{"id":8257,"date":"2012-12-20T22:12:14","date_gmt":"2012-12-21T01:12:14","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=8257"},"modified":"2013-01-05T00:12:24","modified_gmt":"2013-01-05T03:12:24","slug":"velorio-de-oscar-niemeyer-eu-fui","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2012\/12\/20\/velorio-de-oscar-niemeyer-eu-fui\/","title":{"rendered":"Vel\u00f3rio de Oscar Niemeyer: eu fui!"},"content":{"rendered":"
<\/a><\/p>\n Eduardo Pierrotti Rossetti<\/p>\n <\/a><\/p>\n <\/a><\/p>\n Longe de qualquer tra\u00e7o de ironia, o t\u00edtulo acima traduz certa surpresa e cont\u00e9m outra dose de acaso. O fato que \u00e9 que eu participei do vel\u00f3rio de Oscar Niemeyer no Pal\u00e1cio do Planalto em Bras\u00edlia. Eu gostaria de ter participado do vel\u00f3rio do Ayrton Senna e me lembro da como\u00e7\u00e3o que foi o enterro de Tancredo Neves, mas nunca imaginei que participaria de um tal fato hist\u00f3rico, mesmo sabendo que o falecimento de Niemeyer estivesse se tornando algo ainda mais eminente nas \u00faltimas semanas.<\/p>\n Ontem, dia 5 de dezembro, era uma data em que somente havia a lembran\u00e7a da data do anivers\u00e1rio de Lina Bo Bardi. Quando soube do passamento de Niemeyer me lembrei da conversa telef\u00f4nica que havia travado com uma amiga em que comentava que o estado de sa\u00fade de Niemeyer me parecia mais triste do que preocupante, pois sua lucidez devia lhe informar que ainda estava numa U.T.I., etc, e segui a conversa lembrando que Lucio Costa havia falecido num contexto cotidiano, de maneira suave. Mas n\u00e3o foi assim que a \u201ca Indesejada das gentes\u201d chegou (…e nesse assunto sempre me lembro de meu av\u00f4 que tinha paura<\/em> de morrer em hospital!). Pois bem, quando soube, havia acabado de corrigir trabalhos universit\u00e1rios, justo quando uma chuva intensa e r\u00e1pida caiu na ponta da Asa Norte. Desliguei a m\u00fasica, fiquei quieto, fui pra varanda olhei as poucas estrelas entre as nuvens e me sentei numa poltrona.<\/p>\n Fiquei pensando nas duas vezes em que havia visto Niemeyer (1996 e 2009), no fato de eu ter me tornado arquiteto com ele na ativa, que aos 89 anos inaugurava o Museu em Niter\u00f3i e dominava novamente as p\u00e1ginas de revistas, mostrando seu dom\u00ednio e sua condi\u00e7\u00e3o plena de trabalho. Em 1996, Niemeyer fez uma palestra memor\u00e1vel no Sal\u00e3o Caramelo da FAU-USP, para milhares de estudantes: ele andava de um lado para outro, desenhava e dizia frases j\u00e1 conhecidas, mas era o pr\u00f3prio g\u00eanio, ali, a alguns metros, que impressionava e impactava a todos com sua agudeza, com sua precis\u00e3o e com sua plenitude. Depois, em 2009, acompanhando o arquiteto Andrey Schlee \u2014ent\u00e3o Diretor da FAU-UnB\u2014 numa palestra de Niemeyer para os estudantes, ocorrida num de seus edif\u00edcios em Niter\u00f3i! A lucidez parecia intacta, e mesmo que o vigor f\u00edsico n\u00e3o fosse o mesmo, ele, qual Beethoven, continuava a vislumbrar novas obras, novas formas, projetos em diferentes pa\u00edses, produzindo, inventando ou re-inventando!<\/p>\n Segui pensando, folhei um livro, olhei outros, ponderei tomar um whisky, mas nada interessava muito. Vingou mais meia hora de sil\u00eancio que foi quebrada pela vers\u00e3o instrumental de Veleno<\/em>, de Marina Lima, seguida de Take Five<\/em>, de Dave Brubeck, repetida umas cinco vezes e, finalmente, muitas faixas de Tom Jobim. Imagina, imagina..