{"id":8890,"date":"2013-03-18T01:26:18","date_gmt":"2013-03-18T04:26:18","guid":{"rendered":"http:\/\/puntoni.28ers.com\/?p=8890"},"modified":"2013-03-18T16:47:08","modified_gmt":"2013-03-18T19:47:08","slug":"oscarianas-mineiras","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/2013\/03\/18\/oscarianas-mineiras\/","title":{"rendered":"Oscarianas mineiras"},"content":{"rendered":"
<\/a><\/p>\n Jos\u00e9 Eduardo Ferolla<\/p>\n <\/p>\n <\/a><\/p>\n A vida n\u00e3o era apenas subir Bahia e descer Floresta.<\/p>\n Para mim, ao contr\u00e1rio, come\u00e7ava descendo Bahia.<\/p>\n O fim da linha era logo aqui, na Congonhas com Leopoldina. Guimar\u00e3es Rosa morava em frente, eu um quarteir\u00e3o acima e menino em p\u00e9 n\u00e3o pagava. De modo que \u00e0 medida que o bonde ia descendo, a turba ia aumentando.<\/p>\n Na Afonso Pena, \u00e0 meninada do Santo Ant\u00f4nio se agregavam as hordas das santas Tereza e Efig\u00eania e o caldo engrossava de vez.<\/p>\n Dali, balde\u00e1vamos para Afonso Pena, Itapecerica e Ant\u00f4nio Carlos, sa\u00edamos das Minas e, cruzado o Arrudas, j\u00e1 nas Gerais, o destino final seria um parque na beira da lagoa, em frente a uma capela estranha, diferente de toda igreja que mineiro j\u00e1 tinha visto.<\/p>\n A garotada nem olhava, pois o objetivo daquele raid<\/em> de domingo era correr pra alugar um bom cavalo e, no par-ou-\u00edmpar, decidir quem ficava com sela ou em pelo, s\u00f3 na manta, e assim, respectivamente investidos de mocinho e \u00edndio, partir pra correria pelos cerrados em meio a pequizeiros e cagaiteiras, das cujas todos j\u00e1 hav\u00edamos aprendido a ignorar a abundante oferta daquelas frutinhas amarelas e perfumadas, pois o nome da \u00e1rvore j\u00e1 dizia tudo.<\/p>\n A capela, entretanto, me chamava a aten\u00e7\u00e3o, inclusive porque j\u00e1 sabia da hist\u00f3ria de ter sido projetada por um tal de Niemeyer; que os desenhos naqueles azulejos azuis e brancos eram obra de um tal Portinari, de quem papai se arrependia n\u00e3o ter comprado uns quadros oferecidos por uma ninharia creio que pelo Capanema; que aquilo ali, portanto, era coisa de import\u00e2ncia nacional, mas que o bispo refugou e n\u00e3o deixava celebrar missa porque, pra ele, com aquela forma n\u00e3o podia ser igreja, mas coisa de ateus comunistas. Mas nada disso me preocupava, pois eu gostava mesmo era de uma outra coisa, mais estranha ainda, chamada \u201ccasa do baile\u201d.<\/p>\n Menino, eu j\u00e1 me deslumbrava como aquelas ondula\u00e7\u00f5es incrivelmente me evocavam versos ensinados pela Dona Ester:<\/p>\n … Valsavas. <\/a><\/p>\n R\u00e9gua, giz, borracha e mata-borr\u00e3o, assim diziam. Coincid\u00eancia? S\u00f3 sei que a gente ali respirava liberdade, ningu\u00e9m te pajeando, ningu\u00e9m preocupado se voc\u00ea estava na aula ou atr\u00e1s do mata-borr\u00e3o fumando e\/ou namorando, sem muros pra te prender, s\u00f3 aquele arrimo f\u00e1cil de pular nivelando o terreno. Mas, se n\u00e3o estudasse…<\/p>\n Muitos contempor\u00e2neos ilustres: Henfil, Tost\u00e3o, Elke Maravilha, Martinha \u201cQueijinho de Minas\u201d, Affonso Romano de Sant\u2019anna, Humberto e Dorot\u00e9ia Werneck, at\u00e9 a Dilma (mas, quem era ela, quem conheceu essa Dilma?).