{"id":6686,"date":"2011-09-06T22:59:06","date_gmt":"2011-09-07T01:59:06","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=6686"},"modified":"2011-09-08T15:11:17","modified_gmt":"2011-09-08T18:11:17","slug":"architettura-contemporanea-brasile-arquitetura-brasileira-entre-1957-e-2007","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2011\/09\/06\/architettura-contemporanea-brasile-arquitetura-brasileira-entre-1957-e-2007\/","title":{"rendered":"Architettura Contemporanea : Brasile – arquitetura brasileira entre 1957 e 2007"},"content":{"rendered":"

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Renato Luiz Sobral Anelli<\/p>\n

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O desafio de escrever um livro abrangendo 50 anos de arquitetura no Brasil foi proposto a mim pelo professor Giovanni Leoni, curador da cole\u00e7\u00e3o Architettura Contemporanea<\/em> da editora italiana Motta Architettura [1]<\/a>. At\u00e9 ent\u00e3o as pesquisas desenvolvidas por mim se concentravam em recortes tem\u00e1ticos que passavam por trajet\u00f3rias (como as de Rino Levi e Lina Bo Bardi) ou temas bem definidos, mas pouco explorados anteriormente, tais como arquitetura de cinemas, as rela\u00e7\u00f5es entre as arquiteturas modernas brasileira e italiana e o papel das redes de infraestrutura nas concep\u00e7\u00f5es urban\u00edsticas durante o regime militar. O convite de Leoni foi entendido como uma oportunidade para refletir sobre as novas possibilidades de interpreta\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o arquitet\u00f4nica no Brasil, abertas pelas pesquisas hist\u00f3ricas desenvolvidas nas \u00faltimas duas d\u00e9cadas por v\u00e1rios pesquisadores brasileiros e estrangeiros.<\/p>\n

O formato pr\u00e9-definido dos livros da cole\u00e7\u00e3o \u2013 introdu\u00e7\u00e3o e sele\u00e7\u00e3o de 60 obras, apresentadas atrav\u00e9s de uma foto, um desenho e um texto anal\u00edtico \u2013 condicionou o car\u00e1ter e abrang\u00eancia da linha de argumenta\u00e7\u00e3o, conferindo uma grande responsabilidade na escolha das obras. A produ\u00e7\u00e3o de um livro para p\u00fablico estrangeiro foi outro fator relevante, pois constitui uma forma de apresenta\u00e7\u00e3o do pa\u00eds que exige cuidados espec\u00edficos.<\/p>\n

O recorte temporal de 1957 a 2007 foi a primeira decis\u00e3o: iniciar com os projetos de Bras\u00edlia, e n\u00e3o posteriores a ela, permitiu construir um painel daquilo que era contempor\u00e2neo \u00e0 constru\u00e7\u00e3o da nova capital. Assim, foi mostrado que v\u00e1rias das principais correntes que caracterizariam a produ\u00e7\u00e3o brasileira nas d\u00e9cadas seguintes j\u00e1 estavam presentes no momento de afirma\u00e7\u00e3o da hegemonia moderna. Apesar de Bras\u00edlia significar o \u00e1pice do projeto cultural iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922 e desenvolvido por L\u00facio Costa e Oscar Niemeyer na arquitetura, a produ\u00e7\u00e3o brasileira que lhe era contempor\u00e2nea n\u00e3o se esgotava nele, e tal diversidade teria grande proje\u00e7\u00e3o ap\u00f3s 1960.<\/p>\n

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Datam de 1957 alguns projetos de qualidade excepcional: o Pavilh\u00e3o de S\u00e3o Crist\u00f3v\u00e3o de Sergio Bernardes, com sua estrutura de cabos tensionados, o Gin\u00e1sio do Clube Paulistano de Paulo Mendes da Rocha e Jo\u00e3o De Gennaro, com a estrutura da cobertura apoiada nos v\u00e9rtices de pilares trapezoidais de concreto armado, a sede do MASP na Avenida Paulista (conclu\u00edda apenas em 1968) com seu gigantesco v\u00e3o e as fachadas transparentes. Tr\u00eas exemplos de novos caminhos que se abriam para a arquitetura brasileira no mesmo ano do concurso de Bras\u00edlia.<\/p>\n