<\/em>. e o Trem Azul<\/em> trouxe outras mem\u00f3rias, ideias soltas, frases esparsas: coisas que havia conversado com os alunos, desenhos, a lembran\u00e7a da primeira vez que vi a Pampulha, a primeira vez que vim a Bras\u00edlia, as anota\u00e7\u00f5es em desenhos do acervo do Itamaraty, fotos dele durante a constru\u00e7\u00e3o da cidade, a visita ao Planalto em obras em 2010 quando, por dever de of\u00edcio, pude subir e descer a rampa…<\/p>\n Vai tua vida..<\/em>.<\/strong><\/p>\n Morar em Bras\u00edlia recuperou li\u00e7\u00f5es de arquitetura, me fez reler artigos, repensar quest\u00f5es da hist\u00f3ria da arquitetura brasileira, repensar escalas, espa\u00e7o e t\u00e9cnica. De certo modo, morar em Bras\u00edlia faz Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Darcy Ribeiro e tantas outras pessoas se tornarem menos abstratas e mais pr\u00f3ximas. Sei que ver Niemeyer est\u00e1 longe de conhecer<\/em> Niemeyer e nunca tive tal ilus\u00e3o, mas me sentia particularmente feliz com estes dois encontros. Entre imagens e lembran\u00e7as, tudo ampliava a presen\u00e7a dele, revigorava o mito, mas apontava indaga\u00e7\u00f5es que sempre s\u00e3o importantes de serem recobradas para n\u00e3o perder o prumo do senso cr\u00edtico: o que e a obra que ele deixa? Como \u00e9 a trajet\u00f3ria deste sujeito? Que obras ele leu? Que arquitetos ele estudou, de fato? Como era seu di\u00e1logo com Lucio Costa? …com Juscelino? Indaga\u00e7\u00f5es para as tantas hist\u00f3rias a serem formuladas.<\/p>\n Tudo isso reafirmava uma outra certeza: n\u00f3s, arquitetos, historiadores e pesquisadores de arquitetura temos muito, muito trabalho pela frente! H\u00e1 muito que descobrir e revelar de Oscar Niemeyer e de sua vast\u00edssima e complexa arquitetura. Este foi um dos coment\u00e1rios que pude verbalizar hoje para um jornalista durante o vel\u00f3rio. Se o enfrentamento cr\u00edtico de sua obra vem sendo constru\u00eddo com maior intensidade nos \u00faltimos 10, 15 anos \u2014atrav\u00e9s de artigos, disserta\u00e7\u00f5es e teses\u2014 a grande quest\u00e3o que se coloca agora, com urg\u00eancia, \u00e9: abram os arquivos! Deve haver croquis inimagin\u00e1veis para projetos em lugares e momentos hist\u00f3ricos inacredit\u00e1veis, casas desconhecidas, obras n\u00e3o constru\u00eddas ao redor do mundo. Enfim, um Oscar Niemeyer t\u00e3o potente e instigante quanto aquele que, hoje, julgamos conhecer.<\/p>\n Biografias s\u00e3o mais que necess\u00e1rias, ao mesmo tempo em que as quest\u00f5es que sua arquitetura provocam e fazem pensar, sua obra precisa ser objeto de um amplo debate pelos arquitetos e urbanistas, articulando-se com outros campos do conhecimento. Pensar e repensar Niemeyer poder ser muito importante pare pensar e repensar o Brasil. O respeito por Oscar Niemeyer e o interesse por sua arquitetura transcendem, em muito, um \u00e2mbito profissional espec\u00edfico. T\u00e3o conhecido como Pel\u00e9, t\u00e3o genial quanto Michelangelo e talvez t\u00e3o citado quanto Freud(!), vale lembrar o coment\u00e1rio de um taxista ou a defer\u00eancia do frentista do posto de gasolina no Eixinho, que acenava para o cortejo que conduzia seu corpo ao pal\u00e1cio.<\/p>\n N\u00e3o tenho informa\u00e7\u00f5es sobre quantas pessoas passarem pelo Pal\u00e1cio do Planalto, n\u00e3o sei qual o tamanho da fila na Pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes, n\u00e3o acompanhei a repercuss\u00e3o na imprensa internacional, n\u00e3o sei quantas twittadas<\/em> foram \u201carremessadas\u201d ou como as redes sociais se comportaram desde que seu falecimento foi anunciado. O que sei \u00e9 que o gesto da Presidente Dilma Rousseff ao abrir o pal\u00e1cio e realizar o vel\u00f3rio de Oscar Niemeyer em Bras\u00edlia, redime a cidade da malograda comemora\u00e7\u00e3o de seus 50 anos. Mais que uma vis\u00e3o de estadista ou o reconhecimento do arquiteto que a liturgia do cargo poderia incitar, este convite parece traduzir seu apre\u00e7o pela cidade.