<\/p>\n Fernando \u201cMangabeira\u201d Pierucetti, criador do \u201cGalo\u201d, da \u201cRaposa\u201d, do \u201cCoelho\u201d, o que acabou virando regra esportiva no Brasil (n\u00e3o ganhou um tost\u00e3o de royalties), com singular\u00edssimo m\u00e9todo de ensinar geometria, obrigando-nos a desenhar todas as suas aulas a m\u00e3o livre num caderno previamente quadriculado tamb\u00e9m a m\u00e3o livre. Amaro Xisto e as teorias de Paul Rivet e Alec Hrdlisca, ensinando antropologia e sambaquis para meninos cheios de espinhas. Quatro anos de latim me ensinaram que Gallia est omnis divisa em partes tres, quarum unam incolunt Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum lingua Celtae, nostra Galli apelantur<\/em>, coroados por mais dois com Dona Etel nos regendo pelo Manual de Canto Orfe\u00f4nico do Villa-Lobos.<\/p>\n Ter\u00e1 sido a obra de Niemeyer a indutora daquele clima no Col\u00e9gio Estadual? N\u00e3o h\u00e1 como saber, mas a gente tratava o col\u00e9gio como casa da gente, sent\u00edamo-nos honrados e privilegiados por viver e estudar num lugar t\u00e3o bacana, obra daquele mesmo cara que, com Lucio Costa, estava construindo uma cidade no planalto central.<\/p>\n Veio a ditadura e \u2013 primeiro ato de fazer-se presente \u2013 gradeou o col\u00e9gio.<\/p>\n Passados dois dias j\u00e1 n\u00e3o mais restava tela alguma, s\u00f3 os quadros tubulares vazios, que mais nos ajudavam, num bal\u00e9 coletivo, balan\u00e7ar o corpo para mais elegantemente aterrissarmos na S\u00e3o Paulo pro \u201cp\u00e3o-molhado\u201d no seu \u00c1lvaro.<\/p>\n <\/a><\/p>\n E como n\u00e3o havia como ser de outro jeito, em 66 l\u00e1 estava eu, come\u00e7ando meu curso de arquitetura.<\/p>\n Na primeira escola do Brasil nascida como escola de Arquitetura, a da UFMG, onde se vivia um clima glorioso: Bras\u00edlia j\u00e1 era uma realidade, a escola acabara de ser premiada no Concurso Internacional de Escolas de Arquitetura da Bienal de S\u00e3o Paulo, Brasil era um pa\u00eds com arquitetura de ponta.<\/p>\n Quanto mais a ditadura ia arrochando o torniquete, mais descobr\u00edamos como burl\u00e1-la. Nunca mais fomos pa\u00eds t\u00e3o criativo como tivemos que ser principalmente depois do AI-5.<\/p>\n A arquitetura do Oscar al\u00e7ava voos vertiginosos. De um incr\u00edvel projeto para uma edifica\u00e7\u00e3o destinada \u00e0 m\u00fasica, com teatros suspensos a cada lado de duas vigas estaiadas de Pier Luigi Nervi, ele dizia: desejosos de preservar a vista para o mar, suspendemos o edif\u00edcio e criamos dois balan\u00e7os de 50 metros<\/em>, e a gente ria, ria…<\/p>\n Tinha de conhecer a nova capital pra ficar chocado ao ver ao vivo \u2013 s\u00f3 n\u00e3o digo a cores \u2013 a incr\u00edvel leveza do Pal\u00e1cio do Planalto, a inven\u00e7\u00e3o da catedral, aquela sucess\u00e3o de palmeiras como se me apresentou o Pal\u00e1cio do Itamarati. Logo depois, a Bienal de 67 me apresentou o conjunto do Ibirapuera (hoje completado por ele mesmo com um teatro e uma l\u00edngua de Mick Jagger). A juventude ainda nos dava f\u00f4lego para subir, correndo, at\u00e9 o topo da Oca. Descer era outra est\u00f3ria…<\/p>\n O curso de arquitetura foi nos apresentando outros personagens, como Frank Lloyd Wright, Ludwig Mies van Der Rohe, Charles-Edouard Jeanneret Gris, dit<\/em> Le Corbusier…<\/p>\n Se Le Corbusier me fez saber apreciar melhor o Cassino da Pampulha, calou-se passados mais de 20 anos ante o sil\u00eancio de Kahn em Ahmadabad. Mas os trabalhos de Niemeyer e Mies, pra mim, at\u00e9 hoje – depois dos construtores de catedrais – s\u00e3o insuper\u00e1veis inven\u00e7\u00f5es.