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A defini\u00e7\u00e3o de \u201ccontempor\u00e2neo\u201d adotada n\u00e3o pretende contrap\u00f4-lo a um \u201cmoderno\u201d j\u00e1 esgotado ou ultrapassado. Por contempor\u00e2neo entende-se apenas um recorte temporal ao longo do qual se pode verificar constru\u00e7\u00f5es, disputas, cr\u00edticas, renova\u00e7\u00f5es entre v\u00e1rias posi\u00e7\u00f5es definidas historicamente.<\/p>\n

Nesse aspecto, o trabalho se difere de outros que t\u00eam objetivos semelhantes pelos problemas de m\u00e9todo que enfrenta. A no\u00e7\u00e3o de trama historiogr\u00e1fica, desenvolvida por Paul Veyne em seu famoso livro de 1970, j\u00e1 foi utilizada por v\u00e1rios historiadores na revis\u00e3o da historiografia da arquitetura moderna brasileira. Entre eles destaca-se o trabalho do professor Carlos Martins (1988), que apresentou a hist\u00f3ria da arquitetura brasileira como a constru\u00e7\u00e3o de uma trama historiogr\u00e1fica iniciada por L\u00facio Costa, aprimorada nos livros de Goodwin, Mindlin e Bruand e conduzida de modo a afirmar a hegemonia da produ\u00e7\u00e3o derivada de suas pr\u00f3prias proposi\u00e7\u00f5es. A revis\u00e3o dessa historiografia, iniciada na d\u00e9cada de 1980, teve diversos agentes, cada qual adotando m\u00e9todos espec\u00edficos. Em comum encontramos a amplia\u00e7\u00e3o do campo historiogr\u00e1fico em v\u00e1rias dire\u00e7\u00f5es e a defini\u00e7\u00e3o de encadeamentos formando novas tramas narrativas.<\/p>\n

As diferen\u00e7as dentro desse novo campo s\u00e3o t\u00e3o evidentes que seria inadequado trat\u00e1-las como um bloco ou um movimento. Da cr\u00edtica produzida nas revistas \u2013 incrivelmente f\u00e9rteis na d\u00e9cada de 1980 \u2013 \u00e0s pesquisas acad\u00eamicas desenvolvidas nas universidades, realiza-se o \u201cescrut\u00ednio\u201d da arquitetura moderna brasileira, l\u00facida proposta de Carlos Comas em um momento em que o moderno se apresentava internacionalmente como j\u00e1 superado pelo p\u00f3s-modernismo. A tens\u00e3o entre moderno e p\u00f3s-moderno \u00e9 algo constitutivo do per\u00edodo e marca de modo indel\u00e9vel as posi\u00e7\u00f5es te\u00f3ricas tanto quanto a redemocratiza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds e o esvaziamento do estado nacional nas d\u00e9cadas de 1980 e 1990.<\/p>\n

A dist\u00e2ncia de mais de vinte anos do in\u00edcio da constru\u00e7\u00e3o de uma nova hist\u00f3ria da arquitetura brasileira exigiu que ela fosse tratada no livro como um objeto constitutivo da arquitetura contempor\u00e2nea no Brasil. N\u00e3o s\u00e3o apresentadas apenas as obras selecionadas, procura-se discutir as tramas constru\u00eddas nesse per\u00edodo que tornam tais exemplos relevantes at\u00e9 os nossos dias.<\/p>\n

O cuidado tomado nesse exame foi o de evitar entender essa multiplicidade de posi\u00e7\u00f5es como linhas constru\u00eddas de modo independente ou arbitr\u00e1rio ao longo do tempo. Risco inerente ao pr\u00f3prio m\u00e9todo da hist\u00f3ria constitu\u00edda por tramas narrativas que se contrap\u00f4s aos grandes sistemas explicativos que fundamentavam a historiografia moderna at\u00e9 ent\u00e3o hegem\u00f4nica.<\/p>\n

A op\u00e7\u00e3o foi procurar identificar como o campo disciplinar da arquitetura se transformou e se posicionou na din\u00e2mica hist\u00f3rica do pa\u00eds ao longo desses 50 anos. Um per\u00edodo caracterizado por fortes marcas pol\u00edticas, tais como uma ruptura institucional do regime democr\u00e1tico que perdurou por mais de 20 anos; a coincid\u00eancia entre redemocratiza\u00e7\u00e3o e crise econ\u00f4mica que levou \u00e0 desmontagem do estado nacional em um processo que combina o fortalecimento da sociedade civil com a emerg\u00eancia do neoliberalismo; e por fim um terceiro per\u00edodo, no qual ocorre a retomada do desenvolvimento do pa\u00eds ap\u00f3s d\u00e9cadas de estagna\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica. Esses tr\u00eas momentos n\u00e3o formam per\u00edodos estanques, mas se entrela\u00e7am de modo articulado atrav\u00e9s de continuidades e transforma\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

