de Lucio Costa, Luis Saia, Joaquim Cardozo, Paulo Santos, seguidos por Sylvio de Vasconcellos e Carlos Lemos \u2013 hegemonia confirmada em autores como Edgar Graeff, Benjamin de Ara\u00fajo Carvalho, Eduardo Mendes Guimar\u00e3es ou Jo\u00e3o Boltshauser. Dentre suas obras panor\u00e2micas destaca-se a influente s\u00edntese Quatro s\u00e9culos de arquitetura<\/em>, de Paulo Santos, escrita em 1965 e publicada como livro em 1977. Na mesma linha, Carlos Lemos publicava o tamb\u00e9m sint\u00e9tico Arquitetura Brasileira<\/em> em 1979, cuja abordagem da arquitetura moderna viria a ser aprofundada no cap\u00edtulo que lhe coube do abrangente Hist\u00f3ria Geral da Arte no Brasil<\/em>, organizado por Walter Zanini em 1983. Juntamente aos estrangeiros, esses autores estabeleceram alguns paradigmas conceituais que desde ent\u00e3o v\u00eam servindo de base para outros estudos e debates sobre a arquitetura brasileira.<\/p>\n

Poucas vis\u00f5es destoavam ent\u00e3o daquele un\u00edssono, como a editoria da revista Habitat<\/em>, conduzida por Lina Bo Bardi nas d\u00e9cadas de 1950 e 1960 \u2013 bastante cr\u00edtica quanto \u00e0 arquitetura carioca \u2013, ou o Quadro da arquitetura no Brasil<\/em>, publicado por Nestor Goulart Reis Filho em 1970, que partia de pressupostos anal\u00edticos urban\u00edsticos, bastante distintos. A partir dos anos 1980, por\u00e9m, a expans\u00e3o da pesquisa e p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em arquitetura ampliou de maneira exponencial a quantidade e qualidade de estudos monogr\u00e1ficos e setoriais sobre os mais variados temas, obras e arquitetos brasileiros.<\/p>\n

Uma nova gera\u00e7\u00e3o passa a propor as suas pr\u00f3prias leituras, revendo, ampliando e questionando as abordagens anteriores e j\u00e1 can\u00f4nicas, divulgando-as inicialmente atrav\u00e9s de artigos pontuais, seja em publica\u00e7\u00f5es n\u00e3o acad\u00eamicas (como a se\u00e7\u00e3o Ensaio & Pesquisa<\/em> da revista Projeto<\/em> ou a se\u00e7\u00e3o Documentos<\/em> da revista AU<\/em>), seja em publica\u00e7\u00f5es universit\u00e1rias (como a revista Oculum<\/em> da PUC-Campinas, entre outros). Paulatinamente esses estudos come\u00e7am a ser publicados em livros cujas abordagens panor\u00e2micas consolidam ou mesmo ultrapassam os paradigmas can\u00f4nicos existentes. A partir do final dos anos 1990, essas publica\u00e7\u00f5es se consolidam, contando-se hoje com alguns panoramas mais amplos, temporal e geograficamente, sobre a arquitetura brasileira. Eles prop\u00f5em novas abordagens visando uma compreens\u00e3o de universos hist\u00f3ricos mais extensos, complexos e n\u00e3o-lineares.<\/p>\n

Esses trabalhos, abordando amplos per\u00edodos de tempo, atingindo ou n\u00e3o o momento contempor\u00e2neo, nascem de uma variedade de posturas conceituais: podem refor\u00e7ar, revalidar e dar continuidade aos enfoques propostos pelos panoramas cl\u00e1ssicos<\/em>; podem contrapor-se ou alternar-se \u00e0quelas leituras; podem buscar estabelecer novos paradigmas e a abertura para outras possibilidades de interpreta\u00e7\u00e3o. Em quaisquer casos, os esfor\u00e7os que vem sendo elaborados nesse sentido podem tamb\u00e9m ser entendidos como releituras da tradi\u00e7\u00e3o da historiografia moderna brasileira, com vistas \u00e0 compreens\u00e3o cr\u00edtica da nossa produ\u00e7\u00e3o contempor\u00e2nea.<\/p>\n

Mas apesar desta produ\u00e7\u00e3o recente, grande parte do ensino e da pr\u00e1tica de arquitetura brasileiros segue empregando, nem sempre de maneira cr\u00edtica, somente aqueles manuais anteriores \u00e0 d\u00e9cada de 1970. Sua leitura, embora \u00fatil e informativa, exuma pautas conceituais afinadas a momentos hist\u00f3ricos passados. Quase sempre proclama de maneira linear, triunfal e frequentemente excludente, a autonomia, a consist\u00eancia, a originalidade e a independ\u00eancia da modernidade arquitet\u00f4nica brasileira, por exemplo.<\/p>\n

Esse recurso aos cl\u00e1ssicos<\/em> \u00e9 natural. At\u00e9 mesmo pela dificuldade inerente a esse tipo de encargo, ainda h\u00e1 relativamente poucos estudos e pesquisas, realizados e publicados, tratando de nossa arquitetura de modo panor\u00e2mico, ou seja, abrangendo de maneira consistente e concertada per\u00edodos temporais ou geogr\u00e1ficos amplos. Talvez o maior indicador dessa escassez seja a quase total aus\u00eancia em nosso pa\u00eds de livros-texto abrangentes que deem conta com razo\u00e1vel profundidade de toda a hist\u00f3ria da arquitetura brasileira, desde a col\u00f4nia at\u00e9 os dias de hoje.<\/p>\n