<\/p>\n Oscar continuava aprontando, usando da Justi\u00e7a pra fazer, como em na Fontana di Trevi<\/em>, uma fachada-fonte, espicha e deforma o Itamarati em Mil\u00e3o, achata e rasga embaixo a Oca<\/em> em Argel, e a M\u00f3dulo a cada edi\u00e7\u00e3o nos apresentava mais novidades, acompanhado de Bruno Contarini e de Joaquim Cardozo, aquele que fazia cantar os apoios<\/em>.<\/p>\n At\u00e9 1971. No dia 4 de fevereiro, estava eu nas proximidades coletando material para minha disserta\u00e7\u00e3o de urbanismo. A pe\u00e3ozada almo\u00e7ava sobre um grande espa\u00e7o de 300x70m quando o canto virou estrondo. Morreram 69 na hora, quase metade depois e, logo mais, foi Cardozo quem n\u00e3o mais p\u00f4de suportar aquilo.<\/p>\n Seria um edif\u00edcio bonito, duas enormes vigas paralelas de 300x15m separadas 70 metros, unidas acima por vigas-calha interligadas por ab\u00f3bodas de vidro. Iria abrigar o acervo daquela Feira de Amostras do Berti demolida para dar lugar \u00e0 rodovi\u00e1ria de Fernando Gra\u00e7a e outros.<\/p>\n O que sobrou, mais tarde, demoliram de pura vergonha.<\/p>\n <\/a><\/p>\n Os bondes h\u00e1 muito j\u00e1 n\u00e3o existiam, nem mais aquela gra\u00e7a da aventura dominical, mas a nossa revista foi se chamar Pampulha \u2013 revista de arquitetura, arte e meio ambiente<\/em>.<\/p>\n Um bando de malucos fazendo uma revista toda a m\u00e3o. Lan\u00e7amos um n\u00famero 1 em Bras\u00edlia no primeiro congresso de brasileiro de arquitetos p\u00f3s-sil\u00eancio<\/em>.<\/p>\n <\/a><\/p>\n <\/a><\/p>\n Os homenageados, n\u00e3o poderiam deixar de ser Lucio Costa e Oscar Niemeyer. N\u00e3o foi a primeira vez que nos encontramos, mas, desta vez, naquelas entrevistas, a conversa foi bem mais franca.<\/p>\n Primeiro Lucio, na Delfim Moreira, numa bagun\u00e7a entre fotos da filha, bras\u00e3o bizantino, lata de Ovomaltine e um quarto completamente lotado de jornais (ser\u00e1 que nunca passou pela cabe\u00e7a dele a possibilidade de por aquele velho pr\u00e9dio abaixo?).<\/p>\n Sua conversa nos fez ler, nas entrelinhas, que as coisas j\u00e1 n\u00e3o andavam t\u00e3o bem entre eles.<\/p>\n Costa declara-se cansado de assistir \u00e0quele show de ferragens \u00e0 milanesa<\/em>.<\/p>\n <\/a><\/p>\n Oscar, do seu costumeiro pouso Art D\u00e9co no Posto Seis \u2013 em cujo terra\u00e7o a vertigem nunca o deixou chegar – fez pose, xingou deus e o mundo, para depois nos entregar, datilografado, um mais do mesmo<\/em>, aquela conversa de…quando eu fiz Pampulha… das curvas das mulheres brasileiras<\/em>… bl\u00e1, bl\u00e1, bl\u00e1…\u201d, mais um desenho (para a capa, ele disse \u2013 nada menos…), com a pra\u00e7a defronte do Planalto cheia (no dizer de Lucio Costa) de pinguins \u00e0 guisa de povo…<\/p>\n Engra\u00e7ado ele citar as curvas das mulheres brasileiras, mas aquela topografia de matagais p\u00e9lvicos da foto de Lucien Clergue, bem iluminada ao fundo de sua mesa (ele, pudicamente, punha um desenho seu \u00e0 frente quando havia mo\u00e7oilas no recinto…) s\u00e3o bem franceses. Ou ser\u00e3o argelinos?