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O primeiro per\u00edodo se inicia com o concurso de Bras\u00edlia, momento de afirma\u00e7\u00e3o do moderno como parte constitutiva do desenvolvimentismo e segue at\u00e9 meados da d\u00e9cada de 1970 quando o crescimento acelerado do pa\u00eds se encerrou. S\u00e3o analisadas tanto as rupturas produzidas pelo golpe militar, quanto as continuidades ocorridas devido ao car\u00e1ter desenvolvimentista dos anos de ditadura.<\/p>\n

A emerg\u00eancia das teorias do subdesenvolvimento e da depend\u00eancia no final da d\u00e9cada de 1950 redefiniu o projeto modernista iniciado em 1922. De uma posi\u00e7\u00e3o de conquista da hegemonia da representa\u00e7\u00e3o da identidade nacional, a cultura moderna se estendeu para o popular, buscando a\u00ed as possibilidades de a\u00e7\u00e3o pol\u00edtica de transforma\u00e7\u00e3o social.<\/p>\n

Nos anos de Guerra Fria, uma nova posi\u00e7\u00e3o arquitet\u00f4nica de esquerda se afirmou a partir de S\u00e3o Paulo. Atuando no mesmo Partido Comunista Brasileiro que Niemeyer, Vilanova Artigas iniciou a d\u00e9cada de 1950 criticando politicamente Le Corbusier e Walter Gropius. Na discuss\u00e3o sobre a obra de Niemeyer, Artigas defendia a retomada dos compromissos sociais iniciais das vanguardas modernas e se torna o l\u00edder de uma escola arquitet\u00f4nica, cujos principais disc\u00edpulos, Paulo Mendes da Rocha, Joaquim Guedes e Sergio Ferro, elaboraram diferentes caminhos para arquitetura contempor\u00e2nea.<\/p>\n

O aprofundamento dessa radicaliza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica do per\u00edodo pode ser acompanhada pelas trajet\u00f3rias de Sergio Ferro e Lina Bo Bardi, que prop\u00f5em um maior engajamento dos arquitetos na transforma\u00e7\u00e3o social do pa\u00eds. Ferro o fez a partir do enfoque produtivo, utilizando-se dos m\u00e9todos da economia pol\u00edtica marxista. Lina Bo Bardi atrav\u00e9s da cultura popular e da atua\u00e7\u00e3o nos campos da arte, arquitetura e design.<\/p>\n

\"\"<\/a>O livro destaca ainda a contemporaneidade entre a constru\u00e7\u00e3o de Bras\u00edlia e o fen\u00f4meno de metropoliza\u00e7\u00e3o paulistana. Enquanto a regi\u00e3o central consolidava seu car\u00e1ter sofisticado de metr\u00f3pole cosmopolita, a r\u00e1pida expans\u00e3o das \u00e1reas urbanizadas atrav\u00e9s de loteamentos prec\u00e1rios para abrigar os imigrantes pobres, revelava a face perversa da industrializa\u00e7\u00e3o brasileira. Evitou-se entender S\u00e3o Paulo dentro de uma perspectiva isolada do processo nacional, pois foi nesta cidade que se manifestaram por primeiro essas novas caracter\u00edsticas do processo de industrializa\u00e7\u00e3o do pa\u00eds \u2013 intenso crescimento demogr\u00e1fico para suprir a ind\u00fastria com m\u00e3o de obra de baixo custo abrigada pela produ\u00e7\u00e3o informal da cidade. Um novo quadro urbano e social que motivou as diretrizes propostas pelos arquitetos para enfrentar o processo de urbaniza\u00e7\u00e3o acelerada, reunidas no Semin\u00e1rio Nacional de Habita\u00e7\u00e3o e Reforma Urbana \u2013 planejamento urbano e industrializa\u00e7\u00e3o da constru\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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Entende-se que foi a pertin\u00eancia dessas formula\u00e7\u00f5es que levaram \u00e0 sua absor\u00e7\u00e3o pelo regime militar (apesar de destitu\u00eddas dos instrumentos contr\u00e1rios aos princ\u00edpios conservadores do regime) em institui\u00e7\u00f5es, como o BNH e o SERFHAU, abrindo espa\u00e7o para a participa\u00e7\u00e3o de um grande contingente de arquitetos na atua\u00e7\u00e3o do estado, mesmo ap\u00f3s a repress\u00e3o do golpe e do endurecimento do AI5. Tanto na introdu\u00e7\u00e3o quanto na sele\u00e7\u00e3o de obras presentes no livro, s\u00e3o destacados os projetos inseridos na atua\u00e7\u00e3o dessas duas institui\u00e7\u00f5es: habita\u00e7\u00e3o social, pr\u00e9-fabrica\u00e7\u00e3o, infra-estrutura urbana s\u00e3o as \u00e1reas nas quais a arquitetura elabora proposi\u00e7\u00f5es inovadoras ainda que distantes da demanda social do pa\u00eds.<\/p>\n

