{"id":8605,"date":"2013-01-17T00:38:55","date_gmt":"2013-01-17T03:38:55","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=8605"},"modified":"2023-05-27T17:47:47","modified_gmt":"2023-05-27T20:47:47","slug":"o-brasil-de-luto","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2013\/01\/17\/o-brasil-de-luto\/","title":{"rendered":"O Brasil de luto"},"content":{"rendered":"
<\/a><\/p>\n Oscar de Vianna Vaz<\/p>\n <\/a><\/p>\n <\/a><\/p>\n Se uma das fun\u00e7\u00f5es da escrita \u00e9 tamb\u00e9m expurgar as tristezas, as linhas que seguem devem reconfortar-me quanto \u00e0 perda do grande arquiteto Oscar Niemeyer. Cento e quatro anos \u00e9 pouco. Um sopro, como ele mesmo costumava dizer quanto \u00e0 dura\u00e7\u00e3o de uma vida humana. Sua obra, certamente, durar\u00e1 uma eternidade, assim como a lembran\u00e7a de sua personalidade, na qual se equilibravam de forma amena tra\u00e7os t\u00e3o contrastantes, como o rigor cr\u00edtico e a amizade incondicional, a impaci\u00eancia e a tranquilidade, a acidez e a ternura. N\u00e3o \u00e9 de se estranhar, portanto, a conviv\u00eancia harmoniosa na obra do mestre de elementos t\u00e3o opostos quanto a leveza e o concreto, o movimento de corpos est\u00e1ticos, o simples e o monumental.<\/p>\n Falar de eternidade quanto \u00e0 obra de Niemeyer \u00e9, por\u00e9m, de certa forma, contradiz\u00ea-lo. Pois ele percebia, e seu discurso o comprova, a insignific\u00e2ncia e a impot\u00eancia do homem diante do eterno e do infinito. Talvez seja exatamente esta uma das principais caracter\u00edsticas dos grandes homens: a escolha de par\u00e2metros como a eternidade e a infinitude para balizar suas a\u00e7\u00f5es. E, depois, a mod\u00e9stia: \u201cO mais importante \u00e9 a vida, os amigos…\u201d. Ningu\u00e9m que tenha compartilhado de sua conviv\u00eancia deixou de ouvi-lo dizer tal frase.<\/p>\n \u00c9 por isso que acredito que n\u00e3o seja a hora de uma an\u00e1lise t\u00e9cnica ou est\u00e9tica de sua vasta obra. In\u00fameros estudiosos da arquitetura j\u00e1 o fizeram, e outros muitos ainda ir\u00e3o tentar preencher as lacunas deixadas pelos estudos j\u00e1 realizados. Nessa hora de luto, em que familiares, amigos e admiradores perdem o ch\u00e3o, melhor falar dos sentimentos oriundos desta falta.<\/p>\n Niemeyer, dentro e fora do Brasil, \u00e9 sin\u00f4nimo de criatividade, leveza, alegria, busca de perfei\u00e7\u00e3o, beleza. Talvez o que torna mais dif\u00edcil para os brasileiros aceitar a morte de Niemeyer \u00e9 que ele fazia parte daquele Brasil de que nos orgulhamos, daquele ao qual nos afiliamos imediatamente, sem hesita\u00e7\u00e3o \u2013 o cart\u00e3o-postal, a foto de viagem, o encantamento perante o belo. \u00c9 o paradoxo de se dizer brasileiro, conterr\u00e2neo, \u201cirm\u00e3o\u201d de Niemeyer, quando na verdade nos refletimos naquilo que o torna universal, cosmopolita, motivo de orgulho para o mundo. \u00c9, portanto, a aus\u00eancia desse elo entre o Brasil e a humanidade \u2013 no sentido de excel\u00eancia do humano \u2013 que lamentam os brasileiros com a desapari\u00e7\u00e3o do mestre. Felizmente, por\u00e9m, no caso de grandes artistas, tal elo n\u00e3o se rompe com a morte. Muitas vezes at\u00e9 ele se consolida e se desdobra em outras correntes. In\u00fatil dizer que a grandeza de sua obra e seu lastro, que arrebataram a admira\u00e7\u00e3o do mundo inteiro, estendem o sentimento de vazio tamb\u00e9m pelos lugares por onde ele passou, deixando sua marca.