<\/p>\n Bandeiras a meio-pau<\/strong><\/p>\n Desde que soube que o vel\u00f3rio em Bras\u00edlia seria no Planalto, fiquei atento ao funcionamento do \u201cevento\u201d: movimenta\u00e7\u00e3o da Esplanada, policiais monitorando a Plataforma Rodovi\u00e1ria, helic\u00f3pteros, comitivas, rol de nomes para entrar, credenciais. Ao chegar ao Planalto por volta de 14:30h j\u00e1 havia muita movimenta\u00e7\u00e3o. Contudo, a chegada do corpo de Oscar Niemeyer ao pal\u00e1cio ocorreu sob um sil\u00eancio respeitoso e profundo, que s\u00f3 foi acentuado pela balb\u00fardia desnecess\u00e1ria dos jornalistas que acompanhavam o cortejo. Mesmo sabendo um pouco do protocolo, o entra-e-sai de carros, o vai-e-vem dos Drag\u00f5es da Independ\u00eancia indicava o que estava para acontecer, inclusive porque enquanto os boatos corriam, enquanto o sinal da internet permanecia fraco! O carro do Corpo de Bombeiros estacionou em frente \u00e0 rampa, o caix\u00e3o desceu e assim que come\u00e7ou a subir a rampa houve uma salva de palmas seguida de sil\u00eancio para sua entrada no sal\u00e3o do pal\u00e1cio. Em alguns momentos, a Presidente ficou bem pr\u00f3xima \u00e0 porta de acesso, parecendo t\u00e3o ansiosa quanto eu e quanto todos aqueles \u2014arquitetos, jornalistas, fot\u00f3grafos, estudantes, funcion\u00e1rios e curiosos\u2014 que estavam entre as colunas do Planalto, na sombra, aguardando.<\/p>\n Depois da chegada do caix\u00e3o e do hor\u00e1rio reservado, haveria uma espera para que fosse poss\u00edvel entrar e participar enfim do vel\u00f3rio propriamente dito. A fila oficial j\u00e1 se formava na Pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes, mas decidi ficar ali e aguardar na sombra. Por uma situa\u00e7\u00e3o fortuita e para minha sorte, junto com outros dois arquitetos, entrei no Pal\u00e1cio do Planalto. Assim que a porta do elevador se abriu reconheci algumas pessoas, me situei na log\u00edstica da organiza\u00e7\u00e3o dos espa\u00e7os. Entre conversas, coment\u00e1rios, acenos e apertos de m\u00e3o e engatei a fila certa para ver Oscar Niemeyer pela \u00faltima vez.<\/p>\n L\u00e1 de cima, do sal\u00e3o, avistava-se muita gente na Pra\u00e7a. Ao sair do pal\u00e1cio, cruzei a Pra\u00e7a, vi estudantes, encontrei conhecidos, reparei no esp\u00edrito c\u00edvico que emanava daquela fila formada sob o sol, mas tamb\u00e9m vi express\u00f5es de curiosidade e respeito de quem foi l\u00e1. Ao inv\u00e9s de tomar um t\u00e1xi, resolvi subir toda a Esplanada caminhando, parei para comer um pastel pr\u00f3ximo ao Minist\u00e9rio da Cultura, fato que ajustou o tempo da caminhada para que eu pudesse ouvir os sinos dobrando ao passar pela Catedral! Hoje, durante todo o dia o c\u00e9u de Bras\u00edlia esteve lindo: azul celeste-puro, com nuvens variad\u00edssimas, numa profus\u00e3o de formas, armando um jogo imprevis\u00edvel, sob uma luz potente, emocionante, como a arquitetura de Oscar Niemeyer \u00e9.<\/p>\n Bras\u00edlia, 06 de dezembro de 2012<\/em><\/p>\n Eduardo Pierrotti Rossetti<\/strong> Veja todas as mat\u00e9rias da s\u00e9rie Oscar Niemeyer 1907-2012.<\/a><\/p>\n
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\nArquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo, pesquisador-pleno e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Bras\u00edlia<\/p>\n
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