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Para a pol\u00edtica habitacional foram selecionados tr\u00eas grandes conjuntos que apresentam diferentes concep\u00e7\u00f5es de processos construtivos e forma urbana. O Zezinho Magalh\u00e3es em Guarulhos (Artigas com Paulo Mendes da Rocha e F\u00e1bio Penteado, 1967), com sua malha urbana geom\u00e9trica e uma adapta\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio de unidade de vizinhan\u00e7a; o Padre Manoel da N\u00f3brega em Campinas (Joaquim Guedes, 1974), com os blocos agrupados de modo sinuoso formando espa\u00e7os de viv\u00eancia diferenciados; e o conjunto de Cafund\u00e1 no Rio de Janeiro, nos quais os blocos articulados apresentam clara continuidade para configurar ruas externas arborizadas e dotadas de equipamentos de servi\u00e7os (Sergio Magalh\u00e3es e equipe, 1977). Uma seq\u00fc\u00eancia que demonstra a progressiva assimila\u00e7\u00e3o de paradigmas urban\u00edsticos disseminados pelo Team X em contraposi\u00e7\u00e3o aos da Carta de Atenas.<\/p>\n

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Para o papel estrat\u00e9gico da infra-estrutura urbana, foram escolhidos projetos de reurbaniza\u00e7\u00e3o e equipamentos p\u00fablicos associados \u00e0 rede do Metr\u00f4 de S\u00e3o Paulo, tais como o conjunto intermodal da Esta\u00e7\u00e3o de Metr\u00f4 Tiet\u00ea (Marcelo Fragelli, 1968) e Rodovi\u00e1ria Tiet\u00ea (Roberto Mac Fadden e Renato Viegas, 1982), o projeto de reurbaniza\u00e7\u00e3o junto \u00e0 Esta\u00e7\u00e3o Concei\u00e7\u00e3o (Emurb, Promon, Ita\u00faplan, 1974-1986) e o Centro Cultural S\u00e3o Paulo na \u00e1rea de reurbaniza\u00e7\u00e3o da Esta\u00e7\u00e3o S\u00e3o Joaquim do Metr\u00f4 (Eurico Prado Lopes e Luis Telles, 1974-1977). Tr\u00eas grandes interven\u00e7\u00f5es associadas ao sistema de transporte de massas que introduziram novas abordagens para a arquitetura brasileira, tornando-a mais complexa e urbana.<\/p>\n

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Nesse per\u00edodo \u00e9 tamb\u00e9m analisada a escolha da arquitetura moderna pelos governos militares para a constru\u00e7\u00e3o de seus principais edif\u00edcios representativos. A monumentalidade que caracterizou a arquitetura moderna brasileira desde a constru\u00e7\u00e3o do Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o e Sa\u00fade foi levada ao paroxismo, em especial nos anos do \u201cmilagre econ\u00f4mico\u201d, produzindo uma desconfort\u00e1vel associa\u00e7\u00e3o entre as formas modernas e o estado militar. Associa\u00e7\u00e3o que pode ser um dos respons\u00e1veis pela for\u00e7a do anti-modernismo que aflorou durante os anos da redemocratiza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O conjunto de sedes da Petrobr\u00e1s e BNDES constru\u00eddos no come\u00e7o da d\u00e9cada de 1970 na Avenida Chile, no Rio de Janeiro s\u00e3o exemplares dos superlativos arquitet\u00f4nicos associados ao regime militar.<\/p>\n