<\/p>\n Pampulha, de novo… <\/a><\/p>\n Nessas alturas, na diretoria do IAB-MG lutando pela preserva\u00e7\u00e3o de nosso patrim\u00f4nio natural e cultural, acabamos nos reencontrando e juntos, mais \u201cautoridades\u201d (como se n\u00e3o fosse ele a maior) percorremos a capela, o Cassino e a Casa do Baile. O Iate, depois das interven\u00e7\u00f5es<\/em> de colegas<\/em> ali realizadas, nem perto quis passar, que aquilo estava uma xculhamba\u00e7\u00e3o<\/em>…<\/p>\n Deu certo, a bronca.<\/p>\n As autoridades, feridas nos brios, resolveram dar um jeito naquilo. E tive a felicidade de participar do baile da reinaugura\u00e7\u00e3o da Casa do Baile ao som de Carlos Fernando + Nouvelle Cuisine. Pas mal<\/em>…<\/p>\n <\/a><\/p>\n Ainda mal curado do trauma da entrevista da Pampulha<\/em>, me envolvi noutro papel\u00e3o.<\/p>\n Cen\u00e1rio: Rio de Janeiro, Avenida Presidente Vargas, em frente ao 2\u00ba Ex\u00e9rcito, ao lado do Campo de Santana e, atr\u00e1s, junto ao casario da Rua da Alf\u00e2ndega. Concurso p\u00fablico nacional para a Biblioteca P\u00fablica do Rio.<\/p>\n Ele, no j\u00fari, premia projeto incompleto e inconcluso de um afilhado<\/em>.<\/p>\n A grita \u00e9 geral, principalmente entre os cariocas, para quem, at\u00e9 ent\u00e3o, era unanimidade inquestion\u00e1vel, a ponto de deixar outro g\u00eanio da terra, S\u00e9rgio Wladimir Bernardes, praticamente no esquecimento.<\/p>\n A coisa engrossou, o IAB-RJ chiou, o CREA-RJ condenou, JB publicou, pra tudo se acabar em pizza. Com cabelo.<\/p>\n Concursos… Coisa complicada.<\/p>\n Capanema, funcion\u00e1rio p\u00fablico, melou um concurso p\u00fablico pra emplacar a turma do Lucio Costa no Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Niemeyer, nesta hist\u00f3ria do Rio, j\u00e1 era veterano. Debutou no concurso do Plano Piloto de Bras\u00edlia, impondo a proposta do Lucio. Contava isso pra todo mundo nos seus detalhes mais s\u00f3rdidos.<\/p>\n Mas sempre foi um Robin Hood. Ganhava pra repartir. Nisso um comunista aut\u00eantico, durante anos sustentou a fam\u00edlia de Prestes. O problema de um temperamento destes \u00e9, como cavalo velho, a carrapatada que nele agarra.<\/p>\n Na \u00e2nsia de agradar gregos e baianos, tendo muitos a quem sustentar, tudo come\u00e7ava a contribuir para que a qualidade da cria\u00e7\u00e3o come\u00e7asse a declinar.<\/p>\n <\/a><\/p>\n Os cinco minutos de fama proporcionados pelo sucesso alcan\u00e7ado no concurso internacional Bibliotheca Alexandrina<\/em> me levaram a S\u00e3o Paulo como convidado no Congresso Brasileiro de Arquitetos, onde tive a oportunidade de reencontrar com Lucio Costa pela \u00faltima vez.<\/p>\n Manifestando querer conhecer o Memorial da Am\u00e9rica Latina, l\u00e1 fomos, Pirondi e eu, a cicerone\u00e1-lo.<\/p>\n Eu, que tamb\u00e9m n\u00e3o conhecia a obra, fiquei horrorizado. Ele n\u00e3o disse palavra sequer, at\u00e9 que chegamos biblioteca e a\u00ed seus olhos brilharam: \u00e9 uma extrus\u00e3o da igrejinha da Pampulha!<\/em> Mas n\u00e3o passou disso, dava pra sentir no ar a decep\u00e7\u00e3o.<\/p>\n <\/a><\/p>\n No lusco-fusco da volta, nos fez parar sob o Minhoc\u00e3o, onde desceu, olhou pra l\u00e1, pra c\u00e1 e, maravilhado, exclamou: que coisas incr\u00edveis podem acontecer aqui, vejam como esse lugar \u00e9 cheio de vida!