<\/p>\n Quanto a mim, sou arquiteto, belo-horizontino, e tive a sorte de morar, por quase dez anos, no Edif\u00edcio Niemeyer, na Pra\u00e7a da Liberdade. Nesse per\u00edodo, de 1998 a 2007, n\u00e3o nos cansamos, eu e minha mulher, de abrir as portas da nossa casa aos curiosos, amigos e desconhecidos, leigos e arquitetos, brasileiros e estrangeiros, que quiseram conhecer, por dentro, uma das belas obras que o Oscar nos deixou em Belo Horizonte. Ali\u00e1s, a cidade \u00e9 pr\u00f3diga em obras que encarnam a beleza da arquitetura de Niemeyer. Desde o edif\u00edcio onde morei at\u00e9 as obras da Pampulha, marco apontado pelo arquiteto como in\u00edcio de sua obra e ponto tur\u00edstico obrigat\u00f3rio da cidade, n\u00e3o s\u00f3 a admira\u00e7\u00e3o mas a como\u00e7\u00e3o \u00e9 o sentimento que domina o visitante desses espa\u00e7os \u00edmpares. Digo isso com um certo conhecimento de causa, pois, al\u00e9m de ter experimentado tais sentimentos, presenciei in\u00fameras rea\u00e7\u00f5es desse tipo. As turmas de alunos da Escola de Arquitetura da UFMG, trazidas por meus antigos professores, os estrangeiros de passagem, os amigos acompanhados de outros amigos \u2013 a surpresa e o fasc\u00ednio eram comuns \u2013, o que aumentava nosso prazer em compartilhar o espa\u00e7o que habit\u00e1vamos. Imaginem como seria Belo Horizonte sem as obras de Niemeyer, que iluminam a cidade, pululam em nossos cart\u00f5es-postais e conferem ao belo-horizontino uma refer\u00eancia, um senso de pertencimento a um mesmo lugar, a um mesmo grupo…<\/p>\n Vale, por\u00e9m, lembrar que a beleza alcan\u00e7ada por Niemeyer em suas obras n\u00e3o era um fim em si, mas uma porta de entrada em um universo arquitet\u00f4nico de coer\u00eancia interna, um universo guiado pelo rigor \u00e9tico e pelo engajamento pol\u00edtico de seu criador. O modernismo brasileiro, do qual ele foi o maior representante, foi por ele utilizado como forma de expressar, em sua arquitetura, a esperan\u00e7a de um mundo melhor, compartilhado por todos. N\u00e3o \u00e9 por acaso que vemos sua alegria em poder levar ao menos o prazer est\u00e9tico para todos, independente de credo, cor ou classe social. E o per\u00edodo modernista foi tamb\u00e9m um momento em que o Brasil teve a coragem de propor algo novo, e soube como faz\u00ea-lo, contra um destino supostamente inelut\u00e1vel.<\/p>\n Hoje, relembrando alguns pensamentos de Niemeyer, vejo o quanto eles s\u00e3o pertinentes \u00e0 nossa \u00e9poca e \u00e0 nossa situa\u00e7\u00e3o. Refiro-me especialmente aos princ\u00edpios da amizade, da justi\u00e7a e da solidariedade. Como arquiteto, n\u00e3o me impe\u00e7o de enxergar a coer\u00eancia de tais princ\u00edpios com sua arquitetura. Arquitetura que o manteve jovem at\u00e9 o fim. Fica aqui, portanto, meu sentimento nesta hora de despedida: Morreu jovem demais!<\/p>\n Texto originalmente publicado, com pequenas altera\u00e7\u00f5es, no Estado de Minas do dia 5 de janeiro de 2013, caderno Opini\u00e3o.<\/em><\/p>\n Oscar de Vianna Vaz \u00e9 mestre em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e doutorando na \u00c9cole des Hautes \u00c9tudes en Sciences Sociales<\/em>, em Paris.<\/p>\n Veja todas as mat\u00e9rias da s\u00e9rie Oscar Niemeyer 1907-2012<\/a><\/p>\n
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