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O segundo per\u00edodo se inicia no final da d\u00e9cada de 1970, com a eclos\u00e3o dos movimentos sociais pela democracia e se encerra no come\u00e7o da d\u00e9cada de 1990, quando o primeiro presidente eleito diretamente passa a implantar o programa neoliberal. Identifica-se uma combina\u00e7\u00e3o entre dois p\u00f3los pol\u00edticos na cr\u00edtica ao estado nacional. Por um lado, os movimentos sociais constitu\u00edram um agente complexo, que envolveu variados esfor\u00e7os de constitui\u00e7\u00e3o e fortalecimento da sociedade civil de modo independente ao estado autorit\u00e1rio. Por outro, a pol\u00edtica liberal que se afirmava internacionalmente alterava as concep\u00e7\u00f5es do papel do estado na economia introduzidas no pa\u00eds ap\u00f3s a Revolu\u00e7\u00e3o de 1930. A peculiar combina\u00e7\u00e3o desses dois movimentos pol\u00edticos levou ao esvaziamento do estado, fosse para o fortalecimento de modos de democracia direta e participativa, fosse para a redu\u00e7\u00e3o de gastos p\u00fablicos e na privatiza\u00e7\u00e3o da a\u00e7\u00e3o p\u00fablica em v\u00e1rios setores estrat\u00e9gicos.<\/p>\n

No livro s\u00e3o analisados tr\u00eas movimentos que no campo da arquitetura conduzem \u00e0 revis\u00e3o tanto da arquitetura moderna, quanto da rela\u00e7\u00e3o entre arquitetura, estado e sociedade: experimentalismo, regionalismo e p\u00f3s-modernismo.<\/p>\n

Experimentalismo<\/h4>\n

Do car\u00e1ter inovador e experimental de muitas produ\u00e7\u00f5es desses anos, interessa-nos aquelas desenvolvidas para propiciar a aproxima\u00e7\u00e3o entre a arquitetura e os movimentos sociais por moradia e servi\u00e7os p\u00fablicos, ocorrida nos anos finais do regime militar. Reuniu-se a concep\u00e7\u00e3o de est\u00edmulo \u00e0 organiza\u00e7\u00e3o aut\u00f4noma de segmentos sociais com as experimenta\u00e7\u00f5es formais e construtivas realizadas por um amplo e heterog\u00eaneo conjunto de arquitetos \u2013 da contra-cultura hippie aos grupos de esquerda. Um conjunto que vai das proposi\u00e7\u00f5es do Grupo Arquitetura Nova \u00e0s Assessorias T\u00e9cnicas a Movimentos Sociais, passando pelos Laborat\u00f3rios de Habita\u00e7\u00e3o criados no ambiente acad\u00eamico no come\u00e7o da d\u00e9cada de 1980. Pesquisavam-se as formas vernaculares de constru\u00e7\u00e3o como fonte de inspira\u00e7\u00f5es para a cria\u00e7\u00e3o de sistemas construtivos leves que pudessem facilitar a autoconstru\u00e7\u00e3o e auto-gest\u00e3o dos movimentos sociais por moradia, Uma forma de atua\u00e7\u00e3o na qual se explicita e operacionaliza o car\u00e1ter pol\u00edtico da tecnologia. Surgem nesse momento novos modos de atua\u00e7\u00e3o profissional que sobreviveriam \u00e0 institucionaliza\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica, mesmo ap\u00f3s o enfraquecimento do projeto pol\u00edtico de autonomia social na d\u00e9cada de 1990.<\/p>\n

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Regionalismo<\/h4>\n

A associa\u00e7\u00e3o entre estado nacional e autoritarismo do per\u00edodo militar inverteu o significado da constru\u00e7\u00e3o da identidade nacional moderna. De uma cultura nacional que incorporava na sua constru\u00e7\u00e3o diversas especificidades da cultura popular, partiu-se para a valoriza\u00e7\u00e3o das diferen\u00e7as identificadas nas diversas regi\u00f5es com o objetivo de fragmenta\u00e7\u00e3o da unidade cultural nacional moderna, constru\u00edda desde a d\u00e9cada de 1930. Um entendimento que certamente condicionou a recep\u00e7\u00e3o local dos conceitos de regionalismo cr\u00edtico. Baseado nesse entendimento do regionalismo surgido na d\u00e9cada de 1980, o livro procura entender como um conjunto de produ\u00e7\u00f5es arquitet\u00f4nicas emergidas ainda no processo de difus\u00e3o da arquitetura moderna para localidades distantes do Rio de Janeiro passou a ser identificado como raiz de identidades regionais difusas pelo pa\u00eds.<\/p>\n