<\/em><\/p>\n Isso, depois de ver aquela desola\u00e7\u00e3o daquela enorme \u201cbandeja\u201d onde se disp\u00f5em as obras do memorial…<\/p>\n A partir da\u00ed, salvo algumas exce\u00e7\u00f5es, fui vendo sua (dele?) obra degenerar.<\/p>\n Mais uma vez entramos em rota de colis\u00e3o, desta vez por causa da nossa Cidade Administrativa<\/a>.<\/p>\n Publiquei isso, sem o saber, a exatos 33 anos depois do estrondo.<\/p>\n Minha briga, na verdade, era com o rapaz ent\u00e3o dirigindo o Estado, mas sempre me espantou como um personagem daqueles, assumidamente comunista, com todo o respeito com que o cercavam, nunca falava n\u00e3o, sempre sabia quando convenientemente se calar para assim fazer sua obra, por mais inconveniente que fosse.<\/p>\n <\/a><\/p>\n \u00c0s vezes, como a\u00ed ao lado (1969), a gente achava at\u00e9 que era brincadeira, que ele jamais imaginaria algu\u00e9m louco o suficiente para demolir o Pal\u00e1cio da Liberdade pra fazer isso no lugar, mas como Isreal Pinheiro, de uma twinscrapper<\/em>, muito pouco se diferenciava, e como n\u00f3s est\u00e1vamos no auge de uma ditadura, quando, se algu\u00e9m apenas triscasse, levava chumbo, sinceramente, eu n\u00e3o brincaria e menos ainda arriscaria…<\/p>\n O fato \u00e9 que passei cada vez mais a questionar algumas de suas mirabolices e de suas justificativas. No nosso Pal\u00e1cio das Artes, por exemplo, onde ele come\u00e7ava justificando n\u00e3o ter outro lugar para faz\u00ea-lo que n\u00e3o no nosso j\u00e1 ex\u00edguo e mutilado Parque Municipal, sempre estranhei, logo ele que, desde o come\u00e7o de sua obra, n\u00e3o dispensava um brise soleil<\/em>, deixar o foyer<\/em> e as salas de ensaio do corpo de baile rachando ao noroeste sem prote\u00e7\u00e3o alguma, at\u00e9 o dia em que achei o projeto l\u00e1 mesmo, num dep\u00f3sito do teatro, e naqueles desenhos pasmo constatar que a orienta\u00e7\u00e3o estava errada. Ser\u00e1 que ele n\u00e3o foi l\u00e1 nem uma vez dar uma olhadela, nem que rapidinha, e nem precisaria disso, se bastava ver a posi\u00e7\u00e3o da Afonso Pena em qualquer mapa da cidade? Fiquei muito, muito assustado.<\/p>\n N\u00e3o que ele se preocupasse em contextualizar seus projetos \u2013 todos os modernistas eram messi\u00e2nicos e sempre desprezavam o que antes houvesse \u2013 mesmo porque suas obras, de t\u00e3o grandiosas, sempre criaram um novo contexto ou dominariam qualquer contexto urbano que fosse, mas, da\u00ed a cometer descalabros desta ordem?<\/p>\n Chegando a projetar o mesmo para qualquer lugar?<\/p>\n A Cidade Administrativa, por exemplo. Primeira vez que a vi seria localizada num topo, num arranjo tipicamente niemeyeresco, tudo e a todos dominando. Foi preciso, gra\u00e7as a Deus, que engenheiros demonstrassem que ali n\u00e3o dava, que o custo de criar acessos \u00e0quela cidadela compat\u00edveis ao grande afluxo vi\u00e1rio inviabilizaria a obra. E eis que, num passe de m\u00e1gica, o projeto vai parar num brejoso fundo de vale, sem nada tirar, nem por, como se fosse maquete que, de um mesa, foi pro tamborete. Quando vi os desenhos adesivados nos \u00f4nibus, comentei que p\u00e9ssima foto-inser\u00e7\u00e3o, quem fez n\u00e3o percebeu como estava fora de escala?