Por isso, as narrativas de longo curso especificamente s\u00e3o um desafio conceitual importante. Sua produ\u00e7\u00e3o \u00e9 mesmo uma necessidade para aqueles que trabalham com a forma\u00e7\u00e3o, o ensino e a pesquisa. Entretanto, n\u00e3o h\u00e1 seguramente uma maneira certa que determine como realizar tal tarefa; e assim pesquisas ou publica\u00e7\u00f5es tratando panoramicamente da arquitetura brasileira, abrangendo amplos per\u00edodos temporais e\/ou geogr\u00e1ficos, exige dos autores ou organizadores que definam com certa clareza os crit\u00e9rios de inclus\u00e3o (e conseq\u00fcentemente, de exclus\u00e3o) que adotam, os quais assumem de fato uma certa vis\u00e3o de mundo espec\u00edfica, que varia caso a caso.<\/p>\n

Nem sempre por\u00e9m a variedade de abordagens conceituais est\u00e1 clara e explicitamente indicada, e poucas vezes \u00e9 facilmente percept\u00edvel aos leitores. Tal omiss\u00e3o frequentemente est\u00e1 ligada a uma certa compreens\u00e3o vaga e difusa da m\u00edtica exist\u00eancia incons\u00fatil de uma (e apenas uma) arquitetura para cada lugar e per\u00edodo, definida quase sempre de maneira excludente e linear. Esse h\u00e1bito, nascido de uma vis\u00e3o ideologizada, no limite perpetua uma vis\u00e3o excludente da arquitetura contempor\u00e2nea ao ser incapaz de compreender um panorama que j\u00e1 se complexificou exponencialmente. E talvez essa tarefa hoje sequer admita delimita\u00e7\u00f5es excessivamente r\u00edgidas de cunho regional ou nacional, tais como foram celebradas na primeira metade do s\u00e9culo 20.<\/p>\n

No caso brasileiro, esta abordagem un\u00edvoca est\u00e1 relacionada a uma certa confus\u00e3o conceitual entre os temas de identidade nacional e os temas arquitet\u00f4nicos, estes aparentemente apoiando e fomentando aqueles, num v\u00ednculo que \u00e9 sempre refor\u00e7ado embora talvez n\u00e3o seja nem necess\u00e1rio, nem indissol\u00favel, mas cuja presen\u00e7a constante ainda sombreia o campo. Ela impede ou dificulta abordagens multifac\u00e9ticas \u2013 ou que priorizem outros paradigmas que n\u00e3o o da identidade nacional ou o do desenvolvimentismo \u2013 que acalentaram as primeiras vis\u00f5es panor\u00e2micas da arquitetura moderna brasileira.<\/p>\n

Com vistas a levantar estas quest\u00f5es, dentre outras, prop\u00f5e-se, com a s\u00e9rie Panoramas da Arquitetura Brasileira<\/strong><\/a>, o reconhecimento cr\u00edtico de algumas das publica\u00e7\u00f5es de refer\u00eancia, debatendo as perspectivas delineadas pelos projetos, constru\u00e7\u00f5es e pesquisas em andamento nesta primeira d\u00e9cada do s\u00e9culo 21. Inicialmente, a s\u00e9rie contar\u00e1 com os aportes de Marlene Milan Acayaba e Sylvia Ficher, Hugo Segawa, Carlos Eduardo Comas, Roberto Montezuma, Renato Anelli, Ab\u00edlio Guerra, Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein. Pretende-se ainda expandir estas colabora\u00e7\u00f5es com outros autores igualmente fundamentais que n\u00e3o puderam tomar parte do simp\u00f3sio tem\u00e1tico do ENANPARQ devido a conting\u00eancias circunstanciais. Espera-se com isso contribuir para uma compreens\u00e3o ampla e diversa dos processos e discursos formativos de nossa vis\u00e3o historiogr\u00e1fica, abrindo novos caminhos dentro daquilo que se considera arquitetura, e possivelmente iluminando novos campos para o arquiteto \u2013 tanto o projetista quanto o pesquisador.<\/p>\n

\"\"<\/p>\n


\n

Ruth Verde Zein<\/strong>
\nArquiteta, com mestrado (1999) e doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e p\u00f3s-doutorado (2008) pela FAU-USP. Pr\u00eamio Capes 2006 de Teses. \u00c9 professora e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. \u00c9 autora de, entre outros, Brasil: Arquiteturas ap\u00f3s 1950 (com M. A. J. Bastos, Perspectiva, 2010), Sala S\u00e3o Paulo: A Arquitetura da M\u00fasica (com A. R. Di Marco; Altermarket, 2007), Rosa Kliass: Desenhando Paisagens, Moldando uma Profiss\u00e3o (com R. Kliass, Senac, 2006) e O Lugar da Cr\u00edtica: Ensaios Oportunos de Arquitetura (Ritter dos Reis\/Proeditores, 2002).<\/p>\n

Danilo Matoso Macedo<\/strong>
\nArquiteto e Urbanista (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2002), Especialista em Pol\u00edticas P\u00fablicas e Gest\u00e3o Governamental (ENAP, 2004), editor da revista mdc<\/strong>.<\/p>\n


\n

Colabora\u00e7\u00e3o editorial: D\u00e9bora Andrade <\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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