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Foram selecionadas uma seq\u00fc\u00eancia de obras que abrangem essa transforma\u00e7\u00e3o no sentido da produ\u00e7\u00e3o fora dos grandes centros. Em Recife os edif\u00edcios Santo Ant\u00f4nio (Ac\u00e1cio Gil Bors\u00f3i, 1960) e Bar\u00e3o do Rio Branco (Delfim Amorim e Heitor Maia Neto, 1965) n\u00e3o apresentam nenhuma inflex\u00e3o regional al\u00e9m dos dispositivos de adequa\u00e7\u00e3o ao clima. Em Porto Alegre o Edif\u00edcio FAM (Carlos Fayet, Cl\u00e1udio Ara\u00fajo e Moacyr Moojen Marques, 1964) incorpora as varandas e sombreamentos de modo rigorosamente abstrato. A sede da CHESF em Salvador (Francisco Assis Reis, 1976) realiza um micro-clima sombreado incorporando mais as concep\u00e7\u00f5es de planta e de constru\u00e7\u00e3o em alvenaria portante de Louis Kahn do que as especificidades da cultura local. Apesar de toda evoca\u00e7\u00e3o discursiva \u00e0s especificidades locais, apenas com a recep\u00e7\u00e3o brasileira do regionalismo cr\u00edtico no come\u00e7o da d\u00e9cada de 1980 que a obra de Severiano Mario Porto na Amaz\u00f4nia assumiria o car\u00e1ter emblem\u00e1tico desse novo regionalismo no Brasil (Pousada na Ilha de Silves, 1979).<\/p>\n

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\"\"<\/a>P\u00f3s-modernismo<\/h4>\n

Entre as v\u00e1rias concep\u00e7\u00f5es abrigadas sob o r\u00f3tulo de p\u00f3s-moderno, duas encontraram terreno f\u00e9rtil na situa\u00e7\u00e3o brasileira da d\u00e9cada de 1980.A obra do trio mineiro Maia, Vasconcelos e Podest\u00e1 apontava a cultura midi\u00e1tica de massas como fonte de uma arquitetura pop carregada de ironia, dando novas fei\u00e7\u00f5es ao popular. Nada representa melhor o grau provocativo dessa ironia do que a \u201cRainha da Sucata\u201d na Pra\u00e7a da Liberdade em Belo Horizonte (\u00c9olo Maia e Sylvio Podest\u00e1, 1984).Em outro extremo, a retomada historicista dos procedimentos disciplinares acad\u00eamicos manifestava-se em v\u00e1rios concursos de projeto, associados a novos instrumentos de an\u00e1lise e proposi\u00e7\u00e3o da forma urbana. O projeto do SESC em Nova Igua\u00e7u (Bruno Padovano e Hector Vigliecca, 1985) demonstrava as tens\u00f5es entre essa retomada dos modelos urbanos do s\u00e9culo XIX com a realidade das periferias prec\u00e1rias brasileiras.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Enquanto a primeira abordagem se esgotou poucos anos ap\u00f3s o impacto da provoca\u00e7\u00e3o inicial, o apelo urban\u00edstico da segunda sobreviveu na contraposi\u00e7\u00e3o do urban design ao planejamento urbano, enfraquecido tamb\u00e9m politicamente durante a redemocratiza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds.<\/p>\n

Em meio ao enfrentamento entre os propositores dessas novas posi\u00e7\u00f5es e os arquitetos de orienta\u00e7\u00e3o moderna que ocupavam ent\u00e3o as principais institui\u00e7\u00f5es profissionais, o desenvolvimento do sistema de pesquisa e p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o na \u00e1rea de arquitetura e urbanismo tornou-se um p\u00f3lo catalisador de reflex\u00f5es de maior f\u00f4lego que pretendessem ultrapassar os limites da cr\u00edtica nas revistas. No livro \u00e9 apontado o papel de um conjunto de professores que ao propor o estudo da arquitetura moderna brasileira como fen\u00f4meno hist\u00f3rico, cria novas condi\u00e7\u00f5es de interpreta\u00e7\u00e3o da obra de seus principais expoentes.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