<\/em>\u00a0Hoje, sempre que vou ou volto de Confins, percebo que o erro n\u00e3o foi de quem fez a fotomontagem. Aquilo \u00e9 um desastre. Meu consolo foi supor que nada mais daquilo era dele, mas da vassalagem<\/em>, que ele, se pudesse ver, jamais se enganaria daquele jeito, n\u00e3o aceitaria que aqueles dois enormes edif\u00edcios passassem de norte-sul para leste-oeste, n\u00e3o deixaria de propor amebas ibirapuerianas interligando-os ao pal\u00e1cio e jamais admitiria que aquela pequena e desproporcional caixinha de talco Royal Briar<\/em> se fizesse de centro de conviv\u00eancia<\/em> e vai por a\u00ed afora.<\/p>\n Niemeyer passou da hora de parar e nem tenho como afirmar se queria ou mesmo poderia tal a enorme flora intestinal a sustentar.<\/p>\n Um absurdo, essa franquia<\/em> familiar, como que desenterrando das mapotecas coisas recusadas, muitas vezes pelo pr\u00f3prio autor, mexendo daqui, dali, reciclando (mal) o que encontrava, procurando a todo custo manter cont\u00ednuo o fluxo proporcionado por esta safadeza denominada not\u00f3ria especializa\u00e7\u00e3o<\/em>, desenvolvendo mal e detalhando porcamente, sem qualquer escr\u00fapulo, o que o mestre rabiscava.<\/p>\n Na hora em que n\u00e3o mais for poss\u00edvel manter o que em qualquer empresa se chamaria \u201ccontrole de qualidade\u201d, seria a hora de parar.<\/p>\n O detalhamento e os acabamentos do Memorial da Am\u00e9rica Latina s\u00e3o uma vergonha. D\u00e1 d\u00f3 ver o primitivismo tosco com que foram resolvidos e detalhados os guarda-corpos das rampas \u2013 e as pr\u00f3prias rampas \u2013 do Museu de Niter\u00f3i, com aqueles policarbonatos alveolares ora num sentido, ora no outro…<\/p>\n Claro que n\u00e3o daria mais para hoje continuar com os requintes de alabastros, cristais belgas \u00e2mbar e pilares de inox do Cassino. Mas a singeleza dos detalhes do piso e do forro da capela, a coer\u00eancia com que dialogavam, a propriedade de cada escolha, na dose certa para n\u00e3o sujar o branco, tudo isso se foi. S\u00f3 salvou o branco.<\/p>\n Por que a decad\u00eancia? Ser\u00e1 que a resposta pode ser t\u00e3o simples, ele n\u00e3o mais estar mais no comando?<\/p>\n \u00c0s vezes ainda deu certo, como o novo teatro. Ao contr\u00e1rio de Bras\u00edlia, desta vez assentado num cateto e, da hipotenusa, brotando a nova lingua do Mick Jagger<\/em> do Ibirapuera.<\/p>\n <\/a><\/p>\n E, no Centro Administrativo de Minas, a\u00ed est\u00e1 mais uma vez o coitado, avalizando a mediocridade dos nossos mandat\u00e1rios.<\/p>\n Contratar Niemeyer, depois de 1993, passou a ser garantia de atropelo \u00e0 Lei de Licita\u00e7\u00f5es e Contratos por um artif\u00edcio que ningu\u00e9m tinha coragem de retrucar: que aquele senhor, ent\u00e3o com apenas 86 anos, era um g\u00eanio incontest\u00e1vel.<\/p>\n E tudo ficava mais f\u00e1cil, e muito mais r\u00e1pido: nada de concursos, concorr\u00eancias ou tomadas de pre\u00e7o, processos demorados, frequentemente pass\u00edveis de impugna\u00e7\u00e3o, acarretando aquilo a que pol\u00edtico tem verdadeiro horror – lentid\u00e3o e auditoria. Ao contr\u00e1rio, resultava no que os fazia, digamos, delirar: n\u00e3o prestar contas nem dar satisfa\u00e7\u00f5es a quem quer que seja e tudo isso sob chuva de aplausos da m\u00eddia e do povo em geral.<\/p>\n Tem obra de Niemeyer neste Brasil pra tudo quanto \u00e9 canto e, como coelhos, continuaremos a assistir a prolifera\u00e7\u00e3o desta escorchante e perversa franchising<\/em>.