O acompanhamento da recep\u00e7\u00e3o e cr\u00edtica de tr\u00eas obras de Oscar Niemeyer (Parque Tiet\u00ea – 1986, Memorial da America Latina – 1988 e MAC Niter\u00f3i – 1992) e uma de Paulo Mendes da Rocha (MUBE, 1986), todas projetadas ap\u00f3s a metade da d\u00e9cada de 1980, conduz a an\u00e1lise das inflex\u00f5es e renova\u00e7\u00f5es que abrem uma nova fase para a arquitetura moderna no Brasil nas d\u00e9cadas seguintes.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

O terceiro per\u00edodo inicia-se com as transforma\u00e7\u00f5es nas atividades do estado na promo\u00e7\u00e3o do planejamento urbano e desenvolvimento nacional a partir de 1990, enfatizando suas implica\u00e7\u00f5es para a din\u00e2mica urbana e social brasileira, e encerra-se na data de produ\u00e7\u00e3o do livro, quando os sinais de uma retomada do desenvolvimento do pa\u00eds se tornavam evidentes.<\/p>\n

O primeiro aspecto apontado nesse per\u00edodo \u00e9 o descolamento do movimento de renova\u00e7\u00e3o da arquitetura moderna das posi\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e ideol\u00f3gicas que caracterizaram o seu desenvolvimento no passado: a constru\u00e7\u00e3o da identidade nacional e a a\u00e7\u00e3o de planejamento centralizado no estado.<\/p>\n

A aus\u00eancia de uma pol\u00edtica urbana nacional fica expressa no descompasso entre a apresenta\u00e7\u00e3o da emenda popular de reforma urbana \u00e0 Assembl\u00e9ia Constituinte de 1988 e a promulga\u00e7\u00e3o do Estatuto da Cidade em 2001. Nesse intervalo, a a\u00e7\u00e3o de planejamento ficou restrita \u00e0s iniciativas municipais, acentuando a fragmenta\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica urbana brasileira. Apenas em 2003 criou-se uma estrutura federal para isso, o Minist\u00e9rio das Cidades.<\/p>\n

O agravamento dos conflitos urbanos acompanhou a r\u00e1pida extens\u00e3o das periferias pobres e a cria\u00e7\u00e3o de condom\u00ednios fechados de alta renda, ambos expandindo as cidades para vastas \u00e1reas rurais ou naturais e esvaziando os centros urbanos tradicionais. A cidade esteve fora da possibilidade de a\u00e7\u00e3o dos arquitetos, apesar da grande produ\u00e7\u00e3o te\u00f3rica sobre ela. Com poucas exce\u00e7\u00f5es, enfraqueceu-se o v\u00ednculo entre arquitetura e urbanismo que caracterizou a produ\u00e7\u00e3o brasileira nos anos anteriores. As obras escolhidas para representar esse per\u00edodo no livro fazem parte desse processo. Casas com projetos inovadores situadas em condom\u00ednios fechados ou bairros de elite s\u00e3o contrapostas a equipamentos e conjuntos de habita\u00e7\u00e3o social nas periferias, compondo as duas principais faces da arquitetura e do urbanismo brasileiro no per\u00edodo.<\/p>\n

\"\"<\/a>O livro apresenta v\u00e1rias casas de alta qualidade formal, como as de Marcos Acayaba em Tijucopava (1996) e a resid\u00eancia Mariante em Aldeia da Serra (MMBB, 2001) nas quais as qualidades modernas da transpar\u00eancia e continuidade espacial se realizam em condom\u00ednios fechados, distantes tanto das condi\u00e7\u00f5es urbanas, quanto das naturais. Para os equipamentos sociais foram escolhidos, entre outros, os Centros Educacionais Unificados \u2013 CEU (Alexandre Delijaicov, Andr\u00e9 Takiya e Wanderley Ariza, 2002), impressionante rede de centros de catalisa\u00e7\u00e3o social nas periferias de S\u00e3o Paulo.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Como toda hist\u00f3ria recente (ou imediata), o per\u00edodo carece de sedimenta\u00e7\u00e3o anal\u00edtica para o lan\u00e7amento de hip\u00f3teses explicativas mais aprofundadas. Por isso optou-se por uma finaliza\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s da sele\u00e7\u00e3o de algumas obras que apontam novas perspectivas em tr\u00eas temas considerados como desafios para o futuro da arquitetura: o enfrentamento da condi\u00e7\u00e3o metropolitana, a sustentabilidade ambiental, e a substitui\u00e7\u00e3o da cultura popular pela cultura de massas.<\/p>\n