<\/p>\n Parente \u00e9 serpente.<\/p>\n Dezembro de 2012.<\/p>\n Jos\u00e9 Eduardo Ferolla \u00e9 Engenheiro Arquiteto, Urbanista e Veja todas as mat\u00e9rias da s\u00e9rie Oscar Niemeyer 1907-2012<\/a><\/p>\n Veja todas as mat\u00e9rias sobre Oscar Niemeyer j\u00e1 publicadas na revista MDC<\/a> Colabora\u00e7\u00e3o editorial: Luciana Jobim Jos\u00e9 Eduardo Ferolla<\/p>\n","protected":false},"author":6206942,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_coblocks_attr":"","_coblocks_dimensions":"","_coblocks_responsive_height":"","_coblocks_accordion_ie_support":"","advanced_seo_description":"","jetpack_seo_html_title":"","jetpack_seo_noindex":false,"jetpack_post_was_ever_published":false,"_jetpack_newsletter_access":"","_jetpack_dont_email_post_to_subs":false,"_jetpack_newsletter_tier_id":0,"_jetpack_memberships_contains_paywalled_content":false,"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":"","jetpack_publicize_message":"","jetpack_publicize_feature_enabled":true,"jetpack_social_post_already_shared":false,"jetpack_social_options":{"image_generator_settings":{"template":"highway","enabled":false},"version":2}},"categories":[15075523,55600,3919,131443376],"tags":[22956294,1271633,9751854,960692],"class_list":["post-8890","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-jose-eduardo-ferolla","category-mg","category-opiniao","category-oscar-niemeyer-1907-2012","tag-arquitetura-mineira","tag-arquitetura-moderna","tag-arquitetura-moderna-brasileira","tag-oscar-niemeyer"],"jetpack_publicize_connections":[],"jetpack_featured_media_url":"","jetpack_likes_enabled":true,"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_shortlink":"https:\/\/wp.me\/plwdR-2jo","jetpack-related-posts":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8890","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/6206942"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=8890"}],"version-history":[{"count":24,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8890\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":8994,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/8890\/revisions\/8994"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=8890"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=8890"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/puntoni.28ers.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=8890"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}Cinquenta e Tantos<\/h3>\n
\nTeus belos
\nCabelos,
\nJ\u00e1 soltos,
\nRevoltos,
\nSaltavam,
\nVoavam,
\nBrincavam
\nNo colo
\nQue \u00e9 meu;
\nE os olhos
\nEscuros
\nT\u00e3o puros,
\nOs olhos
\nPerjuros
\nVolvias;
\nTremias;
\nSorrias
\nPra outro
\nN\u00e3o eu…<\/p><\/blockquote>\nSessenta e Poucos<\/h3>\n
\nDepois do Pedro II, do Rio, o melhor col\u00e9gio do Brasil.
\nTamb\u00e9m coisa daquele tal de Niemeyer.<\/p>\nSessenta e Muitos<\/h3>\n
Setenta e Muitos<\/h3>\n
Oitenta e Poucos<\/h3>\n
\nEssa coisa \u00e9 que nem visgo, pegou, solta mais n\u00e3o.<\/p>\nNoventa e Muitos<\/h3>\n
Dez e Poucos<\/h3>\n
\u00bfHasta Cu\u00e1ndo?<\/em>
\n\u00bfHasta Cu\u00e1ndo?<\/em><\/h3>\n
\n
\nprofessor da Escola de Arquitetura da UFMG.<\/p>\n
\n
\nSee everything on Oscar Niemeyer published on MDC magazine<\/a><\/p>\n
\n<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"