A estrutura narrativa aqui apresentada constitui um sistema de balizas que conduz o texto introdut\u00f3rio e as apresenta\u00e7\u00f5es da sele\u00e7\u00e3o de obras do livro \u201cArchitettura Contemporanea: Brasile<\/em>\u201d. Apesar de se pensar a hist\u00f3ria da arquitetura como parte da hist\u00f3ria social, evita-se o risco de entend\u00ea-la como mera ilustra\u00e7\u00e3o dos acontecimentos. Pelo contr\u00e1rio, procurou-se identificar os momentos nos quais projetos, obras, propostas e escritos foram agentes ativos do desenvolvimento do pa\u00eds. Momentos que contrastam com aqueles nos quais as condi\u00e7\u00f5es de produ\u00e7\u00e3o da arquitetura se alteraram devido a processos nos quais ela teve pouca participa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O formato da cole\u00e7\u00e3o, onde as obras s\u00e3o apresentadas por uma foto de p\u00e1gina inteira, um desenho e um texto anal\u00edtico, acentua um modo de entender a hist\u00f3ria da arquitetura atrav\u00e9s de sua produ\u00e7\u00e3o projetual. O estudo dessa produ\u00e7\u00e3o trouxe subs\u00eddios para a constru\u00e7\u00e3o das narrativas que conduzem o livro, mas foi a coer\u00eancia destas que dirigiu a sele\u00e7\u00e3o final das obras. As fortes imagens dos projetos escolhidos constroem um mosaico articulado por seq\u00fc\u00eancias e encadeamentos explicitados nos texto, mas pass\u00edveis de serem identificados com a simples observa\u00e7\u00e3o atenta dessas pe\u00e7as gr\u00e1ficas.<\/p>\n

Por \u00faltimo \u00e9 importante destacar que o volume do Brasil est\u00e1 inserido em um lugar especial dentro da cole\u00e7\u00e3o Architettura Contemporanea<\/em>, da qual j\u00e1 foram publicados outros sete volumes na It\u00e1lia. Entre os volumes espanhol, su\u00ed\u00e7o, holand\u00eas, norte-americano e japon\u00eas, talvez seja ao lado do livro dedicado \u00e0 \u00cdndia [2]<\/a> que ele melhor se situe. Em ambos, os autores optaram por apresentar a arquitetura em conson\u00e2ncia com os ricos processos hist\u00f3ricos que os dois pa\u00edses passaram para a sua constru\u00e7\u00e3o como na\u00e7\u00f5es modernas. Compara\u00e7\u00f5es somente poss\u00edveis gra\u00e7as ao formato leve da cole\u00e7\u00e3o, essa sim capaz de formar um amplo panorama da arquitetura contempor\u00e2nea internacional.<\/p>\n


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notas<\/h3>\n

[1]<\/a> A cole\u00e7\u00e3o Architettura Contemporanea<\/em> \u00e9 editada pela 24 Ore Motta Editora, de Mil\u00e3o desde 2007. A partir de 2009 a cole\u00e7\u00e3o est\u00e1 sendo publicada na Fran\u00e7a pela editora Actes Sud.
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[2]<\/a> R\u00d6SSL, Stefania. Architettura Contemporanea<\/em> : India. Milano : Motta Architettura, 2009.<\/p>\n

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refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas<\/h3>\n

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Refer\u00eancia do livro:<\/p>\n

Em italiano:<\/p>\n

Anelli, Renato. Architettura Contemporanea : Brasile<\/em>. Milano : Motta Architettura, 2008. 144p.<\/p>\n

Em franc\u00eas:<\/p>\n

Anelli, Renato. Architectures Contemporaines : Br\u00e9sil<\/em>. Trad. Christine Piot. Arles : Actes Sud, 2009. 144p.<\/p>\n

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Renato Luiz Sobral Anelli<\/strong>
\nArquiteto (FAU PUCCAMP, 1982), Mestre em Hist\u00f3ria (IFCH UNICAMP, 1990), Doutor (FAU USP, 1995), Livre-Docente (EESC USP, 2001). Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de S\u00e3o Carlos, Universidade de S\u00e3o Paulo.<\/p>\n


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Colabora\u00e7\u00e3o editorial: Luciana Jobim<\/span><\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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